Passeio pelo mar do pescador de livros e leitores
Postado por redacao em 28 de outubro de 2013 - Literatura
Na postagem de abertura do blog Livros A+, o passeio é pelo bosque da ficção, da docência, da crônica e principalmente do ensaísmo, enfim pelo mar de ideias do pescador de livros e leitores, o patrono da 59ª Feira do Livro de Porto Alegre, Luís Augusto Fischer. O escolhido para esta árdua mas gratificante missão já ousou dar as tintas de qual a sua filosofia de vida e de carreira, no subtítulo do seu livro de ensaios e artigos intitulado Filosofia Mínima(Arquipélago, 336p., 2011), que são: Ler, Escrever, Ensinar e Aprender.
No mesmo livro, a apresentação do professor Flávio Loureiro Chaves também dota Fischer da identidade de um sujeito que escreve porque “traz a literatura na alma e trafega no prazer do texto”. Leitor de Machado de Assis e Jorge Luis Borges, discípulo de Antonio Candido, com teses antimodernistas e contra a pauliceia desvairada de Oswald e Mario de Andrade, Fischer é um professor daqueles que falam a linguagem dos alunos e os inspira. Estudioso de uma literatura mundial e também de línguas faladas, mas que não habitariam os vernáculos oficiais, como o Porto-Alegrês, cujo dicionário lhe rendeu notoriedade e a liderança nas vendagens da Feira do Livro, em 2001, está sempre arquitetando algo no mundo das letras.
Por tudo isto, este doutor em Letras pela Ufrgs e professor de Literatura Brasileira na mesma instituição foi o personagem escolhido para inaugurar o blog. Nesta entrevista (que será publicada em duas partes), o pescador de livros e leitores (brincadeira com o significado traduzido do seu sobrenome alemão), Fischer fala da importância de ser patrono da Feira, que será realizada de 1º a 17 de novembro, na Praça da Alfândega, sobre literatura gaúcha, ensaio e a defesa dos leitores.
Livros A+ - Passadas as primeiras semanas da escolha da tua pessoa e pensamento para patrono da Feira do Livro, qual a tua análise sobre a importância desta função e também como pretendes exercer esta incumbência?
Luís Augusto Fischer – Deu pra ver que a importância simbólica do patrono é grande, muito grande mesmo. Me dei conta de que ele (este ano, eu) representa a Feira concretamente, para a gente comum da cidade; e como a Feira é muito querida por todo mundo, mesmo para quem não é leitor, me parece que o patrono acaba herdando um carinho grande, meio de graça, poderia dizer independentemente de sua eventual obra. E foi me dar conta disso, entre outros motivos para não “me achar” demais… Sobre como pretendo exercer essa espécie de mandato, tenho dito que me considero, como sempre, um leitor, alguém que frequenta a Feira como leitor interessado em livros que não leu ainda, que não tem e quer ter. Como sou um antigo colaborador da Feira (há pelo menos 20 anos eu dou sugestões, tenho algumas iniciativas, participo de mesas etc.), não vejo grande diferença na minha atuação, salvo pelo fato de que neste ano vou estar muito mais presente lá, entre as barracas, conversando e tal.
Livros A+ – Partindo de uma frase extraída de um ensaio teu de que “sempre há interpretação, nunca há leitura neutra” e de outra de Alfredo Bosi de que “ler é colher tudo quanto vem escrito. Mas interpretar é eleger…”, como podemos fazer a leitura e interpretar o atual momento da literatura brasileira e mais especificamente a gaúcha?
Fischer - Em termos de mercado, a literatura nunca esteve tão bem no país, pode crer. Tem editoras maduras, tem um circuito forte de divulgação e de promoção do livro e do autor, tem um mercado de tradução e de versão muito melhor do que jamais foi. Naturalmente isso tem a ver com o bom estado geral da economia, com inflação controlada, distribuição de renda, grande ampliação da oferta de ensino, em todos os níveis, etc., tudo isso numa proporção que, para a minha geração, tem qualquer coisa de fenomenal. Nesse contexto, há uma impressionante vitalidade de criação literária, creio que em todos os gêneros, Brasil afora. No RS, em particular, isso se vê em escala talvez até maior do que na maioria dos estados, provavelmente fruto de políticas e práticas continuadas de uma série de iniciativas, como as oficinas de criação, as visitas de escritores em escolas e as feiras de livro, que se espalham por todo o estado, seja em praças públicas, seja em escolas, e todas elas querendo conversar com o autor, lendo seus livros. Mais uma vez vendo as coisas a partir da minha experiência geracional, estamos vivendo um momento excepcional, em que a grande quantidade ajuda a engendrar qualidade, que vai aparecer a médio e longo prazo.
