sábado, 31 de outubro de 2015

Triste dia para a Câmara


Os Revoltados Online na Câmara




Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:






Convidados a comparecer à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que apura os crimes na internet, o chefão dos Revoltados Online, Marcello Reis, e a advogada Beatriz Kicis se cercaram de uma claque barulhenta de cerca de 70 pessoas para fazer exatamente o que fazem na internet: dizer barbaridades, disparar clichês contra a esquerda e zoar qualquer opinião divergente.

Pouco antes de a audiência começar, jovens de 20 e poucos anos ligados aos Revoltados Online e ao Movimento Brasil Livre conversavam animadamente com os deputados Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, com quem tiravam selfies. Bolsonaro fazia piadas machistas, citando “Kid Bengala” e coisas do gênero. Incrivelmente, as moças do grupo riam. Não se sabia ainda se Jean Wyllys, do PSOL, autor do convite, iria comparecer. Ele não foi.

“A ‘menina’ ainda não chegou”, disse Marcello a um correligionário, se referindo ao deputado, que é ativista homossexual. “A ‘noiva’ sempre chega atrasada”, disse outro membro do grupo. “Deve estar se maquiando”, falou Bolsonaro. Risos. Feliciano, de topete alisado e com mechas loiras, tentava decifrar a frase de Simone de Beauvoir que caiu na prova do Enem, “não se nasce mulher, torna-se mulher”. “Então mulher existe ou não existe?”, dizia. Risos.

Alguns meninos do grupo, todos brancos (à exceção de Fernando Holiday, que chegou no final), usavam cabelos compridos, com rabo de cavalo, e brincos – moderninhos na aparência, conservadores na essência. Resolvi perguntar a Bolsonaro o que ele, que preza tanto pela “masculinidade”, achava dos penteados de seus fãs. “O que vale é se ele vai olhar pro lado, se está defendendo ideologia de gênero ou não. Isso aí é moda. Tá pensando que eu sou tão quadrado assim?”

“Ideologia de gênero”, aliás, é o novo mantra dos reaças. Beatriz Kicis, que tem vídeos no youtube ao lado de seu ídolo, o pseudofilósofo Olavo de Carvalho, só fala nisso. “A doutrinação ideológica é feita desde o primário. Tem até banheiro com ideologia de gênero! O que é isso? Onde estamos?”, disse Beatriz, fazendo metáforas ao estilo dona-de-casa. “É a mesma receita de Cuba e da Venezuela, é o mesmo bolo que vai sair daí. Desarmam a população, sexualizam as crianças, tiram a autoridade dos pais com essas leis da palmada, criam pequenos comunistas! Estamos perto de virar uma Venezuela!”

Essa é outra obsessão de Beatriz, a “transformação” do Brasil em um país “comunista”, “totalitário”. Para ela, a luta contra a corrupção não é tão importante, “mas a corrupção servindo de meio para o Estado totalitário” que acusa o PT de estar instalando por aqui. “Vou continuar lutando contra o Foro de São Paulo de manhã, de tarde, de noite e de madrugada!”, discursou, para delírio geral.

Neste momento, o deputado Sandro Alex, do PPS paranaense, sub-relator da CPI, fez questão de se certificar se os Revoltados estavam de fato online. “Estão transmitindo pela internet?” Sim, estavam. Era a vez de Marcello Reis falar. Ele contou que criou o canal em 2000, para, afirma, “rastrear pedófilos”, após a filha ter sido vítima de abuso. “Depois de 2010 é que os seguidores começaram a levar para a política. Eu não era politizado”, disse.

Em seguida, defendeu-se por ter postado no Facebook uma acusação infundada contra o deputado petista Paulo Pimenta, acusando-o de ser proprietário da boate Kiss, que pegou fogo matando 242 pessoas em 2013. “Foi outro administrador que colocou no ar, eu estava viajando. Excluí o post depois de 5 minutos e até podia ter pedido desculpas, mas o deputado me chama de neonazista só porque sou desprovido de cabelo”, pilheriou. Gargalhadas da claque. Curiosamente, Marcello voltou a atribuir a “outro administrador” da página os demais conteúdos polêmicos, como a defesa do uso de armas de fogo.

Para mostrar que é “vítima” do ódio, o líder dos Revoltados Online exibiu um áudio onde é chamado de “filho de uma puta soviética”. “Recebo milhares de ameaças de petistas todos os dias”, afirmou. No entanto, ao ser questionado pelo deputado Esperidião Amin sobre o autor dos xingamentos, Marcello se contradisse. “Não, esse daí não é petista.” Nas considerações finais, ele começou a inflar um boneco de Lula em plena mesa, no que foi impedido pela segurança, mas logo contou com o auxílio de Feliciano e dos Bolsonaros, pai e filho, para o serviço de sopro.



(Bolsonaro pai e Bolsonaro filho com a boca no pixuleco)


Não fosse pelo deputado Paulo Pimenta, que estava presente, os Revoltados sem causa ficariam sem o contraditório. Pimenta afirmou que Marcello Reis não é apenas o líder de um grupo anti-corrupção na política. “Estou convencido que se trata de uma organização que já cometeu um conjunto de crimes graves, inclusive tirar dinheiro de pessoas inocentes”, acusou. “Eu o processei, mas até hoje a Justiça não conseguiu notificá-lo porque ele muda de endereço.”

A claque de bolsomitômanos “defensores da liberdade de expressão” não permitia que o deputado falasse, gritando, vaiando e emitindo sons como “Hummmm”. O mesmo aconteceu quando Alice Portugal, do PCdoB baiano, usou o microfone. Com Bolsonaro, ao contrário, urravam: “Mito! Mito!”

Triste dia para a Câmara: o circo terminou com o grupo pulando como hooligansno plenário da Comissão e entoando um “hino antibolivariano”. O que tinha de ser esclarecido não ficou: afinal, o que fazem os Revoltados Online nas redes é só “liberdade de expressão”? Julgue você mesmo no vídeo.

Detalhe: após a audiência, o grupo se dirigiu para o gabinete da presidência da Casa. Sim, os “anticorrupção” continuam apoiando Eduardo Cunha.

amiguinho do chororo: CARGA TRIBUTÁRIA CAIU


A “maldita carga tributária” caiu, mas isso não é notícia




POR FERNANDO BRITO · 30/10/2015






Toda hora você lê que a carga tributária brasileira está aumentando.

E que brasileiro precisa trabalhar mais dias, hoje 150, somente para pagar impostos.

É uma “verdade verdadeira” vendida diariamente pela mídia.

Só que não.

Ontem, a Receita Federal divulgou um detalhado estudo sobre a carga tributária brasileira.

A bruta, o total arrecadado, e a líquida, que é aquela quando subtraída o dinheiro que volta às pessoas na forma de aposentadorias, pensões, saques do PIS e Pasep, beneficios a idosos e deficientes, etc…

Uma e outra estão caindo e não há nenhum “arrocho fiscal” em curso no país.

Não foi notícia, ou apenas notinhas, como a do Valor Econômico.

A carga tributária total (impostos da União, dos Estados e dos Municípios) caiu de 33,74% do PIB para 33,47%. Uma sobre a outra, queda de quase 1%.

A União foi quem mais reduziu a carga de impostos, mas é em cima dela que vem o chororô e a indignação dos que falam que “o brasileiro não suporta mais impostos”.

Só se for o brasileiro pobre e de baixa classe média, que realmente não tem como escapar de uma estrutura tributária montada sobre o consumo, em lugar de sobre o patrimônio, os ganhos de capital e tolera uma sonegação que bate recordes mundiais.

Considerada a carga líquida – o dinheiro que não é devolvido diretamente às pessoas e ao consumo, daquelas formas que se apontou e que fica livre para os gastos de custeio, investimentos e financiamento de dívida – caiu de 18,18% do PIB em 2002 para 17,39%.

A explicação da matéria sobre “queda nas vendas” não explica nada, porque se as vendas caem, caem os impostos na mesma proporção.

Lá em cima, no post, reproduzo o gráfico da Receita Federal mostrando o total arrecadado (a linha verde), o total devolvido diretamente em aposentadorias, pensões, seguro-desemprego, pagamentos de FGTS, abonos salariais do FAT, benefícios a idosos e deficientes, Bolsa Família, etc (linha vermelha) e o que efetivamente sobra para os governos, nas três esferas, pagarem pessoal, custeio de suas máquinas administrativas, e para as gigantescas despesas financeiras de suas dívidas…

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Mas esse até certo ponto ainda é pequeno.

Renato Janine: Dilma é alvo de injustiça





Professor de Ética e Filosofia Política da USP, Renato Janine Ribeiro passou seis meses à frente do Ministério da Educação. Demitido no começo do mês, durante uma reforma ministerial, ele fala da falta de recursos, da crise política e defende a honestidade, a capacidade e os princípios pessoais da presidenta Dilma Rousseff




Por Leonardo Fuhrmann




Em uma casa localizada em uma rua tranquila de um bairro central da capital paulista, o professor Renato Janine Ribeiro começa a retomar a sua vida de analista político, depois de passar seis meses como ministro da Educação. Na sua experiência real dentro do primeiro escalão de um governo, passou por uma longa greve de professores e servidores do ensino superior, aos quais faz duras críticas, e enfrentou as crises políticas e econômicas de um governo hoje impopular e com recursos escassos.

O próprio ex-ministro prepara um café antes de começar a falar sobre algumas surpresas positivas da política real, da relação com colegas de ministério e os congressitas. Demonstra sua preocupação com a agenda do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defende um diálogo melhor do PT com o PSDB e fala sobre a necessidade de mudanças profundas não só na política, mas na forma como a sociedade brasileira se comporta e vê a política.

Para ele, é um absurdo que um bolsista do Ciência Sem Fronteira critique um beneficiário do Bolsa-Família, pois o programa que leva alunos brasileiros para estudar no exterior é muito mais caro por pessoa atendida do que o programa social. Janine defende a presidenta diz que a principal preocupação dela é com a igualdade de oportunidades. “A Dilma insiste em algo que, nos termos brasileiros, parece revolucionário de esquerda, que é esse princípio liberal da igualdade de oportunidades. As camadas conservadoras da nossa sociedade não suportam isso”, diz.


Fórum – Como foi a sua chegada a um governo a quem você apoiava de forma crítica?

Renato Janine Ribeiro – Em primeiro lugar, a presidenta, assim que me cumprimentou, falou que eu não precisava dizer nada, que sabiam tudo ao meu respeito. Entendi como uma mensagem de que eu não precisava voltar atrás em nenhuma das críticas que fiz ou me explicar. Sempre dei um apoio crítico, às vezes até duro, ao governo. Mas não crítico no sentido daqueles que defendem que o governo faça uma política mais distributivista. Critiquei mais as falhas políticas, de lidar com os agentes políticos.

