segunda-feira, 22 de novembro de 2010

valeu pelo arnaldo

De como um homem forte faz fraca a filha


Diário Gauche


Sobre o artigo "Os maridos que queremos para (as) nossas filhas"

Texto constrangedor. Embaraçoso até para a Universidade em que o autor ministra aulas, no caso a Unisinos, dos criteriosos jesuítas de São Leopoldo. Refiro-me a um artigo publicado em Zero Hora, edição de ontem, domingo (21), de um certo professor de Administração, Gustavo Costa.

Quero dizer que é difícil iniciar uma crítica a um texto tão sub, tão indigente. O autor, caso fosse submetido à prova do Enem, alcançaria nota insuficiente em redação. A argumentação é pífia e a conclusão revela a tragédia pessoal do autor, do ponto de vista existencial.

O professor da Unisinos (alô, prezados jesuítas, o que está havendo aí?) confunde feminismo com feminilidade, a vida pessoal (dele) com a vida social e o fluxo da história. E se acha apto a propor um "Tema para Debate", conforme pauta dominical de Zero Hora. Mas debater o quê? A confusão mental de um sujeito varado pelos preconceitos mais rasos do senso comum? Debater com alguém que não sabe distinguir a sua vida pessoal dos fatos sociais? Alguém que insiste em ser professor mas não consegue definir o que é feminismo e o que é feminilidade? Masculinidade agora é ideal? Feminilidade agora é ideal?

Observa-se em cada frase do autor o desprezo pelo conhecimento sistematizado e pela experiência do maior movimento cultural do século 20, que foi o movimento feminista. Ele poderia contrapor argumentos culturais, políticos, talvez até biológicos, naturalistas e comportamentais, ao seu objeto de repulsa. Mas não, ele prefere dar crédito a sua própria experiência vivida, por certo infinitamente mais rica, variada e edificante que todo o movimento internacional das mulheres, durante quase sete décadas. Vejam que a ele foi incutido que se deve chamar médico de "doutor". Não é mesmo relevante e definitivo para uma criança? A ele foi introjetado, certamente por uma entidade superior e onissapiente, que o importante é ser "forte".

"Quando eu era garoto, na década de 1980, - diz o sábio professor - sem que ninguém expressamente precisasse me definir, eu já sabia o que um homem deveria ser". Permanece a incógnita sobre como ele logrou conseguir tal feito. Talvez seja a materialização do chamado "toque da luz divina", confirmando Santo Agostinho (século 4), segundo o qual os homens são esclarecidos por Deus para estarem habilitados ao verdadeiro conhecimento.

No último parágrafo do artigo, há uma pista sobre o seu conceito de homem forte, portanto, com plena capacitação para desposar a filha dele, sábio professor da Unisinos. Observem a pérola: [...] "homens fortes transformam o mundo em que vivem. Eles começam e terminam um trabalho. Eles movem coisas pesadas. Eles constroem estruturas que duram anos. Eles estudam com afinco. Eles fazem todas as coisas assustadoras, feias e sujas que as mulheres não conseguem, não podem ou não precisam fazer. E este é, provavelmente, o tipo de marido que queremos para nossas filhas".

Tão profundo quanto as águas de um pires!

Como observou um conhecido conservador, eminente direitista do século 19, "todos os problemas são questões de opinião". A realidade material de homens e mulheres não conta. Só importam suas reações subjetivas e a marcha inexorável da tradição, dos costumes, dos tratamentos ("pai", "padre", "doutor"), da educação vazia e afetada por etiquetas tão inúteis quanto cínicas.

A história é explicada, por estes tipos primitivos (mas adornados pela toga da tradição), por interpretações psicologistas. Exemplo: "O fraco (a mulher) está possuído pelo desejo de vingança, pelo ressentimento; o forte tem o caráter agressivo". Estes fazem todas as coisas assustadoras, feias e sujas, como um dia o fizeram indivíduos másculos - da mesma índole e do mesmo aço de um Gustavo Costa - como Adolf Hitler, Benito Mussolini e tantos outros.

Simone de Beauvoir - que para o autor do artigo, deve ser uma bruxa que escapou da justa fogueira - dizia que "em linguagem burguesa, a palavra homem significa burguês". E completava, a grande "corruptora de mulheres": "Aos olhos dos pensadores da direita o privilegiado é o único dotado de uma verdadeira existência".

Eis pois o que quer o "homem forte" para a sua fraca filha: um burguês endinheirado que a sustente, ampare e a introduza no paraíso do consumo e das frivolidades mundanas. Com direito a umas migalhas para o sogro, claro.

Alerta final: esse sujeito representa uma grave ameaça social. Os filhos e filhas que o seguirem, se o seguirem, serão fracos e fracas, mesquinhos, egoístas e neuróticos, habilitados tão-somente a espancarem o Outro por este ser homossexual, índio, pobre, negro, mulher, idoso, deficiente ou apenas um homem/mulher emancipado e solidário.

Leia o artigo na íntegra aqui (mas, cuidado, só depois de ingerir um Plasil).

Para compensar, ouçam o AA:

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