Cordeiros e Altar - 3
Mauro Marques
O sábado se encheu com as minhas dúvidas, mas enfim, precisaria esperar até segunda-feira. Enquanto isso as recomendações chegavam, amigos e amigas preocupadas davam suas receitas, todas movidas pela vontade de ajudar, através da solidariedade, e aquele curandeirismo atávico que carregamos em nossa herança genética, de médico e louco todos temos um pouco
(Muita água e essa pedra sai.) (Água, muita água e chá que quebra pedras.) (Demora, mas é tiro e queda.)
Queria um chá que quebrasse as pedras do altar imolador dos cordeiros, um antídoto versus a presunção e a indiferença porque se nega perceber a dor dos cordeiros. Quanto mais água, maior era a agonia. Deitado de costas, sentado, agachado e gritando auau, nada se resolvia, apenas não comer dava alívio. Continuava esperando, como um bom cordeiro, pela segunda-feira. Aquele sábado se resumiu em suportar aqueles pressentimentos fora do alcance do conhecimento dos doutores.
No domingo a dor, muita mais preocupada que ontem, liga para o médico daquela sexta-feira já tão distante, aquele dos cabelos branquinhos. Estava desconfiado que a sangria começava a ficar desatada. Um médico de cabelos brancos se tem juízo, sabe que quem paga é o corpo
(Senhor Mauro, tem alguma coisa errada com esse diagnóstico.) (O que o senhor está pensando?) (Não sei, mas eles não mostram a pedra.) (Pois é, mas ela deve estar por lá.) (Seria preciso fazer uma tomografia.) (Estou indo para uma emergência na Capital, lá eu peço.) (Não adianta pedir.) (Por quê?) (Vão ficar chateados com a intromissão.) (O que eu faço?) (Insistir que é preciso investigar mais, se lembre que muitas vezes, tempo não é remédio.)
Esse doutor é um médico sem altares. Pena que não vai estar na emergência.
Ir e chegar àquele hospital tão grandão foi fácil. Logo, vou saber se terei atendimento de urgência imediato com tomografia abdominal sem contraste.
Estou confiante, afinal, estou usando meus dois convênios de saúde e tenho exames que vão apressar o que não é e o que pode ser. Não tem como dar errado.
Depois da invencionice do tanque de lavar roupas que retirou nossas avós do açude e após o avanço tecnológico que inventou a máquina de lavar roupas, retirando nossas mães do tanque, a invenção do carro para transportar os doentes encurtou o tempo da dor.
Assim, aqueles cordeiros que têm um carro encurtam distâncias e diagnósticos. E quem não tem, bem, esses ainda podem recorrer às ambulâncias, ao táxi, ao ônibus, na pior das hipóteses basta uma carroça com rodas e um burro. Tudo tem jeito nessa vida
(Senhor Mauro!) (Sou eu, sou eu.)
Ergo com dificuldades minha dor da cadeira. Carrego com dor minhas dores, mas em uma das mãos o mapa do tesouro. Quero entregar ao doutor do plantão. Entro. O enfermeiro me pede para sentar. Assento gemendo e agarrado ao meu sangue, urina e ecografia total do abdômen. Medem minha pressão arterial, mas não o tamanho da minha dor
(O que o senhor está sentindo?) (Muita dor na barriga.) (Começou quando?) (Fazem muitos dias – uns doze se quiser contar o salmão cru daquele sábado e as primeiras dores na manhã de domingo.) (O doutor já vem conversar com o senhor.)
Aquela conversa não serviu de nada? E os exames? Quando vão perguntar o que carrego nas mãos? E se for uma bomba?
Acredito que deve haver uma medicina melhor, mas deve ser caríssima.
Enquanto decidia a quantidade de dias, de exames e tudo que comi nestes dias, um doutor se apresentou e anunciou que primeiro iriam medicar minhas dores, depois me ouviria. Até agora só medicaram minhas dores, estou começando a ficar encilhado como uma cavalgadura.
Lá veio o enfermeiro com a injeção libertadora. Reencontrei o Paraíso, enquanto aquela aguinha benta me entrava pela veia. A dor tornou a ficar lá fora
(Precisamos fazer alguns exames, senhor Mauro.)
Muito educado e generoso, esse doutor parece gostar do que faz
(Uma tomografia?) (Não. Por enquanto faremos exame de sangue, urina e uma ecografia abdominal total.) (Eu já fiz esses exames, aqui doutor.) (Depois veremos todos eles.) (E a tomografia?) (Primeiro, vamos ver a sua evolução de sexta-feira até domingo.)
Nenhuma evolução doutor, eu estou piorando. Eu poderia dizer que foi uma evolução de dor, mas como diria o médico velhinho, os doutores de hoje conversam, mas não têm ouvidos, apenas olhos, os dedos quase nem usam. Um dia aprendem, mas será preciso esperar que eles envelheçam e muitos cordeiros sejam imolados no altar.
Mas enfim, antes tarde do que mais tarde.
Sou o cordeiro da vez.
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