A experiência foi de estar em um governo no momento mais difícil desde Itamar Franco (1992/95), de hiperinflação. Talvez até pior que isso. O governo Fernando Collor (1990/92) foi mais difícil mas foi mais a sociedade inteira que se voltou contra ele. O momento do Itamar foi difícil por conta da hiperinflação, mas havia uma forte esperança de que algo desse certo. Hoje, estamos em um momento em que a sociedade está bastante rachada. As pessoas que acham o governo ótimo ou bom são apenas 7%, segundo as pesquisas. Desses 93%, há pessoas que, mesmo assim, apoiam o governo. E, dentre os críticos, há os que reclamam pelo fato do governo ser de esquerda e outros que se opõem porque acreditam que a gestão é de direita. Por isso, não há uma unanimidade. A situação é muito difícil porque falta dinheiro ao governo. Esse é o mantra desse ano.

Fórum – E como foi essa realidade de falta de recursos?

Janine – Existe uma incompreensão muito grande entre os que apoiam ou apoiavam o governo de que falta dinheiro. Recebi gente no MEC que só faltou procurar uma gaveta onde estaria o dinheiro escondido. É surpreendente numa situação de falta de recursos, em que foi preciso cortar programas importantes, chegarem pessoas propondo programas e gastos novos. E estou falando de pessoas altamente qualificadas, reitores, líderes sindicais… Não são pessoas ignorantes. No entanto, a compreensão da situação econômica não existiu.

Houve uma reunião da presidenta no Ceará, com os governadores do Nordeste, em que ela disse isso: acabou o dinheiro. Mas é uma situação que as pessoas que leem jornal sabem desde janeiro. Essa situação fez com que se tornasse muito difícil buscar alternativas. Eu me sentia próximo a uma situação de guerra, em que você tem de economizar tudo. Tem de cortar coisas que são fundamentais em nome de um bem maior.

Fórum – E como você reagiu a essa situação?

Janine – O primeiro passo em uma situação dessas é aumentar ao máximo o rendimento dos programas. Tem de encontrar os defeitos de cada um e corrigi-los. Os que são bons, mesmo que suspenda, você tenta aperfeiçoá-los para quando puder retomar daqui um ano ou dois com mais efeito. Onde me dei por satisfeito com esse procedimento foi no Fies [Financiamento Estudantil]. O programa teve um crescimento totalmente atípico no ano passado e era impossível manter neste ano. Mas foi feita uma mudança importante. O Fies era dado praticamente de maneira irrestrita. Não havia prioridade para qualidade de curso, periodicidade diária de formação e de região do País. Introduzi a preferência por cursos de melhor qualidade.

O Fies é um financiamento para alunos que estão no ensino privado e é um programa que sai barato. São cerca de R$ 10 mil por aluno ao ano e a maior parte desse dinheiro é restituída, com juros subsidiados. O cálculo é de que 62% volte aos cofres públicos e esse valor vai continuar financiando o programa. É mais barato do que o custo de um aluno nas universidades públicas e responde por quase 2 milhões de alunos. Quando você pensa que o Brasil tem 7,3 milhões de estudantes do nível superior, esse número se torna mais expressivo. Cortá-lo significaria cortar 2 milhões de estudantes da sala de aula. Seria reduzir a expansão do acesso ao ensino universitário durante os governos Lula e Dilma a muito menos do que foi. Seria passar de 3 milhões para 5 milhões, quase um crescimento vegetativo. O Fies tem essa importância, mas precisa estar calibrado. Ser focado em áreas que o Brasil precisa. Por isso, priorizamos a formação de professores, principalmente do ensino básico, de engenheiros, para aumentar a produtividade do país, e de profissões vinculadas à saúde. Além de valorizar cursos nota 5, a avaliação mais alta, e depois o nota 4, diminuindo os nota 3.

Também demos prioridade para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, exceto Distrito Federal, que é da região, mas é mais rico. Com isso, conseguimos um resultado muito melhor. Infelizmente, ainda não foi divulgado. Eu ia anunciar na semana em que saí do ministério. Aí você começa a pensar no programa não só como o aumento de alunos nos cursos superiores, mas também porque ele está colocando gente de quem o Brasil precisa. Esse é o tipo de política que considerei fundamental fazer nesse momento.

Fórum – E o que mais foi feito nesse sentido?

Janine – Vou dar outro exemplo, a educação básica é e tem de ser a prioridade nacional. Temos uma situação muito grave de ter 57% dos meninos e meninas de 8 anos, no fim do terceiro ano do fundamental, que não sabem fazer contas, 37% não conseguem escrever e 22% não têm capacidade de leitura. Uma família de classe média, que colocou seu filho em uma escola melhor, conseguiu esse resultado pelo menos um ano antes. Isso quer dizer que esse menino mais pobre aos 10 e aos 15 anos vai estar seriamente prejudicado. Até porque, depois disso, não existe mais alfabetização. Passado esse período, eles terão cada vez menor atenção. Uma situação dessas requer prioridade absoluta.

Existe uma iniciativa bem-sucedida nesse sentido no Ceará e o governo federal resolveu implementá-la faz três anos, mas não teve o mesmo êxito. Por que lá o acompanhamento dos alunos é feito diretamente pelo professor, que fica responsável por uma sala de aula. Se três meninos estiverem mal, esse professor vai procurar as famílias. O governo federal fez um programa mais macro e a gente teve de rever. Notamos que, com todo dinheiro que tinha sido colocado no Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa, nós não tínhamos conseguido um bom resultado. O Ceará demorou dez anos para colher os resultados. Mas a gente precisava alocar mais recursos por mais anos. Nós, eu ainda não estava, mas o MEC cometeu dois erros básicos. Não tínhamos colocado os estados como parceiros, numa relação direta com as prefeituras, pois a alfabetização é uma atribuição municipal. Mas os estados podem ter um papel importante de articulação. Também foi centrado demais nas universidades e os pagamentos foram hierarquizados de uma forma que os professores na sala de aula ganhavam muito pouco comparado, por exemplo, ao coordenador, na universidade.

Fórum – O que mais pode ser corrigido?

Janine – Há alguns anos, foi criado um plano de iniciação à docência. Você tem no Brasil há muitos anos, vinte, talvez mais, o programa de iniciação científica (Pibic). Ele garante uma bolsa aos melhores alunos para que eles possam se aprofundar e no futuro se tornem mestres ou doutores. Mas se você tinha interesse em dar aulas, não tinha nada. Aí, em 2008, foi criado o Pibid, de iniciação à docência. O aluno que quer ser professor na rede pública recebe uma bolsa. Isso melhorou os cursos e o clima na sala de aula. Só que, desses alunos do Pibid, 18% apenas foram para a educação básica. Por que? Provavelmente porque o salário não é bom. Você teve uma iniciativa meritória, bem formulada, mas o resultado não veio.


“A educação básica é e tem de ser a prioridade nacional” (Foto: Pixabay)

Fórum – Mas como solucionar isso?

Janine – O buraco é mais fundo. O que você vai fazer? Você vai fechar o Pibid? Ou vai forçar as pessoas a dar aula na marra onde o salário é menor? Tem reitor que vem e fala que os alunos do Pibid estão passando em concursos da Petrobras, do Banco do Brasil. Essa não é a função do programa. A concepção é de reforçar a sala de aula. Por isso que eu falo, em um momento de falta de recursos, você tem de aperfeiçoar os programas para que eles deem os resultados que o país precisa. Mesmo que você suspenda alguns deles por falta de recursos, tem de se empenhar para tirar o melhor resultado de cada um deles.

Fórum – Como você vê a greve no ensino superior federal que marcou sua gestão?

Janine – A reação de parte dos professores das universidades federais e dos servidores foi chocante. Eles fizeram uma greve longuíssima, que durou quase toda a minha gestão, mesmo com o MEC dialogando com as entidades de representação o tempo todo. Com diferenças de posições, não posso nivelar todos, o Proifes [professores dos institutos federais] foi mais racional, a Fasubra [trabalhadores técnico-administrativos] negociava e o Andes [docentes das instituições de ensino superior] propunha projetos que são inviáveis não só porque falta de recursos, mas porque desprezava completamente a educação básica. Eles chegaram a um ponto de reivindicar que 75% do orçamento do federal de educação fosse para as instituições federais de ensino. Se você fizer isso, vai tirar recursos importantes da educação básica.

Fórum – A prioridade tem de ser a educação básica hoje?

Janine – A precariedade da educação básica no Brasil é grave. Vou dar um exemplo, o menino que mora no campo. Uma situação que diminuiu muito nos últimos anos era a daquela criança que acorda quatro horas da manhã e caminha no escuro para chegar até uma escola rural. Tem quatro horas de aula, com todas as turmas misturadas, porque a escola é pequena. Nem sempre tem merenda. E, depois, volta caminhando mais três horas para casa, dessa vez sob um sol causticante. São dez horas, isso é desumano.

O governo Lula comprou uma grande frota de ônibus e até lanchas para o transporte escolar, garantiu a merenda e investiu na construção de banheiros nessas unidades escolares. Foi um avanço no caminho da dignidade, mas o ponto de partida era terrível. Isso não acarretou uma melhora significativa na qualidade do ensino e esse é nosso maior desafio hoje. Tem de haver um investimento forte em três etapas: creches, alfabetização e ensino médio. Professor de creche é mal pago e é muito difícil encontrar profissionais qualificados, porque esse professor tem de aprender a brincar. Ele precisa ser capacitado para fazer brincadeiras inteligentes, formadoras e capazes de criar vínculos. Pode incluir o elemento da competição, mas não pode ser algo exagerado. Tem de criar um elemento cooperativo. É uma formação difícil.

O segundo ponto é a alfabetização, que hoje é crucial. Se a gente não alfabetizar, corta o futuro das pessoas. Tem uma expressão que diz: “tem de aprender a ler para depois ler para aprender”. Depois de aprender a ler, você se emancipa. Esse é um ponto fraco nosso. O ensino médio também é um gargalo de problemas. Se chegar à graduação, claro que vou dizer que também há muitas falhas. Mas hoje temos de canalizar esforços mesmo na alfabetização. Isso acabaria com essa injustiça que é ter mais de metade dos alunos com oito anos de idade que não sabe fazer contas. Imagine o que ele vai fazer na vida se não sabe fazer contas. Um dia até ele vai sabermas com que atraso? E o que ele vai poder ser a partir daí? O momento é importante porque está sinalizando ao país que temos um problema sério na educação e que ele tem de ser resolvido. Mas, para isso, nós precisamos de novas soluções.

Fórum – O que são novas soluções?

Janine – Acho que precisamos incluir também uma discussão de princípios. Faz sentido ter uma greve de 90 dias de professores? Eu diria até para você que professor da rede básica ganha mal e professor universitário do ensino público ganha bem. Do ponto de vista moral, a greve de um professor universitário da rede pública se justifica menos, porque eles inclusive tiveram reajuste neste ano. Mas o dano causado de 90 dias sem escola básica, merenda e sem transporte é irreparável.

Fórum – Essa falta de dinheiro não dá a impressão que a campanha da presidenta não falou a verdade no ano passado?

