terça-feira, 9 de novembro de 2010

cordeiros e altar - 2

Cordeiros e Altar - 2

Mauro Marques


Estava com os dentes cerrados, enquanto respondia as perguntas e gemia nas apertações

(Dói aqui?) (Sim.) (E aqui?) (Também.) (Senhor Mauro, vamos fazer alguns exames, mas antes vamos medicar essa dor.)

Vão medicar a dor, acho que faz sentido. A dor medicada se acalma e adormece. E foi assim mesmo. Na veia e foi tiro com queda. Pela primeira vez tive consciência do Paraíso

(É isso, o céu é não sentir nada.)

Depois vieram os exames de sangue, xixi e a tal ecografia abdominal total. Quando li na prescrição dos exames a palavra total sabia que sairia dali com respostas e remédios. Começava a me tranquilizar. Não fui acolhido por nenhum desses doutores que a gente sai logo chamando de médico, mas, até ali, fora bem atendido. Apalpado, apertado, escutado e olhado por jovens doutoras interessadas em ajudar. Por enquanto me bastava.

Segui as regras do bom paciente, fiz tudo no melhor do meu comportamento, como um bom cordeiro. Primeiro, o exame de sangue, sempre aquela expectativa da picadinha e a sangria da gente indo parar num tubinho, levando algumas respostas, pelo menos essa é a esperança. Não dói, mas sempre dissimulo e olho para o lado. Se não estivesse numa emergência ficaria assobiando disfarçadamente.

Depois o xixi. Peguei aquele pequeno pote e pensei se teria tanto xixi. De qualquer maneira me fui para o banheiro. Boa gente, aquele banheiro não me apetecia, nem estimulava qualquer simulação para urinar. Lençóis pelo chão, fraldas, realmente não estava empolgado. Mas era ali ou em casa

(Para de frescura, Mauro. Pega esse pote e mija dentro, porra.)

Desculpem o linguajar chulo, mas às vezes é assim mesmo. Sempre que estou nestas indecisões, tenho uma boa e franca conversa comigo mesmo. Quase sempre funciona, mas hoje, não. Lembrei de abrir a torneira da pia. É um santo remédio quando a conversa não ajuda. Deu certo. Enchi o pote e terminei o serviço no vaso sanitário.

Entreguei aquele pote amarelado para a enfermeira e segui para a ecografia abdominal total. Neste exame se depositavam as minhas esperanças. Esperei sentado num corredor, até ser chamado

(Senhor Mauro!) (Sou eu!)

Fui acomodado pela técnica de enfermagem. Terei a camisa, deitei e empurrei minha calça de abrigo até uns quatro dedos abaixo do umbigo. Tudo supervisionado pela senhora de branco

(A doutora já vem fazer o seu exame.) (Obrigado.)

A sala em completa penumbra e muito gelada

(Boa noite, senhor Mauro.) (Boa noite.) (O que está acontecendo?) (Sinto muitas dores na barriga, acima do umbigo e no lado direito.) (Vou passar um gel geladinho na sua barriga.)

Fiquei em silêncio para não atrapalhar. Tem ocasiões que é bom fazer silêncio. O exame foi feito e pediram que eu aguardasse na sala de espera, seria chamado quando tivessem os resultados dos julgamentos daquela pesquisa aleatória. E, talvez, pudessem dar despacho de pronúncia contra o culpado.
Aproximadamente às duas horas da manhã fui chamado por outra médica. Os plantões haviam sido trocados. Estava ali para ouvir a verdade sendo dita

(Senhor Mauro, acho que pode ser cálculo renal.) (O que eu faço?) (Vou encaminhar o senhor para o cirurgião.)

O cirurgião estava ocupado salvando outro cordeiro. Precisei esperar. Mas fui atendido por ele, ainda naquela madrugada de sábado. Olhou meus lindos exames e pediu que me deitasse para ser examinado. Gente, eu não posso gritar e denunciar que não fui examinado, apertado, olhado, escutado, perguntado com atenção. Fui atendido com atenção e consideração

(Senhor Mauro, tudo indica que é um caçulo renal. O senhor precisa de um urologista.) (Sim, e daí?) (Vou liberá-lo e segunda-feira o senhor procura o seu urologista.) (E dá para esperar até segunda-feira?) (Caso o senhor volte a sentir muitas dores, volte para ser medicado.) (Sim, senhor.)

O cordeiro saiu do HPS sem dor e um possível diagnóstico.

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