Extinção da Fundação Zoobotânica fará RS retroceder à idade das trevas, diz biólogo
Por Defender | 7 de agosto de 2015
A Fundação é composta por órgãos como o Museu de Ciências Naturais, o Jardim Botânico e o Parque Zoológico. (Foto: Filipe Castilhos/Sul21)
A proposta de extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, apresentada ontem (6) pelo governador José Ivo Sartori (PMDB), dentro de um pacote de medidas de “ajuste fiscal”, representa um retrocesso inaceitável que colocará o Rio Grande do Sul na idade das trevas em termos de conhecimento e defesa da nossa biodiversidade. A afirmação é do biólogo Paulo Brack, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante da coordenação do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), que divulgou uma nota condenando a proposta e fazendo um apelo ao bom senso dos deputados estaduais e do governo Sartori para que não leve adiante essa iniciativa. A extinção da Fundação Zoobotânica, diz a nota, ameaça um dos mais completos acervos de biodiversidade e de estudos de impacto ambiental dos mais importantes empreendimentos no Estado. Segue a íntegra da nota:
Projeto Extinção da Fundação Zoobotânica: estaremos retrocedendo à idade das trevas em biodiversidade no Estado do Rio Grande do Sul?
O Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) vem apelar para o bom senso do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e dos deputados estaduais no sentido da retirada ou indeferimento da proposta de Lei do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que corre em regime de urgência, na Assembleia Legislativa, que prevê a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB/RS). Além do fechamento do órgão, ocorreria consequente demissão de dezenas de funcionários altamente gabaritados e conhecimento único na área de biodiversidade, como parte de pacote que alegadamente visaria cortar gastos do governo.
É importante lembrar que a Fundação é composta por órgãos executivos consagrados, como o Museu de Ciências Naturais, o Jardim Botânico e o Parque Zoológico. Segundo a ex-diretora da FZB, Arlete Pasqualetto, o Museu de Ciências Naturais é Fiel Depositário de Componentes do Patrimônio Genético, sendo uma das poucas instituições no Brasil credenciadas pelo Conselho do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, mantendo em volta de 400.000 registros de plantas e animais tombados em suas coleções científicas, sendo a base de conhecimento da biodiversidade gaúcha.
A instituição mantém convênios com a grande maioria das universidades do sul do Brasil, proporcionando formação especializada de bolsistas e estagiários, que atuarão na necessária conservação da biodiversidade. Milhares de trabalhos científicos foram gerados nestas mais de 40 décadas da FZB, principalmente pelo Museu de Ciências Naturais, Jardim Botânico, em parceria com pesquisadores de outras instituições, levando luz também ao conhecimento dos ecossistemas do Estado. Tal rol de conhecimento subsidia as políticas públicas de preservação e conservação, tanto do bioma Pampa como da Mata Atlântica, hoje constituídos por remanescentes que perdem sua área de extensão a cada ano, restando tão somente 36% e 7% respectivamente no RS. Outro aspecto a salientar é o patrimônio de peças e conhecimento paleontológico de grande destaque em nível regional e internacional.
No ano de 2014, a FZB foi responsável pela coordenação, elaboração e publicação dos Decretos relativos às Listas de espécies ameaçadas de plantas nativas (804 espécies) e animais silvestres (280 espécies), além de se dedicar para os planos de conservação ex situ e in situ destas e de outras tantas espécies que correm risco crescente de ameaça de extinção. Cabe lembrar que para a conservação deste total de 1084 espécies ameaçadas, necessita-se de estudos de biologia e ecologia, considerando-se que mais de 95% destas ainda não dispõem de mínimos conhecimentos suficientes para programas de conservação efetiva. Sem a FZB, estaremos profundamente desfalcados e comprometendo qualquer caminho pelo desenvolvimento sustentável. A agilização do licenciamento ambiental, tão destacada pela gestão atual da Secretaria de Meio Ambiente do Estado, estará também comprometida, ainda mais, em “voo no escuro” em relação ao conhecimento da capacidade de suporte dos sistemas vivos em decorrência do crescente número de empreendimentos demandantes de licenças nos órgãos ambientais.