Janine – Não participei da campanha, apenas assisti, mas o próprio Lula disse isso, de que ela prometeu uma coisa e está fazendo o contrário. Ficou uma coisa complicada. Agora, isso se deve também ao que eu chamei de inclusão social pelo consumo. O PT, ao fazer políticas de inclusão social que são as mais importantes da História do Brasil, não se preocupou em politizar as pessoas tanto quanto devia. As pessoas sentiam que eram gratas enquanto o dinheiro estava entrando. É grato pela geladeira, pelo microondas… Às vezes nem isso. A pessoas acha que conseguiu isso porque foi Deus que recompensou o seu trabalho. A própria Dilma, quando entregou as casas no Pinheirinho, lá em São José dos Campos (SP), disse: “vocês não têm de agradecer a ninguém além de a vocês mesmos”. É uma bobagem, claro que tem de agradecer a uma política de governo que tornou isso possível. Uma outra política de governo teria desalojado eles de lá e que fossem morar onde fossem.

O governo errou, não em cobrar a conta, não é isso. Não se trata de partidarizar, mas de politizar. O resultado é que os próprios beneficiários desses programas vão se juntar aos ingratos. Vi isso muito nas universidades federais. O governo Lula ampliou muito as universidades federais, criou institutos federais em grande número e tem pessoas que não seriam professores, funcionários e alunos sem todo esse investimento que o Brasil fez. Porque o governo Lula fez, mas foi com o dinheiro de todos nós. E essas pessoas não têm responsabilidade com o país. Isso é muito grave, é um descomprometimento social enorme. E isso é de cima abaixo. Alguns bolsistas vão para o exterior com alto custo para o Brasil e postam textos contra o Bolsa-Família, que é muito mais barato que o dinheiro que eles estão ganhando. Tem essa atitude de um grupo de “coxinhas” de direita e de uma pseudo-esquerda que só quer discutir na universidade sobre creche, bandeijão e essas coisas. E não quer aprender e, principalmente, depois transmitir esse conhecimento para o bem da sociedade. Isso tudo chamo do mesmo jeito: privatização do conhecimento público. Há um ensino público que foi privatizado, não por uma empresa tal que fez a faculdade, mas porque eu me formo como médico, por exemplo, e minha única preocupação é ganhar dinheiro. Claro que não estou falando de todos os médicos. Existe uma sociedade que elegeu um número pequeno de pessoas para ter uma formação melhor, ganhar melhor por isso, mas também para atender os outros.

Fórum – E como conscientizar as pessoas disso?

Janine – Uma das minhas preocupações era lançar um programa ético para frisar esse ponto. Você não pode se beneficiar dos recursos públicos sem sentir que tem o dever moral de ressarcir isso para a sociedade. Aí não importa se quem está no poder é o PT, o PSDB etc e tal, tem de ser um princípio. Só que, como o PT investiu mais do que todos os outros nessa formação, é injusto ter toda essa campanha contra ele que existe. E, por outro lado, ele errou mesmo em não valorizar isso tudo.

Fórum – E como a presidenta deveria conversar, por exemplo, com esses moradores do Pinheirinho?

Janine – Acho que o objetivo dela foi dizer que aquelas pessoas não estavam devendo aquilo a um político, que as casas eram fruto da mobilização deles. Só que não é entendido assim, mas como se cada um isoladamente tivesse conseguido a sua casa e que conquistariam esse direito com qualquer político. E isso não é verdade. Ainda mais o Pinheirinho, que o governo tucano [de São Paulo] mandou a repressão policial e o governo do PT mandou casa. Como você não marca a diferença de duas posições políticas?

Veja, poderia ter um caso que fosse o contrário. Por exemplo, esse governo não tem um saldo positivo no meio ambiente até agora. Está começando a melhorar, mas não foi a grande preocupação do primeiro mandato dela. Está melhorando, a ministra Izabella Teixeira está fazendo um trabalho elogiado. O governo Lula só começou a entrar pesado nas questões de direitos humanos quando o Paulo Vanucchi entrou como secretário. Antes disso, ele estava atrás do governo Fernando Henrique em termos de direitos humanos. Você não tem monopólio de quem está fazendo as coisas boas ou as erradas. Mas nós chegamos a um momento crítico, que é extremamente agravado por essa centralização no consumo. Então, se é o bolso que governa sua intenção de voto, a realidade do governo fica muito ruim.

Fórum – Como assim?

Janine – Se quiser colocar em outros termos, há uma relação de confiança no governo com crédito na praça para comprar coisas a prazo. Quando as pessoas têm dinheiro e emprego que lhe permitam fazer um financiamento em um ou dois anos, você tem confiança no governo. Não pode ser só assim. Voltando à metáfora da guerra, nós estamos em um momento crítico da sociedade brasileira, pois tem de cortar. Isso vale para qualquer pessoa. Quem tem folga orçamentária e corta a folga é uma coisa. Quem não tem esse excedente, fica numa situação mais difícil.

Fórum – No ano passado, o senhor falava que o modelo do governo beirava o esgotamento. A falta de dinheiro adiantou esse processo?

Janine – Acelerou sim, mas, a bem da verdade, diria o seguinte: estamos em um momento em que nenhum líder político oferece uma perspectiva para o país. Não tem, esgotou. Não tem mais dinheiro para sustentar o modelo do PT, de distributivismo pelo consumo. Você pode ter grupos mais fidelizados, como o Movimento dos Sem Terra, mas não tem como colocar mais dinheiro lá. Para você ver, na questão da agricultura, tem de por dinheiro agora onde vai render safra. Quem está dando mais dinheiro é a agricultura familiar do MST ou o agronegócio da ministra Kátia Abreu (PMDB)? Eu não sei, mas pode ser a Kátia Abreu. Então você tem de por dinheiro para exportar, ter renda, inclusive para poder apoiar os programas sociais. Muitos deles foram financiados até hoje graças ao agronegócio. Foi uma aliança sábia do governo petista e que chegou ao auge no primeiro mandato da Dilma. Ela ter conseguido trazer para o ministério a Kátia e o Afif foi uma obra de gênio. A Kátia tinha tudo para estar fechada com a direita, ela mesma diz que é de direita, mas apoiou e apóia a Dilma. Foi extremamente fiel, elas são amigas inclusive. O Guilherme Afif Domingos (PSD) era vice-governador do Alckmin. Ele é o homem da microempresa. No mundo todo, isso se chama liberalismo. É uma linha de pensamento respeitável, mas que vai para a direita. E foi com o Afif no ministério que a Dilma deu apoio à criação do microempreendedor individual. Um dos maiores erros dela na reforma foi tirar o Afif porque ele havia conseguido em dois anos constituir 5 milhões de microempreendedores individuais.

A gente estava começando a fazer uma articulação entre o Ministério da Educação e outros ministérios. Tem, por exemplo, um pescador. O que ele sabe é pescar. Aprendeu a pescar sozinho e é analfabeto. Ele não tem nenhum atestado de que é pescador. Você cria pelo Ministério da Educação um programa de certificação de saberes para mostrar o quanto ele sabe do ofício dele. Provavelmente, não precisa dar um curso de 200 horas, pois esse profissional já sabe quase tudo do seu trabalho. São duas coisas que faltam a ele: conservação sanitária adequada e comercialização do produto. Essas duas faltas custam para ele muito dinheiro, porque o coloca na mão de um atravessador e o obriga a vender assim que pesca. Se pegarmos todo saber que ele tem, que é maior que o meu e o seu, e podemos dar essa qualificação a mais. É possível também melhorar a formação dele em matemática e língua portuguesa, por exemplo. Aí, pelo ministério do Afif, você converte o homem em um MEI[microempreendedor individual] e ele passa a emitir nota fiscal, paga R$ 40 por mês, está coberto pelo INSS e pode vender o peixe dele para merenda escolar, supermercados e restaurantes. Existe um resgate fabuloso de populações pobres que tem uma experiência de trabalho que pode ser notável.

Fórum – Qual a importância desses programas para o governo?

Janine – Esses trabalhos têm muito a ver com um tema da Dilma. As pessoas não conhecem muito bem a presidenta e fazem uma representação muito errada. Acompanhei muitos discursos dela e notei que o termo que ela mais usava, mais do que Pátria Educadora, era igualdade de oportunidades. Igualdade de oportunidades é um tema liberal, no melhor sentido da palavra liberal. Significa que você não pode chegar na disputa pela vida avantajado ou desavantajado sobre mim. Você tem de ter pelo menos iguais possibilidades de educação, que é o grande nivelador disso tudo.



É preciso garantir que o pobre tenha uma comida de qualidade. Dar a todos tenham o mesmo acesso à saúde, cultura e educação é uma coisa que a França, a Alemanha e a Inglaterra fazem há muito tempo para as suas populações. É uma política que foi construída por estados sociais-democratas, mas entrou num princípio liberal, que é garantir o mesmo ponto de partida para todos.

Faço essa distinção. Para o socialista, o ponto de chegada tem de ser igual. Para o liberal, o ponto de partida tem de ser igual. Para o socialista, o ponto de chegada tem de ser o mesmo pois, para ele, é difícil separar o que cada um fez, já que o trabalho é coletivo. Segundo, porque ele acredita que o clima humano fica melhor se você tem menos competição e mais cooperação. Para o liberal, você se dedicou mais, trabalhou mais, foi mais Bill Gates ou Steve Jobs, você ganha mais. São dois valores. A Dilma insiste em algo que, nos termos brasileiros, parece revolucionário de esquerda, que é a igualdade de oportunidades. As camadas conservadoras da nossa sociedade não suportam isso. Gosto pessoalmente da Dilma e uma coisa que me deixa muito preocupado é que ela tem sido alvo de um injustiça muito grande. A presidenta é extremamente honesta pessoalmente, tem um compromisso muito grande com a igualdade entre as pessoas. Ela tem um gênio difícil, ninguém vai negar isso, mas ninguém pode ser condenado por ter um gênio difícil. Pode ser uma falha, mas não é um crime. Conseguir garantir essa igualdade de oportunidades está sendo muito difícil.

Fórum – O que sua ida ao ministério mudou a visão que tinha da presidenta Dilma?

Janine – A Dilma nunca me faltou com o respeito, mas não é uma pessoa de fácil convívio. A presidenta fica muito de cara fechada, tem dificuldade de estabelecer uma relação afetuosa com as pessoas. E ela é centralizadora e detalhista demais. E, finalmente, o que não sei até onde é um defeito, é alguém que não gosta muito de políticos. Esse mundo do “cede lugar e nomeia pessoas” a pedido de alguém não é o lugar dela. É uma intuição minha. Dilma é uma pessoa de princípios morais muito estritos. Toda vez que as coisas fogem desses princípios, venha do lado oposto ou do lado dela, isso a incomoda muito.

O que eu não sabia dela é que se trata de uma pessoa extremamente culta. Ela tem um conhecimento impressionante de literatura, artes visuais, teatro, ópera e música. Muita gente não tem noção disso. Mas ela considera, com todo amor que tem pela cultura, sente que há uma necessidade básica de o Brasil vencer a miséria e mesmo a pobreza. Você veja, “País Rico é um País sem Pobreza”, que era o lema do primeiro mandato. Nós tivemos no governo Lula e, sobretudo, no primeiro governo dela, a redução da miséria a um nível muito baixo. O Lula pegou o Brasil com 12% de miseráveis na faixa de 12 anos de idade e deixou com 6%. No fim do primeiro mandato dela, tinha deixado com 1%. É muito difícil reduzir para menos de 1%, porque entra até uma população que está em lugares cujo acesso é quase impossível. Houve um trabalho notável de combate a esse mal. A miséria é o extremo da pobreza. O projeto dela é muito mais ambicioso, de acabar com a pobreza. E ela está convencida da importância do setor econômico para acabar com a pobreza. E aí não entra balé, literatura e teatro.

