quinta-feira, 24 de novembro de 2011

quando os dois editoriais estão certos e procuram informar com suas reportagens... é possível fazer jornalismo


Dois editoriais: 1) O Instituto Ronaldinho já nasceu errado e 2) Quando todos têm razão e ninguém está certo

SUL 21

O Instituto Ronaldinho já nasceu errado

A polêmica envolvendo o Instituto Ronaldinho Gaúcho e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre ainda vai render “muito pano pra manga”. Mesmo que não se consigam as assinaturas suficientes para instalar a CPI na Câmara Municipal para investigá-lo, o Ministério Público o investigará, muito provavelmente, já que o montante de verbas públicas que lhe foi repassado é vultoso e as prestações de contas são suspeitas.

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Mais uma vez, a repetir o que se vem afirmando neste espaço, sempre que se retoma a discussão sobre a atuação das ONGs, a questão central não é a da atuação de uma ONG em especial ou o desempenho de um convênio em particular. O que se deve discutir é o modelo de repasse de recursos públicos e de transferência de responsabilidades do poder público para a iniciativa privada ou, mais precisamente, para o chamado terceiro setor da economia.

O crescimento das demandas de servidos públicos, nas áreas de educação e saúde, principalmente, com a expansão da população com acesso às escolas públicas e ao atendimento pelo SUS, levou à necessidade de uma rápida e ampla expansão da rede de serviços que, na verdade, o Estado (em qualquer de seus níveis, tanto no federal, no estadual e no municipal) não estava capacitado a prestar.

Para sanar a deficiência do Estado e de sua capacidade de expansão e também para satisfazer a ideologia dominante no mesmo período (1970/1990), que afirmava que o Estado deveria se limitar aos serviços essenciais transferindo todos os demais para as esferas não públicas, foram criadas e valorizadas as Organizações Não Governamentais (ONGs), as Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OCIPS) e as Organizações Sociais (OS).

Acontece que, se é verdade que o Estado não está capacitado para prestar os serviços públicos necessários, é também verdade que ele não está capacitado para encomendar e fiscalizar os serviços que ele transfere às organizações do terceiro setor. Nesta condição, ao terceirizar serviços e transferir recursos para o “terceiro setor”, o Estado abriu uma enorme brecha por meio da qual empresários e governantes mal intencionados passaram a atuar lesando o Estado e a população.

Sem que se pré julgue aqui o Instituto Ronaldinho Gaúcho e suas atividades, o fato é que sua existência está colocada sob suspeita desde sua criação. A história da elaboração do projeto que o criou encontra-se envolta em brumas até hoje. Circula nos bastidores, é que ele foi elaborado inicialmente por uma equipe de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas foi divulgado sob a chancela de uma universidade privada do mesmo estado, em uma versão mitigada, sem que os créditos fossem concedidos e sem que o trabalho de sua elaboração fosse pago aos seus primeiros elaboradores.

Talvez tenha sentido a dúvida do conselheiro do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense que assistiu, impotente, às contendas envolvendo Ronaldinha Gaúcho, seu irmão Assis e aquele clube de futebol: “Se Assis conseguiu enrolar o próprio Berlusconi, o que ele não será capaz de fazer”? No caso presente, que envolve o Instituto Ronaldinho, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e até mesmo o Ministério da Justiça, que transferiu verbas à PMPA com a condicionante de que a execução do convênio fosse confiada ao Instituto, talvez o mais correto fosse indagar com quem esteve o erro: com Ronaldinho e Assis, com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e suas secretariais, com os Ministérios federais ou no próprio modelo utilizado?

Ao que tudo indica, independente da punição dos eventuais culpados pelo mau uso das verbas públicas, o mais correto seria a revisão do modelo de contratação e de transferência de recursos públicos para entidades privadas e/ou do “terceiro setor”.

Caso Bourdignon: quando todos têm razão e ninguém está certo

O ex-prefeito de Gravataí e atual deputado estadual Daniel Bourdignon teve os seus direitos políticos cassados por cinco anos na tarde da quarta-feira (23) pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Alega o TJ-RS, pelo o voto de dois dos três desembargadores que julgaram o processo, que ocorreu improbidade administrativa em 1.292 contratações ditas emergenciais durante os dois mandatos de prefeito exercidos por aquele político.

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– TJ-RS condena Bourdignon a perda de direitos políticos por cinco anos

Ocorre que as contratações estavam amparadas em lei municipal, submetida e aprovada pela Câmara de Vereadores daquele município. Além disso, o ex-prefeito já foi julgado e absolvido pelo mesmo ato, na esfera criminal, em ação submetida a órgão especial do Tribunal de Justiça do RS. Ressalte-se que são ações distintas e que, portanto, as decisões podem também ser distintas.

De acordo com os desembargadores que votaram pela condenação, entretanto, mesmo existindo concurso público e candidatos aptos para a nomeação, o então prefeito optou pela contratação/renovação direta de servidores, sem seleção pública e em favor de suas filiações político-partidárias. Segundo Bourdignon, no entanto, as nomeações emergenciais são normais no cotidiano de um município ou estado, uma vez que muitos servidores concursados tiram licenças temporárias, o que torna impossível a contratação de servidores concursados para estas substituições.

Nem o argumento das substituições para licenças nem o da aprovação de lei municipal serviu, entretanto, como justificativa para os desembargadores do TJ-RS. Segundo a manifestação de um deles, a improbidade pode ocorrer mesmo quando há lei autorizando os atos do Executivo municipal. Segundo sua declaração de voto, é amplamente conhecida a ascendência dos Executivos sobre os Legislativos, “onde, em nome da governabilidade, muitas vezes unem Deus e diabo e aprovam o que querem, como querem, quando querem”. Mais uma vez, portanto, percebe-se que o Poder Judiciário se posiciona acima dos demais poderes, se auto concedendo o direito de colocar os demais Poderes sob suspeita.

Ao fim e ao cabo, ao que tudo indica, no presente caso todos têm razão e todos estão equivocados. Não se trata de o Sul21 se auto-outorgar a infalibilidade de interpretação dos fatos, mas simplesmente de se perceber que o erro é sistêmico e não meramente pontual.

Ocorre, sim, de maneira geral, abuso do direito de contratação emergencial nas prefeituras e nos governos de todos os níveis, com a concessão de prioridades a candidatos alinhados com os governantes de turno. Existe sim, ao mesmo tempo, a necessidade de contratação emergencial e sem concurso de servidores para suprir vagas temporárias que, muitas vezes, se tornam quase permanentes. Estabelecem-se, sim, em inúmeras oportunidades, conluios entre poderes, com vistas à concessão de benefícios para apaniguados e o fortalecimento das forças políticas dominantes.

Mais do que a punição de eventuais culpados por práticas danosas ao bem público, o que se deve buscar, no entanto, é o aperfeiçoamento das instituições políticas e as regras de funcionamento dos serviços e órgãos públicos. Remendar falhas e punir transgressões é importante, mas o fundamental é a construção de um modelo de gestão pública e de funcionamento de serviços públicos que seja eficiente, possibilite transparência e proporcione bem estar coletivo.

Uma palavra final

Urge, pois, para buscar um caminho de superação dos males tratados nos dois editoriais acima, que se execute uma ampla e profunda reforma do Estado e dos serviços públicos, incluindo-se o próprio sistema Judiciário, modificando as bases de sua estrutura e as linhas gerais de seu funcionamento. Não se trata de diminuir o Estado ou de enfraquecê-lo, trata-se de torná-lo eficiente e de dotá-lo de melhores condições para servir à população.

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