quinta-feira, 11 de novembro de 2010

conseguindo pensar

ENEM não pode ser um vestibular nacional

o biscoito fino e a massa

ENEM não pode ser um vestibular nacional,

por Ana Maria Ribeiro

Minha amiga de muitos anos, Ana Maria Ribeiro, Técnica em Assuntos Educacionais na UFRJ (Instituto do Coração/ Complexo Hospitalar UFRJ), é a autora do texto que segue. O Biscoito o publica em primeira mão, como contribuição à parcela séria dos debates suscitados sobre o ENEM a partir do último fim de semana.

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O Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) foi instituído há mais de dez anos. Na sua implantação, o então governo do PSDB desejava que este fosse o instrumento para sua intervenção nos conteúdos do Ensino Médio em nível nacional. Para tal, convocou todas as universidades federais, algumas comunitárias e confessionais, propondo o seu uso para ingresso nas universidades. Intencionava o então governo implementar seu projeto de intervenção no currículo e diretrizes do ensino médio, de responsabilidade da esfera estadual, através de seu sistema federal de ensino – as instituições superiores federais e privadas. O ENEM foi implantado, mas não foi aceito pelas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) como instrumento de ingresso. Naquele período, a principal critica formulada contra seu uso era a minimização de conteúdos, assim como a retirada de vários conteúdos considerados importantes para acesso ao ensino superior. Entretanto, varias instituições privadas não hesitaram em usar o ENEM como processo seletivo e com isso reduzir os custos com provas e bancas.

No governo Lula o ENEM passou por uma grande reformulação e foi transformado num instrumento de aferição de habilidades e competências cumprindo sua função e avaliação de uma etapa importante da formação: o ensino médio. Este forte instrumento possibilitava uma radiografia importante, mas o fato de não ser obrigatório deixava de fora um contingente importante de estudantes brasileiros, o que reduzia sua eficácia no processo de avaliação do sistema.

Sendo o Ensino Médio de responsabilidade dos Estados e o papel do Ministério da Educação complementar, algumas iniciativas começaram a ser desenhadas buscando uma ampliação do escopo desta avaliação. Os especialistas do MEC não tiveram duvidas de que a melhor forma de ampliar o uso do ENEM seria a obrigatoriedade para ingresso na universidade pública.

Com um novo enfoque nas habilidades e competências, seu formato agradou os educadores e a proposta de inclusão do ENEM no processo de seleção de alunos às instituições federais não encontrou grandes resistências. Soma-se a essa posição a clara, e explicita, política governamental de apoio às IFES com o REUNI (Programa de Reestruturação das Universidades Federais). Ou seja, se estabeleceu ao longo destes anos um grau intenso de confiança entre os gestores universitários e governo federal possibilitando a construção de reais parcerias. Para algumas IFES seria necessário inserir no novo modelo do ENEM conteúdos, de forma a possibilitar testar o instrumental necessário para o ingresso no ensino superior.

A partir daí começamos a identificar os problemas cujas consequências se assiste, mais uma vez, nesta segunda edição do ENEM, neste novo modelo. Ao buscar atender a solicitação dos reitores das IFES, o ENEM passou a tentar responder a avaliação de conteúdos, habilidades e competências e a ser instrumento de vários tipos diferentes de avaliação. Ao tentar avaliar vários parâmetros, passou a correr o sério risco de não conseguir avaliar nada. Ao utilizar o método do Teste de Resposta ao Item (TRI), para que o teste possa ter uso atemporal, estabeleceu-se um mecanismo de difícil compreensão na sua correção, o que aumenta a insegurança dos jovens sobre o real resultado. Outro aspecto é que, para atender aos quesitos do TRI, as questões são longas, com textos que tornam sua resolução cansativa. Em síntese, a metodologia adotada para o novo modelo do ENEM, a partir de 2009, ao querer atender a expectativa de facilitar o ingresso nas IFES e a pretensão de se transformar num Vestibular Nacional Único no país, se transformou em uma prova cansativa, confusa e com alto poder decisório para a conquista de vagas concorridíssimas no ensino superior brasileiro. Há no ENEM hoje um forte componente explosivo por ter todos esses elementos embutidos.

Como defensora do ENEM como um exame nacional que deve ser mantido e fortalecido e de utilização pelas Instituições de Ensino Superior--publicas e privadas--para acesso aos cursos de nível superior, não posso concordar com sua desconstituição e destruição. Para sua manutenção, é necessário que tenha um foco claro e objetivo e, portanto, ele não pode se transformar no único processo de seleção centralizado e organizado por um órgão executivo de governo. O MEC não pode se transformar numa grande Comissão de Vestibular Nacional. O papel do Ministério da Educação deve ser o de impulsionar, financiar e coordenar, mas jamais o de executar.

As universidades federais têm ampla experiência na execução deste tipo de concurso, que difere completamente dos tradicionais concursos públicos. Foram anos e anos de aprendizagem e de atenção especifica, buscando seu aprimoramento e os cuidados com nossa juventude que o mesmo requer.

Os problemas identificados pelos candidatos na aplicação do ENEM 2010 são variados e, na sua maioria, passiveis de superação desde que o MEC o responda com clareza e rapidez. Neste sentido, a anulação das provas realizadas no sábado e uma nova aplicação na primeira quinzena de janeiro é a saída mais justa e real frente ao sério problema do erro do cartão de resposta. Todas as demais questões levantadas são pequenas e de fácil acerto, mas o erro no cartão e a falta de sincronia da fiscalização em nível nacional induziu ao erro milhares de candidatos e possibilita que alguns menos escrupulosos possam se apresentar como vítimas depois da verificação do gabarito. A injustiça estaria disseminada. A nova aplicação das provas de sábado em nada atrasaria o processo, visto que a leitura do cartão poderá se dar em paralelo a correção das redações possibilitando a manutenção do calendário de inicio das aulas em março de 2011 nas IFES.

Para o futuro, desejamos um repensar do papel do MEC e de atuação mais contundente das universidades federais na aplicação e na execução da seleção de seus alunos. Cada um na sua função constitucional, esse é o caminho.

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