A ideia dela quando priorizou as áreas de engenharia e produção às artes em programas como o Ciência Sem Fronteiras é essa. Primeiro, temos de acabar com a fome de todo mundo e dar acesso a todos a determinadas coisas. E daí também a preocupação dela com a questão da energia não convencional. Isso até que acabaram debochando erradamente dela por causa da questão do vento. Ela, na viagem aos Estados Unidos, estava muito preocupada com a questão dessas pilhas gigantescas para estocar a energia do vento ou do sol. Você precisa ter um jeito de armazenar o excedente, pois não é uma energia constante. É algo que ela sabe muito bem. Mas são necessárias pilhas gigantescas, não é uma AAA. Elas precisam guardar a energia para um país. A conversa da presidenta com o pessoal do Vale do Silício foi de chefe de Estado. Poucos chefes de Estado teriam capacidade de manter uma conversa daquele nível com eles. O Barack Obama teria, possivelmente até melhor do que ela. A alemã Angela Merkel, talvez. Não creio que o inglês David Cameron ou o francês François Hollande conseguiriam colocar questões como as que ela apresentou. Tem toda uma capacidade da Dilma que é notável, talvez seja não seja destacada devido em parte ao esgotamento desse momento de economia rica por conta das commodities e por outro lado por conta da falta de gosto pela política dela.

Fórum – Não falta um líder político ao governo?

Janine – Faltar, falta. Mas não tem ninguém. O resto é tudo um modelo velho. Do lado do PT, o modelo velho é alguém dizer “vamos distribuir”. Vamos distribuir o que? Houve muito dinheiro. E foi gasto em coisas boas e em outras que talvez não fossem tão necessárias. Para se ter uma ideia, dou o exemplo do número de cursos universitários que temos à distância. Pedi esse dado para a Secretaria Nacional de Ensino Superior e trouxeram que havia 298 desses cursos na área de Pedagogia. Muito mais do que algum curso com efeito sobre a produção. E esses cursos de Pedagogia são criticados por todo mundo. Todas as pessoas que conheço, exceto aquelas que dão aulas nesses cursos, dizem que eles não conseguem ensinar a ensinar.

Tinha muita coisa que precisava melhorar nisso. É difícil porque você construiu nesses anos todos toda uma estrutura que está cheia de interesses, por exemplo. Eleição direta de reitor, por exemplo. Significa que um pequeno grupo escolhe o que aquela universidade vai fazer e depois manda a conta para a sociedade brasileira. Não é algo que eles formulam e depois debatem com os pagantes, que são a sociedade brasileira. Dei posse a um reitor de um instituto federal há menos de um mês e ele disse que a principal meta dele era a valorização do servidor. O que ele está dizendo, que vai aumentar o salário do servidor? Nós, que somos servidores, não estamos a serviço da sociedade? O que esse servidor vai fazer para a sociedade? Só vai aumentar salário? E o trabalho do sevidor que é dar melhores aulas, formar estudantes mais adequados às suas profissões? E é uma instituição extremamente focada no desenvolvimento econômico, dentro de um Estado com problemas econômicos sérios. Esse instituto federal tinha de estar discutindo como se gera emprego e riqueza. Você pode ter uma região que é muito boa para determinado cultivo e não está produzindo isso ou que tem determinado minério e está arrancando da terra e mandando bruto.

Desde o começo do governo Lula, existe um grande crescimento no número de manicures. Porque tinha uma clientela represada e um grande número de mulheres que sabem fazer isso. É um avanço, mas tem um limite. Surgem vários salões de beleza dentro de uma favela e o dinheiro passa a circular dentro dela. Mas precisa de outra coisa para o dinheiro entrar na favela. Evidentemente, pode até ser manicure da favela que vai atender fora. Mas, para entrar na favela, é necessário algo mais consistente, que dê mais rendimentos, inclusive para desfavelizar a favela. Com esses desafios, não dá para um reitor dizer que a grande preocupação dele é com o próprio umbigo das pessoas que estão lá dentro. Isso é muito grave, faz parte da mesma privatização que eu estava falando. Pode dizer que é de esquerda e está defendendo os trabalhadores, mas está tirando dinheiro da sociedade, que é sobretudo dos mais pobres, para fazer uso para o grupo dele. E nós chegamos a um ponto muito difícil, o PT está com dificuldades de lidar com isso, porque tem toda uma base dele que foi nessa direção. E, por isso, o PT não está conseguindo mudar o foco.

Fórum – É como uma crítica de que os benefícios aos carros eram dados no governo petista até pela força dos metalúrgicos dentro do PT?

Janine – Pode ser. Uma falha grande dentro do PT e do PSDB é a dificuldade de ir além da indústria poluente. Toda essa história do carro, que é algo que vem desde o Juscelino Kubitschek, é um suicídio em termos de civilização. Possivelmente entra aí o salário e o emprego do metalúrgico, só que sai muito caro para a sociedade. Não só pelo que ele vai ganhar, mas porque, para ter esse emprego, tem de ter carro e pegar a terra roxa, preciosa do interior de São Paulo, e transformar tudo em canaviais, poluir os ares, arrebentar casas e fazer ruas mais largas, transformar o transporte urbano em algo infernal. O custo disso tudo é gigantesco.

Veja o caso do prefeito de São Paulo, o Fernando Haddad (PT), que é um homem inteligente. Ele é um administrador que admiro. Mas está numa situação totalmente oposta. Foi ministro com muito dinheiro e está sendo prefeito na escassez. E a principal marca que ele está deixando para nós é a bicicleta, é a contestação ao modelo carrocêntrico. Tudo bem. Mas a sequência do PT, como de outros partidos, foi não contestar isso até então. O Haddad está tentando resolver no varejo uma falha que o PT ajudou a promover no atacado.

Fórum – Haddad pode ser o nome da renovação dentro do PT no âmbito nacional?

Janine – Não sei até porque, se você prestar atenção, o Haddad não tem falado nada de política nacional. Não sei o que ele acha. O que me parece hoje, toda vez que escuto um discurso político, é que o buraco é mais fundo. Quando muito, digo que tal pessoa tem razão até certo ponto. Mas esse até certo ponto ainda é pequeno.

Veja o exemplo da Marina Silva. Ela perdeu uma chance fabulosa na eleição do ano passado de contestar esse modelo de crescimento poluente. Se a Marina tivesse concentrado a campanha dela nisso, teria os mesmos 20% de votos. Mas, como ela chegou em um dado momento perto dos 40%, acho que não quis defender uma pauta que iria assustar o empresariado. Se tivesse levantado essa bandeira, teria dado um susto em quem seria eleito. Não que a Dilma seja defensora desse modelo poluente. O nível do governo hoje é melhor do que as pessoas imaginam. Mas Marina não esteve à altura desse papel de renovação. Talvez, na próxima eleição esteja. O PT está extremamente enfraquecido para lançar um nome para a próxima eleição. Talvez venha. O PSDB está com seus líderes tradicionais fracos. E o PMDB ressuscitou graças ao PT e ao PSDB. Os dois fizeram um trabalho fabuloso e conseguiram ressuscitar o PMDB, que é um partido que volta a ser considerado no quadro político brasileiro. Não se sabe qual será o peso dele, mas é um partido que volta a ter peso.

Fórum – E para qual lado vai esse PMDB?

Janine – Acho que não há muitas dúvidas a respeito. Você tem três quadros. O primeiro, a Dilma terminar o mandato. Dificilmente vai conseguir um êxito gigantesco, mas pode melhorar a economia. Tem o quadro da sucessão constitucional se houver algum problema sério, que seria uma posse do vice-presidente Michel Temer (PMDB). E há ainda o pior quadro de todos, o mais calamitoso, que é o de novas eleições. A sucessão do Temer é algo que a gente não sabe como seria. Vai haver um choque. O quadro calamitoso é o quadro do senador Aécio Neves (PSDB-MG), não que ele seja uma calamidade, mas porque é uma ruptura institucional muito grande.

Fórum – Você acredita na possibilidade real disso?

Janine – Duvido que aconteça um golpe paraguaio. Como duvido que aconteça uma impugnação da chapa. A bem da verdade, não acredito também na possibilidade de impeachment. Porque não há base constitucional e jurídica para isso. Não tem um único ato que ela tenha cometido que seja criminoso. A Dilma é extraordinariamente decente. Não sei o que vai acontecer se a economia continuar ruim e se as pessoas não sentirem nela uma esperança. Mas não vejo chance para o quadro de impeachment. A situação brasileira no momento está muito delicada.

Houve uma hipótese de alguns setores do PT que imaginavam que a saída da Dilma poderia ser boa para eles chegarem em 2018 como oposição. Você lia muito sobre isso nos jornais, deve ter havido alguma coisa nesse sentido. O Lula cortou essa ideia pela raiz. Ele abraçou a Dilma. Os dois são um só. Não tem saída para o PT, é Dilma ou Dilma. Eu não gosto de ficar raciocinando no imediatismo. Mas, agora, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), está em uma situação muito difícil. Então, diria que os ventos estão soprando a favor do lado do governo.

Fórum – As acusações contra o Cunha são boas para o governo?

Janine – Ajuda o governo a respirar. Mas o o problema é que precisa resolver certas questões estruturais. O que tem de fazer é recuperar o crescimento da economia. As perguntas são quem será capaz de fazer isso e como. De 2008 a 2014, Lula, e depois Dilm,a usaram modelos heterodoxos. Deram certo durante um tempo e depois deram errado. Por isso ela chamou um ortodoxo como o Joaquim Levy. Não foi porque ela acredita nele. Foi uma avaliação de que era a única chance. Não tenho a menor ideia se ele conseguirá fazer o Brasil voltar a crescer. Voltar uma política econômica heterodoxa, como esse manifesto da esperança pede, deu errado e não tem como voltar a isso. Outro ponto é que, enquanto isso acontece, você tem de ter colchões para os mais pobres. Não pode deixar que os ex-miseráveis voltem à miséria. É um imperativo ético e político. Como é possível coordenar essas duas coisas? Para proteger esses vulneráveis, é preciso ter dinheiro. E não há dinheiro para desenvolver a economia. Como haverá sustentação política para medidas desse tipo?

O que me parece muito claro é que o empresariado não está afim de impeachment, golpe paraguaio nem nada desse tipo. São inúmeras declarações contrárias. O Brasil já está cheio de dificuldades e eles sabem que isso não é uma solução, será mais um problema. Tirar a Dilma de maneira duvidosa é grave porque coloca um governo ilegítimo no lugar. Como alguém nessa situação vai conseguir tirar medidas econômicas dolorosas? Tem todas essas pessoas que estão insatisfeitas com esses cortes e recuos em programas sociais. E, de repente, eles podem culpar outro e não o PT pelos cortes. E O PT dizer que com ele não seria assim. É um jogo louco. Para que um empresário vai querer isso? O que ele ganha com um momento de conturbação, de tumultos na rua, greves e tudo mais?