Com o possível fechamento da FZB, qual o futuro do Jardim Botânico (JB), com seus quase 40 hectares de área em Porto Alegre, abrigando coleções vivas de grupos de plantas representativas dos diferentes ecossistemas do Estado? Como ficará a continuidade do desenvolvimento de pesquisas científicas e técnicas para a conservação de suas espécies endêmicas, ameaçadas de extinção, medicinais, alimentares e ornamentais? Além das coleções especiais, destacam-se o arboreto, o banco de sementes e o viveiro de mudas nativas comercializáveis, com ênfase em espécies nativas do estado. O viveiro fornece espécies que praticamente não são encontradas em viveiros particulares. O JB também recebe, anualmente, milhares de visitantes e desenvolve um conjunto de atividades de Educação Ambiental direcionado ao público em geral, oferecendo visitas orientadas, principalmente a escolas.
Futuro incerto sofre também o Parque Zoológico, localizado em Sapucaia, o qual mantém uma coleção de animais vivos, representantes da fauna nativa e também exótica, compondo um plantel de aproximadamente 1500 animais, de mais de 180 espécies, em grande parte, oriundas de apreensões e retenções. Os técnicos do Zoológico e do Museu de Ciências Naturais desenvolvem atividades de pesquisas e de manejo para a conservação da fauna. O Parque recebe anualmente mais de 500.000 pessoas visitantes, promovendo também programas de educação ambiental, visando conscientizar a comunidade quanto à importância das espécies e da preservação e proteção do meio ambiente. Caso a área seja privatizada, estas e outras atividades (conservação irrestrita de espécies mais chamativas ou não aos visitantes) estarão inevitavelmente comprometidas.
Outro aspecto contraditório é o fato de que se possa destruir com um processo recente de reestruturação do órgão. Em 2014, houve um grande esforço e sucesso no sentido de se recuperar o contingente humano, principalmente após aposentadorias, nos órgãos que compõem a FZB, com a realização de concursos públicos, e aprovação do Plano de Empregos, Funções e Salários, incluindo ademais a recuperação estrutural de espaços a fim de atender as múltiplas funções incluindo o atendimento ao público.
As políticas públicas em meio ambiente necessitam de conhecimentos aprofundados e empenhos para a conservação da flora e fauna. Neste sentido, especialmente a FZB, com seu plantel de mais de uma centena de técnicos gabaritados, pode dar sequência a estas tarefas. Por sua vez, cabe destacar também que é, legalmente, a instituição que possui o papel de resguardo e conservação ex situ das espécies, sendo a responsável pela revisão das Listas Oficiais da Flora e Fauna Ameaçadas do Rio Grande do Sul.
É realmente inconcebível que, em vez de se buscar efetivar a cobrança de desonerações e dívidas bilionárias de empresas com a receita do Estado, se escolha eliminar uma instituição de tal envergadura, que realiza estudos, projetos e atividades de educação ambiental que tanto contribuem com a conservação da biodiversidade do território gaúcho. Todavia, torna-se ainda mais incompreensível que tal projeto seja apresentado justamente em um momento em que se profunda a crise da biodiversidade em nível planetário (Sexta Extinção em Massa), e que a degradação da natureza está a afetar gravemente inclusive nosso recurso mais elementar que é a água.
Fato triste e ao mesmo tempo curioso é o de que recentemente a biblioteca da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental do RS) foi desativada pela Secretária de Meio Ambiente Ana Pellini, com o argumento de que ocupava espaço que correspondia a aluguel elevado para o governo. A solução dada pela Secretária, que nunca percorreu a Fundação Zoobotânica e nem se dispôs a conversar com seus funcionários, foi de que a biblioteca da FEPAM então fosse incorporada e deslocada para a biblioteca da FZB. E agora? Com a extinção possível desta Fundação, para onde vai o um dos mais completos acervos de biodiversidade e agora de estudos de impacto ambiental dos mais importantes empreendimentos no Estado?
Estaremos voltando à idade das trevas no âmbito do conhecimento de nossa biodiversidade?
Vamos copiar o triste feito do ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, que extinguiu a Fundação Zoobotânica de lá, em 2000? Ironicamente, alguns anos depois deste fato, este político acabou sendo barrado na Justiça, pela Lei da Ficha Limpa, por ter renunciado no senado enquanto estava sendo julgado por falta de decoro parlamentar.
Esperamos o bom senso do governo e dos parlamentares, já que a revolta de muitos setores será muito grande. Afinal, este Estado tem tradição na área pesquisa e conservação ambiental. E o que seria de nós sem instituições como a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul e com seu respectivo plantel de cientistas e técnicos altamente gabaritados?
Paulo Brack (Em 7 de agosto de 2015)
p/Coordenação do Ingá. Membro da Coordenação da APEDEMA (Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul)
Fonte original da notícia: Sul21
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