Somos andando
Não precisa ir muito longe. Desde o desvio no assunto para não magoar a vó quando ela pergunta quando afinal eu vou me crismar até manifestações mais explícitas de intolerância aos ateus. Isso que a vó não demonstrava ódio, ela só não entendia. Nunca destratou o pai por ele ser filho de judeus e ter desistido de acreditar em deus. Bem, eles não iam muito um com a cara do outro, mas se respeitavam.
Mas, se descobrisse que a neta podia não acreditar também, aí a coisa ia ficar mais feia. Ela nunca trataria mal, mas ficaria triste, com certeza. A vó, católica italiana, nunca transformou em palavras essa visão. Acho que nunca deve ter pensado sobre isso. Era uma coisa natural, cultural. Ela achava que o normal era ir à missa e rezar antes de dormir, ora bolas. E uma neta não achar o mesmo era grave porque podiam vir conseqüências. Quem afinal ia me proteger?
Outras pessoas vão mais longe, e externam essa visão de mundo. O ateu acaba se transformando em um ser imoral, mau, que não pode ser confiável. Por quê?
Certa vez li o Verissimo (o filho, Luis Fernando) dizer que não era por maldade que não acreditava. É que pra ele a religião se processa na racionalidade, não no lado emocional. Ele não acredita porque não consegue, não vê sentido. Afinal, colocando preto no branco, é mesmo difícil de entender um milagre, a existência de um ser que ninguém nunca viu, de acreditar em um livro que foi escrito alguns séculos depois dos acontecimentos que descreve.
Mas se meu vizinho acredita, ótimo. Se ele é feliz assim, maravilha, está no seu direito. É uma questão de fé, estritamente.
O que não dá para conceber é alguém acusar um ateu de imoral pelo simples fato de ser ateu. Ele pode não acreditar em deus, mas ter uma profunda fé na capacidade do ser humano de amar, de demonstrar solidariedade. Por que o fato de acreditar ou não em alguma coisa determina o grau de bondade de uma pessoa?
Não, isso não faz sentido.
Quase não se fala no preconceito contra ateus. É que ele não está explícito na cor da pele, nos relacionamentos, no sotaque… O ateísmo não aparece no dia a dia, então o preconceito contra ele acaba sendo pouco manifestado, por falta de oportunidade. Mas existe, e a Fundação Perseu Abramo fez uma pesquisa que mostra que ele é muito forte. Entre as características que mais despertam aversão ou ódio nos brasileiros, o ateísmo está em primeiro lugar.
Por isso a religião ganhou força na campanha eleitoral, inclusive. O fato de se acreditar ou não em deus não influencia no modo de governar – afinal, se governa para os homens! – mas influencia na escolha do governante. Por quê?
Não, isso definitivamente não faz sentido.
Esta matéria foi publicada pelo Uol com base na pesquisa da FPA:
Ateus e usuários de drogas são os mais odiados pelos brasileiros
Pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo constatou que, das pessoas consultadas, 17% afirmaram ter repulsa/ódio aos descrentes em Deus, 25% declararam antipatia e 29%, indiferença.
No item antipatia, os usuários de drogas aparecem com um ponto percentual a menos (24%).
À pergunta sobre quais as pessoas que menos gostam de encontrar, 35% responderam que são os usuários de drogas, seguidos pelos descrentes em Deus (26%) e ex-presidiários (21%).
O elevado grau de repulsa aos dependentes químicos, na pesquisa, não chega a surpreender porque são considerados pelo senso comum como geradores de problemas, na família e na sociedade, e, por isso, estão na pauta da mídia.
A repulsa aos ateus surpreende porque, em contraposição aos usuários de drogas, eles não causam problemas, são discretos e não existem para a imprensa.
As possíveis explicações para a rejeição passam pelo fato de os ateus continuarem sendo visto como pessoas não confiáveis, embora nos últimos anos tenha se ampliado o discurso pela tolerância, religiosa ou não.
Apenas 5% dos entrevistados declararam ter repulsa/ódio às pessoas muito religiosas. Mas curiosamente o percentual de antipatia é alto (17%).
A Fundação Perseu Abramo realizou a pesquisa em parceria com a ong alemã Rosa Luxemburg Stiftung com o objetivo de levantar dados sobre a intolerância sexual. Em junho de 2008, foram ouvidas 2.014 pessoas acima de 16 anos de 150 municípios do Sudeste, Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste. Os resultados estão sendo divulgados agora.
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=1773 (Link direto)
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=1769 (Metodologia)
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=61 (Indice geral de pesquisas)
http://www2.fpa.org.br/portal/ (Página da fundação)
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