Renato Janine, como ministro da Educação, junto com o então chefe da Casa Civil e hoje titular da pasta, Aloizio Mercadante, e a presidente Dilma Rousseff (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Fórum – Como foi sua relação com os parlamentares no período em que foi ministro?

Janine – Fui duas vezes à Comissão de Educação da Câmara e outras duas à do Senado. Fui bem recebido e as conversas foram muito boas. Apenas um tanto longas. A gente fixava um horário e era extremamente extrapolado. Nisso, não tive problema nenhum. De outro lado, fui procurado por diversos parlamentares, isso é constante. Recebi alguns, outros trataram diretamente com os meus secretários. De modo geral, ocorreu sem problemas. Só no final que houve um pequeno grupo de quatro deputados, que se diziam católicos, e que eram contra aquilo que eles chamam de “ideologia de gênero”. Foi uma reunião áspera, inclusive porque eles começaram a gravar a conversa sem pedir autorização. Nós tivemos de parar essa gravação que estava sendo feita de maneira clandestina.

Tenho de levar em conta que não houve maiores problemas porque o Ministério da Educação foi completamente blindado pela presidenta Dilma. Jamais chegou para nós uma indicação político-partidária para nada. Nunca passei por isso que você lê, de receber indicações para segundo, terceiro ou quarto escalão. Mas houve um conflito sério por causa do braço estruturante do Mais Médicos que fica no MEC, que é a formação de novas faculdades de Medicina no Brasil como um todo. Houve uma reclamação dos que perderam no edital. Há recursos cujo resultado da análise deve ser divulgado nos próximos dias ou semanas. Houve uma reclamação em especial contra o fato de a Universidade de Ijuí (RS) ter perdido na cidade dela para uma universidade de fora do Estado. Deputados gaúchos foram reclamar e dizer que não queriam outra instituição que não a Unijuí. Tive de dizer a eles que é preciso seguir o curso legal. Não houve maiores problemas além desse.

Fórum – A relação entre o governo e o Congresso impactou no seu trabalho?

Janine – No caso do MEC, isso impactou muito pouco. A gente tinha poucos projetos de lei em trâmite no Congresso. Havia uma proposta que eu não dei andamento, que era a criação de um instituto para fazer a avaliação das instituições de ensino superior privadas. Não levei adiante porque percebi que não passaria. Estamos em um ano em que o governo está muito fraco e cada um dos deputados percebe que o seu voto tem valor. Por isso, a negociação com eles não é fácil. Nesse caso, preferi esperar mais um tempo, até porque o projeto criava uma centena de cargos e não há um ambiente favorável para isso na sociedade. Acho que em termos de excesso de cargos e de remunerações, o problema é bem mais expressivo no Legislativo do que no Executivo. No Parlamento há mais cargos do que precisam e salários mais altos do que deveriam. Mas não tive problemas com o Legislativo. Nem com o Judiciário, a propósito.

Fórum – E quais foram os maiores problemas que teve de enfrentar?

Janine – O nosso mal foi a falta de dinheiro e um fenômeno, que as próprias pessoas dentro do MEC denunciavam, que é o chamado “bolsismo”. Uma série de medidas que foram tomadas para melhorar a educação nesses anos resultavam no pagamento de bolsas. Criou-se uma situação em que é difícil que as pessoas se mexam sem que se pague um adicional por isso.

Cheguei ao ministério em um momento em que havia toda essa construção de problemas e que muitas coisas que deram certo no passado chegaram a seu momento de crise. Acho inteiramente normal que isso aconteça. Depois de doze anos de êxito, acaba o dinheiro. Há doze anos de programas que funcionam e de repente você percebe que eles não funcionam tanto assim. O ruim é que isso tudo veio junto. É a super lei de Murphy. Além da falta de dinheiro, vem junto a crise do modelo, a percepção de que a educação básica não está melhorando como deveria e que o ensino superior está com problemas porque existem feudos que se instalaram e estão pouco dispostos a cumprir o papel deles pelo país. Todos esses problemas ao mesmo tempo tornaram a situação muito difícil. O Brasil vai ter de mexer com isso. O país está precisando de uma gigantesca mudança, o problema é quem ou quens, talvez tenha de ser no plural, que vai promover essas mudanças. Precisamos alterar a matriz econômica, a forma de pensar a educação e a responsabilidade das pessoas em relação à política, só para falar em algumas coisas.

Fórum – Como fazer isso com a classe política que temos hoje?

Janine – Não vai ser fácil porque de fato nossos políticos estão muito aquém disso. Agora, nem todos são assim. Tem gente muito capacitada também, nomMinistério, por exemplo. Tive uma impressão muito melhor dos ministros do que eu tinha antes. Você vê que tem gente que passa de uma pasta para outra e realmente toma conhecimento dos dossiês sobre cada uma das áreas. Um exemplo é o Aldo Rebelo, que está no terceiro ministério dele: Esportes, Ciência e Tecnologia e, agora, Defesa. Em todos eles se saiu bem. Você não tem uma situação em que todos os políticos são ruins. O problema é que no meio de toda essa crise brasileira surgiu o Cunha também. Ele apelou aos níveis mais inferiores do chamado baixo clero em troca de vantagens muito imediatas.

Fórum – Mas ele conseguiu impor uma pauta própria, não?

Janine – Veja que existe toda uma briga em relação à maioridade penal, mas foi construído um certo consenso. Esqueça o Cunha. Pense que o governo negociou com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Pense que o PT e o PSDB – que, afinal das contas, são partidos melhores do que a maior parte – negociaram. Quais os pontos em que a coisa caminhou? Há alguns princípios, não sei tudo isso será colocado em lei. Aumentar o tempo de internação dos jovens para determinados crimes, entendendo que três anos é pouco. Mantém a menoridade penal, mas faz essa alteração. Outro ponto, punir severamente o adulto que participa de um crime ao lado de um adolescente. Ou porque o adolescente assume o crime e é mais fácil de se safar ou porque o adulto o incentiva a cometer os delitos. Criar uma situação que seja péssimo para o adulto fazer isso. Há soluções. Ficou muito na discussão de Cunha querer reduzir e o governo ser contra a redução. Existe um problema real de uma criminalidade juvenil grave. Mas existem acordos que vão sendo construídos. Por isso que eu digo que há um lado nisso que é muita fumaça. Se você olhar o projeto do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), já não é a mesma coisa do Cunha. Vai ter de existir negociações nisso. Não tenho condições de prever se ele vai durar ou não. Há uma falta de lideranças, mas existe uma condição de fazer negociações melhores do que as que foram conduzidas até agora. Mesmo com esses líderes que a gente tem.

Fórum – Não é um contrassenso que os dois partidos que chegaram ao segundo turno da eleição presidencial do ano passado sejam mais progressistas que o Congresso?

Janine – Nas questões comportamentais são mais progressistas. Tem de abrir outras discussões. Antes de ser ministro, no começo do ano, falei que uma das piores coisas que a gente poderia fazer é deixar a direita se grudar na extrema-direita, que é essa direita comportamental. Gente que é contra a vida, contra sexo, contra nome social, tudo isso. Esse povo ficou forte demais com o Cunha. Uma parte pequena do PSDB aderiu a isso. Se você deixar que os dois grudem, bau-bau, acabou. Mesmo chamando o PSDB de direita, termo que eles não aceitam, tem de se criar um espaço de negociação. Você tem de juntar mais, o país ficou muito polarizado. Quem leva vantagem dessa situação é o Cunha e, quando ele sair, avantajará outros. Estamos em uma situação maluca que, dois anos depois daquelas manifestações que prometiam um novo Brasil, o país está pior agora do que antes em termos de atores políticos.

Foto de capa: José Cruz/Agência Brasil

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

azar o seu que paga pra banca do bicho mentirosa sustentar mentiroso. ocê abre os jornais e parecem telenovelas medíocres


A desmoralização da notícia




Por Luis Nassif, no Jornal GGN:


O jovem repórter de economia me escreve desanimado. É uma das grandes revelações do jovem jornalismo responsável. Meticuloso na apuração, cuidadoso nas deduções, tem o compromisso da informação correta em primeiro lugar.

Ontem, com os mercados ainda abertos, a seção Radar, de Veja, solta a nota irresponsável: "Levi redigiu cartão de demissão e se reunirá com Dilma". O mercado explode, as redações enlouquecem, saem todos à cata da confirmação da notícia.

Levy chega de uma reunião com Dilma às 17:58 e entra no elevador do Ministério, denotando enorme irritação. Seus assessores informam que está irritado com as pressões de Lula e do PT contra o ajuste fiscal, mas apenas isso. Não escreveu carta nenhuma e nem pensa em demissão.

Nem bem chega no seu gabinete e a mesma seção Radar solta outra nota - agora com os mercados já fechados: "Levy não entrega carta e permanece no cargo, mesmo insatisfeito". Como se a primeira nota não fosse de sua autoria.

Para não ficar para trás, outros colunistas embarcam na onda e alimentam o caldeirão de boatos.


*****

Voltemos ao jovem repórter: "Jornalismo não pode ser isso. Notas de dois parágrafos, uma atrás da outra, com informações desencontradas, falando a interesses de cada fonte".

A malícia desse jornalismo fast food consiste em transformar em fato o boato que é meramente verossímil. Levy está insatisfeito? Sim. Pode sair? Pode. É o que basta para transformar o verossímil em fato acabado. Afinal, um dia aquela notícia ainda será verdadeira.

Daí o desabafo: "Você passa horas, dias em cima de coisas complexas, sofrendo pressão de todos os lados, para conseguir um pé de página. E essa turminha do jornalismo de notas fast food ou das colunas idênticas fica desfilando boatos sem nenhum esforço de apuração".

*****

No mesmo dia, a coluna de Lauro Jardim em O Globo solta o boato de que o lobista Fernando Baiano - operador do PMDB - teria pago R$ 2 milhões para que um pecuarista amigo de Lula ajudasse a pagar as dívidas imobiliárias de uma nora de Lula.

Quando, onde, como e por quê não interessa. Não interessa sequer o nome da nora de Lula. Uma informação que. partindo de um jornalismo responsável, mudaria o curso da história, é transformado em uma nota de três linhas.

Logo depois, outra nota afirmando que, basta conhecer a família de Lula para saber que a nora só poderia ser a esposa do Lulinha. Assim: ataque à honra de uma pessoa baseada nessa acurada apuração.


*****

Fernando Baiano ficou meses sem aderir à delação premiada. No mesmo momento em que se fixa o dia para sua libertação, oferece a contrapartida que a Lava Jato solicita: qualquer coisa que envolva Lula e que não precise de comprovação futura, inclusive para não comprometer a validade da delação.

Afinal, será a palavra dele contra a do pecuarista. A informação não se transformará em inquérito, por ausência de provas, mas não comprometerá a delação. Afinal, os procuradores levam a sério o seu trabalho. E seu trabalho são apenas os inquéritos e processos na forma de lei. Se os colunistas não levam a sério o seu trabalho, problema deles e dos jornalistas que, trabalhando seriamente, assistem o jornalismo soçobrar.

sábado, 17 de outubro de 2015

mentira impune se você acredita em mentiras, mas não somos descerebrados, né?