Livros A+ – Por falar em ensaio, a tua tese de doutorado sobre o Nelson Rodrigues ensaísta acabou virando livro “Inteligência com Dor” e ajudou a dimensionar melhor as diferenças entre os gêneros crônica e ensaio. A pergunta é sobre como estás vendo o espaço que o gênero ensaio vem recebendo entre as publicações por editoras comerciais (não as acadêmicas) no Brasil e quais os grandes ensaístas do momento?
Fischer - Questão mais sutil, essa. Tem algum espaço para o ensaio nas editoras comerciais, mas não é tão óbvio dizer isso, a começar pelo conceito de ensaio que estejamos tomando em conta. No campo acadêmico, em que há ensaios em um sentido do termo (que não é o sentido da minha tese, nem o da tua pergunta), há uma infinidade de iniciativas editoriais, em papel ou em meio digital; no mercado por assim dizer leigo, o espaço mais notável, no campo específico, é reservado para a crônica. Veja o caso da editora Arquipélago, aqui de Porto Alegre, que edita livros meus: ela se define como uma editora de não-ficção, oferecendo reportagens-quase-ensaios, como os textos da Eliane Brum (excelentes sempre e amplamente recomendáveis) e crônicas, mas também estudos como os meus, entre os quais há um, o Filosofia Mínima, que tem certa alma de ensaio, ou ao menos espero que tenha.
Livros A+ – Nas primeiras entrevistas como patrono da Feira do Livro, tu disseste que queria defender o leitor e oferecer uma maior diversidade de livros aos frequentadores da feira. Na tua opinião, o que dificulta o acesso ao maior número de títulos nas bancas tradicionais ou nas representadas por sebos? Há uma questão ligada aos distribuidores ou são os livreiros que não querem arriscar?
Fischer – Em termos amplos, a resposta é comercial: quem tem barraca na Feira quer faturar bastante, e por isso há uma tendência a fechar o foco nos mais óbvios, nos já demandados. O caso é que na Feira há barracas de vários tipos: há editoras, que tendem a vender o livros que a própria editora publica; há livreiros, donos de livraria, que pensam como varejistas que ao longo do ano precisam cultivar uma clientela e por isso precisam pensar em variedade, ao menos tendencialmente; e há os distribuidores, que na Feira são também varejistas, que ao longo do ano não têm loja, mas sim depósito, e por isso tendem a pensar em seus termos. Cada um tem um estilo de viver o universo do livro, cada qual com suas características. Não se trata de haver bandidos e mocinhos, e é bom dizer isso claramente, mas tendências de acordo com a inserção de cada um no negócio do livro. Vale acrescentar que a Feira é feita por uma entidade de classe que congrega o mundo do livro do Rio Grande do Sul, e é por isso que em princípio as grandes redes de varejo não estão na praça – porque não são afiliadas à Câmara Rio-Grandense do Livro. Dito isso tudo, vale acrescentar que a direção da Câmara tem todo um trabalho para induzir os filiados que colocam barraca na praça a que vendam a maior variedade possível de títulos, justamente por causa da atenção ao público. E vale uma dica: quando há mais de uma barraca com o mesmo livro, vale a pena pechinchar, porque há variação de preço entre as barracas. Como numa feira qualquer…
Mais histórias do pescador das letras
Postado por redacao em 1 de novembro de 2013 - Literatura
O blog Livros A+ publica hoje a segunda parte da entrevista com o professor, ensaísta, escritor e que hoje será empossada (palavra com pompas) como patrono da 59ª Feira do Livro de Porto Alegre. Na primeira parte da entrevista, Fischer falou da importância do cargo, do gênero ensaio, de literatura gaúcha e da Feira em si. Na segunda parte, ele aborda histórias pitorescas da festa das letras, a aproximação entre universidade e leitores, a relação com o Correio do Povo, entre outros assuntos momentâneos, como as biografias autorizadas ou não.
Antes de deixa-los novamente com a prosa rica das respostas de Fischer, denominado pelo blog como o pescador de livros e leitores, não podemos deixar de registrar o memorialista que habita na investigação deste pesquisador incansável. Em busca dos escritores gaúchos, “em geral menos lidos do que mereciam”, como ele mesmo define na apresentação, Fischer resgata em livro a história de três autores gaúchos, com apelidos bastante excêntricos, que marcaram a literatura gaúcha nos século XIX e XX, além dos outros 27 nomes da literatura mundial que figuram entre os preferenciais de Fischer, excetuando-se Simões Lopes Neto, Machado de Assis e Franz Kafka, já contemplados em outras obras.
