sexta-feira, 27 de maio de 2011

o bode na sala e o essencial

“Não vamos choramingar pelos cantos”


por Rodrigo Vianna

O blogueiro Miguel do Rosário escreveu no ótimo “Òleo do Diabo” um longo post sobre o quadro político criado após três fatos recentes: as denúncias contra Palocci, a aprovação do Código Florestal e o recuo de Dilma na questão do kit contra preconceito do Ministério da Educação.

Miguel tem uma posição diferente da minha, que foi explicitada em dois posts recentes no Escrevinhador: aqui e aqui.

Em resumo, tenho afirmado que as escolhas de Dilma nesse início de governo afastam o governo de parte importante da base social que a apoiou (e que teve papel fundamental ao enfrentar a onda conservadora em que Serra tentou surfar em 2010). Apesar da economia seguir bem arrumada, o que deve levar à redução da miséria e das desigualdades (processo iniciado com Lula), temo que as escolhas de Dilma ajudem a consolidar a agenda conservadora – o que tornaria complicadíssimo o quadro para a centro-esquerda em 2014.

Miguel acha que as avaliações negativas que circulam na internet são apressadas, e que é preciso entender as escolhas do governo de uma perspectiva mais ampla. Recuos pontuais seriam necessários para administrar um país tão complexo, diz o Miguel do Rosário. Ele também critica o “derrotismo” de parte da esquerda e afirma: “Não vou choramingar pelos cantos ao primeiro revés“.

Acho importante travar esse debate. Não tenho a pretensão de ser dono da verdade, evidentemente. Por isso, sugiro ouvir as ponderaçõs de Miguel do Rosário e de outros que têm pedido: calma, gente, muita calma nessa hora.

Reproduzo abaixo dois trechos do post do “Óleo do Diabo”, e recomendo a leitura completa do artigo.

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Código Florestal e Chapeuzinho Vermelho

por Miguel do Rosário, no Óleo do Diabo

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Eu tenho impressão que se houvesse Twitter em 2005, Lula sofreria um impeachment, com ajuda de tuiteiros e blogueiros do PT. Nunca se viu, a cinco meses do governo, tanta gritaria e agressividade dos próprios “amigos” contra aquela mesmo que, segundo estes, custou tanto sangue, suor e lágrimas. Um blogueiro disse até que gastou muito dinheiro na campanha, e que agora se arrepende de tê-lo feito. Talvez queira a grana de volta?

Aliás, de 2003 a 2005, houve algo parecido, mas graças a Deus não havia rede social. Tem gente que enxerga derrota e vergonha em qualquer pequeno recuo. Passa uma nuvem no céu e parece que viram os sinais do apocalipse! É preciso ver do alto, analisar o conjunto da obra, ter um pouco de calma e paciência! Esperar para ouvir outras versões do fato.

O impressionante é como esse sentimento se espalha. É sempre a mesma classe média, politizada, com seu DNA lacerdista, ainda que avermelhado. O lacerdismo não se caracteriza apenas pelo moralismo, mas também por essa indignação afobada, arrogante, apoplética.

As pesquisas mostram Dilma nadando em popularidade. O povo continua apoiando a presidente que escolheu, sem impaciência ou ansiedade. Sabe que as conquistas são lentas, e que eventuais recuos podem ser compensados com avanços mais adiante. Em 2003, quando Lula era atacado virulentamente por essa mesma esquerda hoje em polvorosa, um instituto fez uma pesquisa para saber a expectativa da população para com o governo. A grande maioria respondeu que daria até dois anos para que Lula promovesse alguma mudança efetiva. Não vamos confundir a opinião volúvel, instável e sempre meio neurastência das redes sociais, com o sonho poderoso, otimista e sereno de 200 milhões de brasileiros!
(…)

E a tese de que Dilma cedeu no caso do “kit gay” também por causa do Palocci é outra forçação de barra. A presidenta pode ter cometido um recuo lamentável e covarde. Ou uma atitude sensata, segundo o Brizola Neto. Mas a principal razão desse recuo é que as bancadas religiosas tem poder e pressionaram. O poder deles é um fato. Mesmo que tenhamos um Estado laico, não se pode subestimar o poder eleitoral e político desse pessoal. Esse é o fator determinante, a força eleitoral da bancada religiosa, não o Palocci. Se não fosse o ministro, usariam qualquer outro artifício. Não é uma questão de afronta ao laicicismo, e sim uma demonstração de poder, nada espiritual, concretíssimo, por parte dos carolas. Eu antipatizo profundamente com a bancada religiosa, mas sei que a luta política contra eles é um jogo de xadrez tão complicado como a política internacional. Tudo é difícil, irmão.
Dilma tem uma relação delicada com o mundo religioso, como bem vimos nas eleições. As igrejas se posicionaram duramente contra a sua candidatura, tanto a católica quanto a evangélica, as duas maiores do país. Ela está ainda está matutando como vai resolver esse problema, que não é só dela, é um problema da esquerda laica, representada pela Dilma, com as igrejas, reacionárias por natureza. Em 2014 teremos outra eleição, e ela tem de pensar nisso desde já, para não abrir espaço para um salvador da pátria, com benção do papa, entregar a tocha olímpica aos carolas da direita. Não esqueçamos que, na véspera do pleito, bispos católicos conseguiram arrancar do papa uma declaração pró-Serra… Os boatos sobre demônio, imposição de ideologia gay nas escolas, etc, foram muito pesados. Dilma sabe que tem de olhar isso com cuidado para não atrapalhar, no médio e longo prazo, a própria luta do movimento homossexual.

Lula não tinha problema com religião porque sempre viveu rodeado de padres, freis e bispos. O PT do Lula sempre esteve bem amparado pelas igrejas, tanto que o próprio governo Lula avançou bem pouco, em oito anos, nessa questão. Como querem que Dilma, depois de tudo que passou, vença a bancada religiosa em apenas cinco meses!

Tenho confiança, contudo, que venceremos todos esses obscurantistas. Não sou e nunca serei um derrotista. Não vou choramingar pelos cantos ao primeiro revés. A história e a razão está do nosso lado. Há pouco tempo queimávamos mulheres vivas na fogueira e tentávamos curar homossexuais com torturas escabrosas. Avançamos um pouco desde então.

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