Lula andou no helicóptero presidencial! A mais nova onda dos descerebrados




POR FERNANDO BRITO · 17/10/2015







Pena não ter polícia para todos no Brasil.

Senão este energúmeno aí da foto estaria prestando depoimento por difundir boatos e acusações infundadas sobre o uso de bens públicos E bens públicos da Força Aérea Brasileira.

Há três dias ele postou – com quase 4 milhões de visualizações insufladas pela rede de histeria que contaminou o Brasil – a “informação” de que o ex-presidente Lula acabara de pousar “no Campo de Futebol da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, usando um helicóptero da FAB, sob proteção e segurança da Força Aérea Brasileira” e a foto que acompanha o post no Google + .

Hoje, graças ao site Boatos.org, especializado em desmascarar fraudes na internet, ficamos sabendo que a foto é verdadeira, não é uma montagem.

E que Lula andou mesmo no helicóptero presidencial da FAB quando…era Presidente da República.

A foto, de José Cruz, da Agência Brasil, foi tirada em 3 de dezembro de 2008 e postada na Wikipedia.

Coisa de canalha, que, a começar pelas Forças Armadas, as instituições não podem aceitar que façam comprometendo o rigor e a correção do seu desempenho.

Aliás, o senhor Freire, defensor da intervenção militar, deveria ser ele objeto de uma, das boas, para ser levado a pagar por dizer que equipamento da FAB está sendo usado.

Infelizmente, este tipo de bandidagem fica impune.

É hora de mudar a política econômica


O ajuste fiscal ampliou a recessão






Do site Carta Maior:

A discussão sobre o que está por trás do desajuste atual da economia brasileira, com crescimento negativo do PIB, inflação alta, desemprego, dólar e juros nas alturas, queda nos investimentos, entre outros indicativos nada animadores, é travada por diferentes correntes de economistas, além de assunto dominante em programas de TV e mesas de bar.

De forma resumida, há, de um lado, quem defenda que a recessão tem origem principalmente em erros na condução da política econômica dos últimos governos e o ajuste fiscal comandado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy seria uma tentativa de trazer a economia “de volta aos trilhos” e recuperar a “confiança” dos empresários. Essa é a “narrativa hegemônica”, disseminada na grande imprensa.

De outro lado, porém, há os que consideram que o ajuste se baseia em um erro de diagnóstico da situação da economia e é ele próprio o grande responsável por jogar o Brasil na recessão. Nesse grupo estão dezenas de intelectuais que lançaram, apoiados por sete instituições, entre as quais o Brasil Debate, o documento “Por um Brasil Justo e Democrático”.

O documento traz justamente propostas alternativas ao ajuste em curso e foi recebido com muitas críticas entre os economistas liberais. Porém, como aponta o coordenador do Brasil Debate Pedro Rossi, em artigo publicado no Valor Econômico em 15/10 (link), resultados da economia mostram que, após a “terapia de choque” do ajuste, houve uma piora drástica do cenário, com aumento da inflação e do desemprego.

Segundo Rossi, “independentemente de erros dos governos anteriores, parece claro que a virada de política econômica tem aprofundado a crise, como sugere o gráfico (abaixo)”.






De fato, aponta o economista, de janeiro a agosto de 2015, o gasto público primário se contraiu 2,1% em termos reais na comparação com o mesmo período do ano anterior, sendo que o investimento público foi a principal vítima dos cortes - caiu 45% em termos reais.

“Essa contração, simultaneamente ao desempenho ruim das demais variáveis de demanda (consumo, investimento privado e demanda externa), se mostrou pró-cíclica, aprofundou a recessão e contribuiu para a queda de 4,8% da arrecadação, no mesmo período”, explica.

Outra medida do ajuste que ajudou a formar o atual quadro recessivo foi a opção por uma estratégia de choque nos preços administrados, em detrimento de uma estratégia gradualista. Assim, segundo Rossi, da inflação acumulada de janeiro a setembro de 2015 (7,64%), 1,67 pontos percentuais devem-se diretamente ao reajuste de preços da energia elétrica, o que explica 22% do IPCA.

“Esse tipo de reajuste tem um alto grau de difusão em uma economia muito indexada na qual a formação de preços é extremamente oligopolizada e conta com um alto grau de repasses de custos para o consumidor”.

E um terceiro ponto do ajuste para o qual ele chama a atenção é a taxa de juros Selic, que subiu de 11% em outubro de 2014 para 14,25%. Com essa política monetária, o Banco Central trata a inflação brasileira como se fosse um problema de demanda em um momento de contração de demanda e de choque de custos. Essa contração monetária, além de ineficaz para reduzir a inflação, contribui para a recessão ao aumentar o custo do crédito, o custo de oportunidade para o investimento produtivo e, ainda, aumenta as enormes despesas do governo com juros, alcançaram 8% do PIB.

“Estamos piores do que no fim de 2014, quando se iniciou o ajuste com a alegação de que o crescimento viria pela recuperação da confiança dos agentes econômicos. De lá pra cá, a confiança dos agentes despencou e esse discurso perdeu aderência”, analisa.


Felizmente, há alternativas ao ajuste recessivo, o documento “Por um Brasil Justo e Democrático” defende uma agenda pró-crescimento, que repense a estratégia de política monetária, preserve e faça uso estratégico dos gastos públicos com maior efeito multiplicador e com efeitos sobre a competitividade e os estrangulamentos produtivos. É hora de mudar a política econômica!

A obrigação da imprensa


Mídia “embaralha” decisão do STF para esconder fracasso do golpe




Posted by eduguim on 14/10/15 • Categorized as Reportagem









Na última terça-feira (13), o golpismo terceiro-mundista, de longa história neste país e que vemos se assanhar nos dias que correm, sofreu um duro golpe com decisão do STF que incontáveis juristas de renome até avisaram que sobreviria, mas que a sanha golpista não quis ouvir. Desse modo, vale lembrar que só se surpreendeu quem quis.

Só para ficar em um exemplo caseiro, o jurista e constitucionalista de renome internacional Dalmo Dallari, em várias entrevistas a este Blog, disse e redisse que o STF não iria permitir manobras escandalosas como as que o PSDB, o DEM e a banda podre do PMDB vinham armando para concretizar um golpe paraguaio pronto e acabado.

Devido ao clima de “juízo final” que a mídia vem promovendo, porém, muita gente chegou a duvidar desses juristas todos que vêm se posicionando frontalmente contra as “razões” para abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff e até contra os ritos processuais que tentaram adotar no Legislativo para atingir esse fim.

Este blogueiro mesmo chegou a ter dúvidas. Porém, um homem da estatura moral, intelectual e acadêmica de um Dalmo Dallari – entre outros juristas de renome – não diria o que vem dizendo se não tivesse razões sólidas. Mas, atualmente, criou-se, neste país, a mania de desprezar a experiência e valorizar a imaturidade.

Enfim, como deixam ver Dallari e tantos outros, o Brasil pode até não ser um dos berços da civilização, mas também não é a “zona” que estão pensando. Como dizem por aí, “Ainda há juízes em Berlim”.

Ou seja: o STF não iria permitir um golpe legislativo como o que estava sendo armado. E que golpe era esse? Vamos, pois, ao que interessa. Primeiro, porém, vejamos como funciona o rito do impeachment no Congresso.

Há todo um ordenamento jurídico para a punição de crime de responsabilidade e crimes comuns praticados por aquele que ocupa o principal cargo do Poder Executivo, que é o de Presidente da República. Vamos conferir, então, quem são os legitimados para apresentar a denúncia, em qual órgão deve ser apresentada e quem profere o julgamento.

A competência para processar e julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade é do Senado Federal (art. 52, I, CF), após autorização da Câmara dos Deputados, que, OBRIGATORIAMENTE, tem que ser proferida por dois terços (2/3) dos seus membros (art. 51, I, CF).

Determina a Constituição que, durante o processo de julgamento dos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal, funcionará como Presidente do Julgamento o Presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 52, parágrafo único). Assim, o Senado Federal não estará funcionando como órgão legislativo, mas, sim, como órgão judicial híbrido, porque composto de senadores da República e presidido por membro do Poder Judiciário.

O processo de impeachment tem início na Câmara dos Deputados a partir da apresentação da denúncia por qualquer cidadão e cabe privativamente a essa Casa autorizar, por dois terços (2/3) de seus membros, a instauração do processo contra o Presidente da República.

Admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, o processo será encaminhado ao Senado Federal para julgamento.

A admissão da acusação pela Câmara obriga o Senado a dar início ao procedimento para apuração do crime de responsabilidade do presidente, não sendo permitido aos senadores decidirem se instalam ou não o processo de impeachment. Se a Câmara instala o processo, eles têm que julgar se o presidente é inocente ou culpado. Ponto.

No momento em que é instaurado o processo de julgamento pelo Senado, o Presidente da República fica suspenso de suas funções por cento e oitenta (180) dias. Se ao fim desse prazo o julgamento não estiver concluído, o presidente retorna ao exercício das suas funções sem prejuízo do prosseguimento do processo (CF, art. 86, § 1.º).

A condenação do Presidente pela prática de crime de responsabilidade tem quer ser por dois terços (2/3) dos membros do Senado (54 senadores), em votação nominal aberta. E acarretará a perda do cargo, com a inabilitação por oito (8) anos para exercício de funções públicas, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (CF, art. 52, parágrafo único).

O que ocorre, porém, é que a mídia, ao longo do mês de setembro, noticiou fartamente que a oposição havia montado uma estratégia para burlar a Constituição e admitir o processo de impeachment por maioria simples e não por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados.

Matéria do portal G1 publicada em 24 de setembro relata que o PT contestara rito processual anunciado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que permitiria burlar a Constituição. Sob o título PT contesta rito de impeachment apresentado por Cunha na Câmara, a matéria explica que o presidente da Casa estabelecera que se sua decisão sobre algum pedido de impeachment fosse rejeitada pelo Plenário bastaria maioria simples (metade dos 513 deputados mais um) para que o processo fosse instalado, o que resultaria no afastamento de Dilma do cargo.



Veja, abaixo, trecho da matéria.


“(…) Caso Cunha rejeite os pedidos de abertura de impeachment, partidos da oposição pretendem apresentar ao plenário um recurso contra a decisão. Para que o recurso seja aprovado, [segundo a decisão de Cunha] bastará maioria simples dos votos dos deputados em plenário. Se isso acontecer, será instalada uma comissão especial [que dará início ao impeachment]”

Basicamente, portanto, o que os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber fizeram na última terça-feira foi enterrar essa manobra INCONSTITUCIONAL que, de forma ABSURDA, simplesmente conseguiria reduzir para MAIORIA SIMPLES a exigência CONSTITUCIONAL de MAIORIA ABSOLUTA para uma decisão da gravidade de abrir um processo de impedimento do presidente da República.

Clique aqui para ler a decisão do ministro Teori Zavascki.
Clique aqui para ler a decisão da ministra Rosa Weber.
Clique aqui para ler o pedido do deputado Wadih Damous.



Para que se tenha uma ideia, seriam necessários quase cem deputados A MENOS para aprovar um processo que tiraria Dilma Rousseff do cargo IMEDIATAMENTE.