“Coruja, Qorpo-Santo e Jacaré – 30 Perfis Heterodoxos” (L&PM) será lançado com sessão de autógrafos, neste domingo, 3 de novembro, às 15h, na Praça Central de Autógrafos da Feira. Os três personagens em questão são respectivamente Antônio Álvares Pereira Coruja, José Joaquim de Campos Leão e Luiz Sérgio Metz e os outros perfis são realmente heterodoxos e das preferências de Fischer, com gigantes como Aníbal Damasceno Ferreira, Vianna Moog, Paulo Hecker Filho, Erico Verissimo, Dyonélio Machado, Guilhermino César, Nelson Rodrigues, Jorge Luis Borges, Roberto Arlt, Edgar Allan Poe e J.D. Salinger.
Com os parênteses devidamente abertos e fechados. Posso deixá-los novamente com Fischer, na continuação desta entrevista iniciada ontem no blog:
Livros A+ – Das tantas décadas de Feira, cinco delas já registradas em livro publicado pela L&PM em 2004, algumas histórias devem emergir inusitadas ou em sua faceirice. Lembras alguma em particular?
Luís Augusto Fischer - Pessoalmente tenho sim algumas histórias, vividas ou testemunhadas na Feira. Dá para lembrar de patronos marcantes, como foi o Décio Freitas, que aproveitou sua condição para dar umas boas cutucadas na classe média inculta, que deveria ler mais. Lembro que nos anos 80 ainda eu ajudei a entrevistar, para a TVE, o agora falecido Say Marques, um dos idealizadores iniciais da Feira, um sujeito de excelente trato que deu o pontapé inicial da coisa toda. Lembro com carinho da Feira de 99, quando meu Dicionário de Porto-alegrês teve sua primeira edição e foi o mais vendido, o que me rendeu uma enorme consagração pública, inesquecível.
Livros A+ – Há dois anos quando o patronato da Feira esteve a cargo de Jane Tutikian, já falamos sobre tema de trazer a academia para mais próximo do leitor comum, não acadêmico. Quais as formas de se fazer esta conexão, esta intersecção?
Fischer – O mundo da universidade, em geral, tem essa marca de ser meio distante do mundo diário, e isso não é errado, por um lado. Mas eu bem sei que tem a pose acadêmica, aquela chatice, que deve ser combatida em favor da maior fluência, do maior contato com a dinâmica da gente em geral. “To overcome the academic prose, you have first to overcome the academic pose”, é uma frase-trocadilho do grande sociólogo norte-americano aquele, como é mesmo? Fui ver na minha estante: C. Wright Mills. Para superar a prosa acadêmica é preciso primeiro superar a pose acadêmica.
Livros A+ – Sabemos que o Correio do Povo foi um dos grandes impulsionadores do fazerliterário e das discussões sobre o tema no século XX, desde os folhetins das primeiras décadas até as páginas do Carlos Reverbel nos anos 50 e 60 e suplementos como o Caderno de Sábado e Letras & Livros. Qual a tua relação com este gigante de 118 anos?
Fischer - Quando eu era menino, nos anos 60 e 70, o Correio do Povo era “o” jornal, aquele recomendado pelos professores e pelas famílias, tanto por sua linguagem quanto por sua abrangência, e naturalmente por sua cobertura cultural (não esquecer o enorme papel do P.F. Gastal). O jornal passou por muitas modificações, mas é certo que continua como referência importante no estado. Eu sou daqueles que tenho muita saudade de ler mais textos no campo cultural…
Livros A+ – Esta é sempre uma pergunta recorrente em outras personalidades que não asliterárias, mas é necessário saber como é o Fischer fora de sua vida pública de professor, escritor, e ensaísta?
Fischer - Um feliz morador do Jardim Botânico, super-bem casado e pai de duas excelentes crianças. Um leitor muito faceiro com o tanto de livro que há para ler. Um professor experiente, com 34 anos de magistério, que não se cansa de exercer sua profissão. Um torcedor aflito do Colorado, querendo muito que o time encontre um novo futebol de qualidade. Um escritor cheio de planos, também…
Livros A+ – Dos autores presentes à Feira do Livro, teremos nomes como Federico Andahazi e Francisco José Viegas com obras bastantes sólidas literariamente falando. Há alguns autores que você recomenda, que estarão nesta festa das letras, e que ainda não são tão conhecidos do grande público?
Fischer - Ainda não vi toda a programação, mas sei que vêm uns autores alemães da nova safra, que parecem ter coisa bem boa. Uma é a Jasmin Ramadan, de quem li uma novela interessante, há pouco, traduzida e publicada aqui em Porto Alegre pela jovem editora 8Inverso. Outro é o Ingo Shulze, de quem li uns excelentes contos, publicados pouco tempo atrás, no Brasil, pela Cosacnaify.
Livros A+ – O tema das biografias autorizadas e não autorizadas ganhou corpo nas últimas semanas. Qual a tua opinião sobre este debate acalorado?
Fischer - Cem por cento contra a posição dos excelentes artistas Chico e Caetano, isto é, cem por cento a favor da liberdade de pesquisa e expressão. Se houver algo de errado, aí está a Justiça.
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