Lúcia Garcia: “Não basta para o negro ampliar sua escolaridade”
publicado em 12 de novembro de 2013 às 22:42
por Luiz Carlos Azenha
O Brasil precisa de uma ampla campanha de valorização cultural do trabalho dos negros, se quiser superar as disparidades salariais entre negros e não negros observadas na mais recente pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, o Dieese.
A avaliação é de Lúcia dos Santos Garcia, que comandou a equipe de cerca de 500 pesquisadores que, durante o ano de 2013, ouviu mais de 600 mil trabalhadores nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal, na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese. Um recorte da pesquisa, analisando a situação dos negros no mercado do trabalho, será divulgado nesta terça-feira.
A pesquisa constatou que os negros (e pardos) recebem bem menos por hora trabalhada que os brancos independentemente da escolaridade. Sim, você ouviu bem: INDEPENDENTEMENTE da escolaridade. Em média, a hora trabalhada do negro/pardo vale 63,8% da hora trabalhada do branco.
Os pardos, assim definidos a partir da observação dos pesquisadores (em menor escala, por autodeclaração), foram agregados aos negros por serem tão vítimas de preconceito/discriminação quanto.
Mas, de onde vem a diferença?
Segundo os dados levantados pela pesquisa, do fato de que negros e pardos ocupam majoritariamente os postos de trabalho na base da estrutura produtiva, empregos que exigem, segundo Lúcia, “menor potencialidade cognitiva, baixa intensidade de conhecimento, são mais difíceis, perigosos e repetitivos, exigem força física e pouca decisão ou criatividade”.
Exemplos?
Analisem os quadros abaixo:
Lúcia dos Santos Garcia trabalha na PED desde 1994.
A partir dos dados que coletou nos últimos anos, constatou que a escolaridade aumenta, com certeza, a renda do negro, mas não diminui a desigualdade com os brancos.
Por que?
Ela acredita que o preconceito persistente tem formas insidiosas e subterrâneas de se manifestar, de tal forma que atropela toda a legislação vigente e dificulta a ascensão dos negros e pardos em suas carreiras. Embora isso não tenha sido objeto da pesquisa, Lúcia está certa de que o fato de que a maioria dos empregadores é branca é fator importante. Haveria uma “naturalização” da ideia de que o trabalho do negro é inferior, justificando assim salários menores independentemente do setor da economia ou da escolaridade.
Em São Paulo, segundo dados da pesquisa, enquanto 18,1% dos brancos chegam a cargos de direção e chefia, para negros e pardos o percentual é de 5,7%.
Lúcia destaca que é senso comum entre os brasileiros que o trabalho dos imigrantes brancos estrangeiros deu grande contribuição à construção do país, mas não se diz o mesmo daqueles que efetivamenteconstruiram desde sempre o Brasil.
Por isso, além de defender as cotas para empregos — por exemplo, de funcionários públicos — a pesquisadora propõe campanhas de valorização do trabalho do negro, da mesma forma que se fez para superar preconceito e discriminação homoafetiva ou contra as mulheres.
A contribuição fundamental dos negros para a construção do Brasil, diz ela, “precisa ser dita, repetida, trabalhada nas escolas, com as novas gerações”. Políticas afirmativas, no caso brasileiro, não são suficientes: é preciso lidar com a herança cultural do escravismo, que se expressa no fato de que um negro/pardo com diploma superior continua ganhando cerca de 60% do valor de uma hora trabalhada por um branco.
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Clique abaixo para ouvir as duas partes da entrevista. Ela começa com uma boa notícia: a taxa de desemprego dos negros/pardos está ficando mais próxima da taxa de desemprego dos brancos.
No pé do post, os gráficos da pesquisa.
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