A obrigação da imprensa, POIS, era trocar isso em miúdos para o público, como este Blog está fazendo. Era deixar claro para o público que Eduardo Cunha e a oposição demo-tucana estavam tentando dar uma volta na Constituição para tirarem Dilma do cargo sem cumprirem a Constituição. Ou seja: estavam tentando dar um golpe “branco”. Ou chamem isso como quiserem…

A matéria da Folha que este post reproduz a seguir diz que o STF “embaralhou” o rito do impeachment. Não diz um A sobre a manobra inconstitucional tentada por Cunha e pelo PSDB. Não explicou que sem poder instalar o impeachment por maioria simples, já era. Não explicou que a reversão dessa liminar é praticamente impossível porque haveria que mudar a Constituição para cassá-la.

O resto da mídia fez a mesma coisa que a Folha. Esse jornal foi usado como mero exemplo. Confira, abaixo, a malandragem.




FOLHA DE SÃO PAULO
14/10/2015
Decisões do STF embaralham rito do impeachment de Dilma
Tribunal suspende regras definidas por Cunha para encaminhar denúncias
Decisão ajuda Dilma a ganhar tempo para defender seu mandato e atrapalha estratégia adotada pela oposição
MÁRCIO FALCÃO
MARINA DIAS
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA

O Supremo Tribunal Federal freou a estratégia traçada pela oposição com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para deflagrar um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Em três decisões de caráter provisório, os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber suspenderam nesta terça-feira (13) a aplicação das regras estabelecidas por Cunha para dar andamento aos pedidos de afastamento de Dilma.
Com isso, a presidente poderá conseguir mais tempo para articular politicamente a defesa do seu mandato.
Até a manhã desta terça, o cenário considerado mais provável pelos políticos para o andamento do impeachment era uma manobra conjunta da oposição e de Cunha.
O plano era usar um pedido apresentado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal. Cunha arquivaria a petição, para não deixar suas digitais na iniciativa, e em seguida a oposição recorreria ao plenário da Câmara para dar andamento ao processo.
Os procedimentos para a execução desse roteiro foram definidos por Cunha em setembro, mas deputados governistas recorreram ao STF contra alguns dispositivos.
Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber acolheram as ações dos governistas, aceitando o argumento de que Cunha inovou em relação ao que está disposto na Constituição, na lei dos crimes de responsabilidade e no Regimento Interno da Câmara.
As regras para o impeachment já foram aplicadas contra o ex-presidente Fernando Collor (1990-1992). No entanto, há detalhes sobre os quais nem o Regimento Interno da Câmara é considerado claro.
Entre as questões formais levantadas está, por exemplo, o prazo de cinco sessões para apresentação do eventual recurso ao plenário da Câmara. As regras definidas por Cunha também permitem que ele interfira na comissão especial encarregada de analisar um pedido de impeachment admitido pela Câmara.
Outro procedimento que desperta dúvidas é a inclusão de novos argumentos nos pedidos de afastamento. A oposição pretendia acrescentar irregularidades atribuídas a Dilma em 2015 na peça de Bicudo, Reale Jr e Paschoal.
DÚVIDAS
Em sua decisão, Teori disse que o rito de impeachment não é apenas uma questão interna da Câmara. O ministro disse ter concedido a liminar para evitar “a ocorrência de possíveis situações de dano grave à ordem institucional”.
“Em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do governo da nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”, disse.
Weber escreveu que sua decisão teve o propósito de determinar a Cunha “que se abstenha de receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra decisão de indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade contra presidente da República com base naquilo em que inovado [em relação à lei]”.
Segundo a Folha apurou, a interpretação dos ministros chegou a ser contestada internamente no STF. Teori, no entanto, disse a interlocutores que as deliberações não pretenderam impedir a Câmara de analisar os pedidos de impeachment, mas assegurar que a medida siga a lei.
POSSIBILIDADES
Segundo ministros do Supremo ouvidos sob a condição de anonimato, uma saída para retomar a articulação pelo impeachment seria a apresentação de um novo pedido, em vez de aditamentos a pedidos já apresentados.
Ao presidente da Câmara ainda resta a possibilidade de aceitar um pedido seguindo o procedimento adotado no caso Collor. Ele decidiria sozinho e encaminharia o pedido a uma comissão especial.
Em qualquer situação, Dilma só será afastada se a abertura do processo de impeachment for aprovada por ao menos 342 dos 513 deputados federais. Se isso ocorrer, a presidente será processada e julgada pelo Senado, que terá 180 dias para decidir o caso.


Mixuruca, mixuruca, como dizia minha avó.


Os taradinhos do impeachment, meia-dúzia, calam sobre Cunha. Veja





POR FERNANDO BRITO · 17/10/2015







Bem que a Globo mobilizou equipes em todo o país para dar ampla cobertura aos manifestantes do “Vem Pra Rua” que prepararam uma série de atos pelo Brasil pelo impeachment e, como bons “moralizadores” que são sem uma palavra, um cartazinho que fosse sobre as contas de Eduardo Cunha, sua grande esperança.


Coberturinha promocional, sem repórter, sem a pergunta óbvia sobre o impeachment depender de Eduardo Cunha, aquela coisa que conhecemos do jornalismo de propaganda.


Mesmo assim, o resultado foi pífio. A “maior” manifestação reuniu, segundo a Globo, 40 pessoas em Curitiba, embora eu tenha visto nem metade disso.


Se a família do juiz Sérgio Moro ou dos procuradores tivessem ido, tinha triplicado o público.


Mixuruca, mixuruca, como dizia minha avó.


Tirei a matéria da Globo do Facebook do movimento liderado pelo ex-broker norte-americano Rogério Chequer, outro ex-herói da Veja. Eles nem se tocam que tudo o que conseguem parecer é o que são: ridículos.

é um corpo sem dignidade. é o corpo de um torturador covarde


Renan Quinalha: Ustra, o corpo de um torturador covarde, um corpo sem dignidade




publicado em 15 de outubro de 2015 às 22:12






Ustra: um corpo sem dignidade

Quinta-feira, 15 de outubro de 2015

por Renan Quinalha, no Justificando, sugestão de Artur Scavone


OBITUÁRIO COM HURRAS, de Mario Benedetti

(…)
viva
morreu o cretino
vamos festejá-lo
e não chorar como de hábito
que chorem os que são como ele
e que engulam suas lágrimas
foi-se embora o monstro magnata
acabou-se para sempre
vamos festejá-lo
sem ficar mornos
sem acreditar que este
é um morto qualquer
vamos festejá-lo
sem ficar frouxos
sem esquecer que este
é um morto de merda


***

Ustra morreu hoje. Com 83 anos, faleceu tranquilamente em um hospital, com tratamento médico adequado e na companhia de sua família. Em tudo o oposto do sofrimento atroz que impingiu às suas vítimas e seus familiares.

Coronel da ditadura, Ustra comandou o principal centro clandestino de detenção e tortura brasileiro. No DOI-CODI de São Paulo, onde era conhecido como ‘major Tibiriçá’, pelas suas mãos sujas de sangue, entre 1970 e 1974, passaram ao menos 50 pessoas que foram mortas ou estão até hoje desaparecidas, além de mais de 500 pessoas torturadas barbaramente.

Sua família terá um corpo presente para velar e consumar o luto da sua perda. Não será um corpo torturado como o dos milhares de presos políticos, que passaram pelos cárceres ilegais da ditadura brasileira. Não será um corpo enforcado como o de Vladimir Herzog. Não será um corpo desfigurado como o de Eduardo Leite (Bacuri). Não será um corpo mutilado, como o de Luiz Eduardo da Rocha Merlino. Não será um corpo desaparecido, como o de Hirohaki Torigoe. Não será um corpo baleado, como o de Carlos Marighella. Não será um corpo sepultado como indigente ou com nome falso, como no caso de Luiz Eurico Tejera Lisboa. Não será um corpo jogado em uma vala comum, como o de Flávio Carvalho Molina. Não será um corpo enterrado e desenterrado diversas vezes para depois ser atirado no alto mar, como o de Rubens Paiva.

Os médicos que trataram do Ustra não faltarão com a verdade, ao contrário dos peritos e legistas que o auxiliaram a encobrir seus crimes na ditadura. Seu atestado de óbito não será forjado com versão falsa da causa mortis como “atropelamento”, como no caso de Alexandre Vannucchi Leme, “tentativa de fuga”, como no caso de Luiz Hirata, “tiroteio”, como no caso de Sonia Maria de Moraes Angel Jones, ou “suicídio”, como no caso de Manoel Fiel Filho. Tampouco constará, neste documento, uma morte fictícia e não esclarecida como nos atestados emitidos conforme a Lei dos Desaparecidos Políticos (Lei 9.140 de 1995).

Mas seu corpo, que será enterrado ou cremado inteiro, com atestado de óbito verdadeiro, com todos os cuidados médicos e na companhia de seus familiares que dele poderão se despedir, é um corpo sem dignidade. É o corpo de um torturador covarde. É o corpo de um violador dos direitos humanos. É o corpo de alguém que matou, torturou, desapareceu e ainda achava que agiu corretamente. Morre reivindicando seus atos em gozo da liberdade e da impunidade que os verdugos não merecem. É o corpo impune que atesta a falta de justiça da nossa democracia.

Ao menos ele foi um dos 377 torturadores reconhecidos oficialmente pela Comissão Nacional da Verdade e também foi declarado torturador pelo Judiciário paulista em histórica ação da família Teles.

Outros assassinos da ditadura ainda estão vivos. Cabe agora ao Judiciário parar de torturar a justiça e a verdade. Que a lembrança dos nomes daqueles e daquelas que tombaram resistindo à ditadura e que foram vítimas diretas da violência do Ustra não nos permita esquecer esse passado e nos motive a lutar ainda mais pela justiça:

Alceri Maria Gomes da Silva, Alex de Paula Xavier Pereira, Alexander José Ibsen Voerões, Alexandre Vannucchi Leme, Ana Maria Nacinovic Corrêa, Ângelo Arroyo, Antônio Benetazzo, Antônio Carlos Bicalho Lana, Antônio Sérgio de Mattos, Arnaldo Cardoso Rocha, Aylton Adalberto Mortati, Carlos Nicolau Danielli (Carlinhos), Dorival Ferreira, Edson Neves Quaresma, Eduardo Antônio da Fonseca, Emmanuel Bezerra dos Santos, Flávio Carvalho Molina, Francisco José de Oliveira (Chico Dialético), Francisco Seiko Okama, Frederico Eduardo Mayr, Gelson Reicher, Gerardo Magela Fernandes Torres da Costa, Grenaldo de Jesus da Silva, Helber José Gomes Goulart, Hélcio Pereira Fortes, Hiroaki Torigoe, Iuri Xavier Pereira, João Batista Franco Drummond, João Carlos Cavalcanti Reis, Joaquim Alencar de Seixas, Joelson Crispim, José Ferreira de Almeida, José Idésio Brianezi, José Júlio de Araújo, José Maria Ferreira Araújo, José Maximino de Andrade Netto, José Milton Barbosa, José Roberto Arantes de Almeida, Lauriberto José Reyes, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, Luiz Eurico Tejera Lisboa, Luiz José da Cunha, Manoel Fiel Filho, Manoel Lisboa de Moura, Manuel José Nunes Mendes de Abreu, Marcos Nonato da Fonseca, Norberto Nehring, Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar, Raimundo Eduardo da Silva, Roberto Macarini, Ronaldo Mouth Queiroz, Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter, Sônia Maria Lopes de Moraes Angel Jones, Virgílio Gomes da Silva, Vladimir Herzog e Yoshitane Fujimori.

Leia também:

Veja os depoimentos de torturados por Ustra

a neutralidade e a vida melhorando


Os limites do antipetismo



Em pesquisa recente, o eleitorado "potencial" do PT somou 48%, acima dos 39% que não votariam no partido


por Marcos Coimbra




Oswaldo Corneti/Fotos Públicas

Protestos na avenida Paulista pediram impeachment de Dilma Rouseff




Nas pesquisas recentes, alguns resultados são relevantes e outros não. Aqueles referentes à conjuntura econômica e suas repercussões na imagem do governo fazem parte do último caso. Enquanto não se passar o tempo necessário para as medidas de ajuste produzirem efeitos, repetir a pergunta de avaliação do governo nada acrescenta.

Entre os aspectos significativos estão as percepções e sentimentos a respeito dos partidos. Pelo fato de tanto as eleições de 2016 nas principais capitais quanto a presidencial de 2018 ainda não terem nomes definidos, conhecer o pensamento da população a respeito dos partidos é uma maneira de estimar o que nos reserva o futuro.

A mais recente pesquisa nacional do Instituto Vox Populi, realizada em maio, mostrou que o petismo e o antipetismo permanecem do mesmo tamanho de 20 anos atrás. Revelou também que, do fim da década de 1980 para cá, nenhum partido cresceu individualmente na simpatia popular. Continuamos com um quadro de identificações partidárias no qual existe o PT e, a bem da verdade, mais nada (o PMDB ficou com 5% e o PSDB com 4% das menções).

Do total, 12% disseram “detestar o PT”. Somado aos 19% que afirmaram “não gostar do PT, mas sem detestá-lo”, o grupo perfaz um terço dos entrevistados. A mesma proporção daqueles que responderam se “sentir petistas” ou “gostar do PT sem se sentir petistas”. O que deixa o terço restante em posição neutra, “sem gostar ou desgostar” do partido.

A pesquisa também pediu aos entrevistados para definirem qual a possibilidade de votarem no PT em eleições futuras. Da amostra, 25% responderam que “votariam em um candidato do PT” na próxima eleição, 16% que “estavam decepcionados com o partido, mas poderiam votar em um candidato petista” e 7% que “não eram eleitores do PT, mas poderiam votar em um candidato do partido”. Ou seja, 48% dos entrevistados admitiram a possibilidade de votar na legenda, muitos com boa chance.

Do outro lado, 16% afirmaram que “nunca votaram e nunca votariam em um petista” e 11% que “não gostavam do PT e era muito difícil que votassem no partido no futuro”. Outros 12% responderam que, “embora já tivessem tido simpatia, estavam decepcionados e não votariam na legenda”. Somados, representam 39%, abaixo do “eleitorado potencial” do PT.

A pesquisa permite entender o tamanho total do antipetismo e a pequena expressão de seu braço radicalizado, aqueles que odeiam o PT. São dois motivos principais.

O primeiro é, por assim dizer, relativo. A maioria da sociedade brasileira não é antipetista e, muito menos, radicalmente antipetista, porque compara favoravelmente o desempenho administrativo do partido ao da atual oposição e porque não o compara desfavoravelmente no que é sua maior vulnerabilidade, o envolvimento de alguns integrantes com práticas de corrupção.

A pesquisa solicitou dos entrevistados que comparassem os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff em 14 dimensões e disessem qual havia sido melhor em cada uma. Lula ficou na frente em 13 itens. Bateu o tucano de 85% a 8% no quesito “Teve mais preocupação com os pobres” e 38% a 17% em “Combateu mais a corrupção”. Dilma liderou em uma (“Fez a melhor política de defesa das mulheres”).

A comparação não desfavorável do PT com a oposição pode ser percebida nas respostas a respeito de quais partidos estariam envolvidos nas irregularidades denunciadas na Petrobras. Para 6%, o único implicado seria o PT e para 17% “só o PT e os partidos da base do governo”. Segundo 70%, os desvios teriam sido, no entanto, praticados “por todos os partidos, incluindo o PSDB, o PSB e o DEM”.

Não apenas nas comparações o PT se sobressai no lado positivo e não se destaca no negativo. Para a maioria dos entrevistados, a vida melhorou nos 12 anos de governos petistas, não somente por seu esforço, mas por conta das medidas em seu favor tomadas por Lula e Dilma. Segundo 10%, os governos do PT “tomaram muitas medidas que trouxeram melhorias para suas vidas” e mais 50% disseram que “tomaram algumas”. Pouco mais de um terço, ou 38%, afirmou que as administrações petistas “não tomaram nenhuma medida” em seu favor. Significa dizer que a quase totalidade de quem se diz “neutro” em termos partidários (parte do terço que define as eleições majoritárias) está entre aqueles que creditam ao PT parte das coisas boas acontecidas em suas vidas nos últimos anos.

É por essas (e outras) razões que as atuais perguntas de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2018 são, em si, pouco relevantes. Só os tolos se alegram (ou se entristecem) com o resultado. Quando começar de fato, a eleição será travada em termos bem diferentes dos atuais.

Coimbra: a crise é da elite!


Conversa Afiada


publicado 17/10/2015


"O sucesso de Lula teve efeitos paralisantes"​








O Conversa Afiada reproduz artigo de Marcos Coimbra, de CartaCapital:






Conteúdo relacionadoDias: bye, bye, Golpe!

terça-feira, 13 de outubro de 2015

estamos caminhando para a fase do Terror (leia mais história)


A conspiração do TCU e TSE que nos empura para a convulsão social




Políticos irresponsáveis como Aécio e colegiados corporativistas como o TCU agem por puro interesse e estão levando o Brasil para o precipício.


J. Carlos de Assis*







Ditadura miliar não é coisa que a gente pede a frio. É coisa que a gente sofre a contragosto. Escrevi um artigo mostrando que estamos nos encaminhando para um terrível processo de convulsão social que pode acabar numa ditadura militar e alguns comentaristas, não entendendo patavinas do que escrevi, alegaram que eu estava propondo uma ditadura “benigna”. É o exato oposto. Na história, só existiram ditaduras “benignas” na Roma antiga, quando os senadores entregavam o poder a um ditador a fim de que ele tivesse as mãos livres para enfrentar algum perigo comum. Uma vez cumprido o dever, o ditador tratava de abrir mão do poder o mais rápido possível, pois considerava vergonhoso ser ditador.

Na atualidade brasileira, as condições para que tenhamos uma ditadura “benigna” em face do caos reinante é praticamente nula. Não há consenso possível em torno de uma solução desse tipo. Não obstante, as instituições da República estão se deteriorando em ritmo acelerado. Quando isso chega a um nível de não retorno, algo tão impensável quanto o impeachment de presidente da República por um capricho formal do TCU ou do TSE pode acontecer com uma “naturalidade” falsa, com característica similares ao golpe paraguaio. E é nesse momento que um estado de convulsão social transforma-se nas preliminares de uma guerra civil, levando muitos da população a pedir a intervenção militar.

Políticos irresponsáveis como Aécio e colegiados corporativistas como o TCU, agindo por puro interesse partidário, estão levando o Brasil de forma absurdamente leviana para a beira do precipício. Agem como se estivessem sozinhos no mundo sem considerar a reação do outro. Olhando acriticamente o resultado das pesquisas de opinião, acham que Dilma e o PT não tem condições de suscitar qualquer reação efetiva da população no caso de cassação dela. Esquecem o que é o PT, a CUT e o MST, com suas múltiplas correntes políticas internas, muitas delas se orientando explicitamente por uma vocação revolucionária. Deem a eles motivo –e não existe maior motivo que a cassação de Dilma -, e teremos o início de um banho de sangue.

Não tenho em mente os homens maduros, as pessoas de classe média, os chefes de famílias. Tenho em mente, principalmente, os jovens. Basta lembrar a guerrilha urbana brasileira e a guerrilha de Araguaia no início dos anos 70: a maioria eram jovens. César Benjamim tinha 16 anos. Dilma Roussef, 18. Ambos conseguiram salvar suas vidas. Outros foram assassinados pela repressão antes dos 25. É que jovens, em geral, não tem medo de morrer na luta. São generosos. Não tem compromissos de família. Tomem o mandato de Dilma e, qualquer coisa que ela faça ou diga, ou que diga Lula, e centenas de milhares de pessoas irão para as ruas tirar a forra. Tudo isso começará “democraticamente”.

Contudo, recordam-se do que promoveram os black blocs nas manifestações de 2013? Lembro-me da expressão espantada dos apresentadores da Globo descrevendo as ações dos “vândalos”. No entanto, eram uns gatos pingados. Imaginem agora as ruas e avenidas das grandes capitais brasileiras ocupadas por dezenas de milhares de militantes enfurecidos do PT, da CUT, do MST, do PCdB, do PSTU, do PSOL, nem todas em apoio a Dilma, mas todos contra a quebra da institucionalidade: será que as PMs evitarão uma quebradeira generalizada? Será possível conter as multidões? Isso não vai misturar-se com a chamada luta contra o capitalismo, cujos maiores símbolos, bancos e empresas, provavelmente não restarão de pé?

Nossa obrigação, enquanto cientistas sociais, é relembrar a história para evitar que ela se repita. Estamos numa situação de derretimento de instituições similar ao que aconteceu séculos atrás, na Revolução Francesa. Então, o Rei estava contra a aristocracia, a aristocracia contra os burgueses, os burgueses contra os operários, os camponeses contra os latifundiários, todos contra a Igreja. Nós vemos o TRU e parte do TSE contra o Executivo, o Legislativo contra o Executivo e o Judiciário, o Judiciário contra todas as instituições e contra si mesmo. Na França, a guerra civil começou com a queda da Bastilha, que sequer era uma prisão política. Aos poucos quase nada sobraria da velha ordem e algumas milhares de cabeças rolaram.

Não pensem que os ministros do TCU e do TSE que ficarão impunes se a ordem política brasileira degenerar-se por obra de suas ações irresponsáveis. O mesmo se pode dizer dos políticos também irresponsáveis que, por puro interesse próprio, estão contribuindo para degenerar as instituições de forma próxima do irreparável. Pela história, sabemos como começou a Revolução Francesa e como terminou: caiu nas mãos de um general genial que impôs ao país uma ditadura “benigna”. Não sei se teríamos a mesma sorte no fim do processo. Mas estou convencido de que, entre o início caótico e a ditadura final, teríamos uma fase intermediária que a história tornou conhecida como Terror!

P.S. Prometo que no próximo artigo relatarei os esforços que um grupo responsável de brasileiros está fazendo para recuperar a economia, a política e as instituições, sem apelo para ditaduras.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP.