sábado, 26 de novembro de 2011

Porto Alegre: seus lugares e calçadas


Um lugar de Porto Alegre: cultura e samba no terreiro do Odomode



Foto: Rafael Rodrigues Dezesseis

Marco Ribeiro e Naná Baptista
Especial para o Sul21

Muito além da Cidade Baixa e das calçadas do bairro Moinhos de Vento, na Av. Ipiranga do bairro Petrópolis também faz-se cultura. Existe lá o Odomodê, um Instituto Sociocultural, também conhecido como AfroSul. Lá aos domingos o portoalegrense consome cultura e samba no terreiro que durante a semana é palco de um ambiente familiar, congregador de educação, tecnologia e muita cultura que, juntos, constroem também a formação de crianças e jovens.

Tá certo que vivemos no país uma espécie de modismo em torno de centros culturais, grupos de inserção social, ONG´s, projetos e mais projetos. É certo, também, que muitos desses projetos são resistências heróicas de pessoas (empreendedores), que realmente buscam espaço para acomodar utopias e ações para melhorar seu espaço (bairro, cidade etc). De alguma forma, isso resume o Odomodê. Difundir e preservar sua cultura afro-brasileira tão excluída dos cadernos escolares e das práticas culturais da cidade.

Dessa vontade de fazer cultura (música, dança) e também educar (pesquisar, compreender) é que nasce o Afro-Sul. Um grupo de jovens que se encontra pra fazer música e dança. A música e a dança juntas procuram suas bases, estudos que logo encontram também a vontade política. Quando a sociedade civil, o povo, se organiza e compartilha necessidades automaticamente se faz política social. E se existia ali uma comunidade carente de entender e buscar sua própria cultura nasce o Afro-Sul.

Desde 1974 juntos, com sua história emaranhada à comunidade que os rodeia, onde o que antes era a Escola de Samba Garotos da Orgia, o Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomodê constrói raízes, faz cultura e abriga uma comunidade em torno de um sólido Ponto de Cultura. Bem como mirabolou Gilberto Gil, enquanto Ministro da Cultura, o Odomodê é hoje um centro aglomerador de culturas (no plural mesmo!) e trabalhos sociais – uma espécie de do-inestimulador da percepção de um povo.

Em meio aos prédios residenciais classe-média, uma vila jazia quase-esquecida e hoje, em boa parte, se organizou pela força do trabalho realizado ali no terreiro. Seus eventos culturais, ao longo da semana, envolvem oficina de construção de instrumentos, aprendizagem de danças, percussão, cordas, tecnologia, cultura africana e negro-brasileira. As crianças encontram um espaço para resgatar a cidadania fora dos espaços destinados à “população periférica”.

Por isso, o Odomodê transcende a si mesmo, ressignifica valores e gera um sincretismo pouco comum por aqui. O que faz deste espaço ímpar é concentrar pessoas de diferentes classes sociais, etnias, educação e formação humana. As tribos bem definidas e homogêneas, características de nossa cidade, dão lugar a um bloco maior de pessoas que percebem outros olhares, outras cores, outros bairros. Concentrados no Odomodê, as pessoas vão se (re)conhecendo e ultrapassando os limites territoriais e sociais – ampliando-os.

Ao longo dos muitos anos de atividade, todo domingo nos surgem os recém-chegados. Surpresas em encontrar um terreiro simples de chão de cimento queimado em plena Ipiranga, próximo aos bairros arborizados e confortáveis de Petrópolis. É também divertida a surpresa da roda de samba tradicional do Central do Samba, que já acontece há quatro anos aos domingos. Maracatu, Candombe, Forró e tantas outras manifestações “ausentes” na cidade. Ali tem e, mesmo que não parece, a maioria das pessoas que moram duas ou três quadras dali nem sabem disso.

Foi através da janela do Domingo que conhecemos aquele espaço que vive também durante a semana. Aliás, o domingo existe pra que a semana inteira sobreviva. Claro que um lugar que é reduto do samba gaúcho e das pesquisas de africanidades, que é um centro cultural, talvez até mais que político, a congregação no final de semana se faz fundamental (!), mas pra se envolver muito mais da comunidade, pra que essa também ocupe os espaços de cultura, se faz fundamental também educação. E é aí que vive a graça do Odomode.

O esforço para manter o espaço num ponto tão disputado por construtoras é um teste ainda maior para seus coordenadores. O Odomodê pertence ao espaço de forma intrínseca. Existe uma relação espaço-ação que não pode ser simplesmente desconectado. E a velha política de jogar os empreendimentos culturais populares para os bairros mais afastados – numa cidade que o não faltam são museus e centros de cultura em prédios grandes e luxuosos nas regiões mais centralizadas. Trata-se, justamente, de descaracterizar o Odomodê em seu grande legado social: sincretismo. E, como já faz parte da nossa história, afastar os diversos sem se dar conta do grande poder que possuem unidos.


Ubuntu from Naná Baptista on Vimeo.



Naná Baptista: Quando comecei a frequentar o Odomode fui pelos domingos, pelo samba. Quando descobri ali o documentário já sabia dos maracatus, e fugia dele (minha paixão!), mas descobri também a Tutucutá. Foi numa oficina da batucada é que me encantei pelo “projeto Odomode”, foi também nas conversas com Iara e Paulinho em busca de saber mais que meus olhos brilharam ao estar em Porto Alegre, foi nos domingos, naquelas horas pré-Central do Samba enquanto eu me aventurava nas aulas de gafieira que conheci o Sapo, foi no arrastão pela Cidade Baixa com a Turucutá que conheci a história do samba porto-alegrense, foi filmando que descobri o samba de Paulo Romeu e vi que contra o poder da opressão Zumbi também são eles, construindo essa Nação, nele descobri também a beleza da molecada aprendendo um pouco de batucada, e nos ensaios para o Carnaval vi que tocam mais que qualquer marmanjo. Que a cultura pulsa ali, enquanto eu sambava no salão e percebia nas paredes um pouco do quê as crianças aprendem ali, de cidadania, de segunda à sexta.

Descobri que o Odomode é mais que o samba e a festa no domingo. Descobri o quê é o Instituto Cultural Afro-Sul. Descobri que aquele lugar tem história, e mais que isso, uma história que invade as ruas da cidade gaúcha e que adentra a casa das pessoas. Descobri uma família. Imensa!

Naná Baptista é cineasta, formada pela Unisinos. Hoje está de volta a Brasília, onde os bares encerram às 2 da matina e a vida cultural luta em ruas sem esquinas. Quando em Porto Alegre dirigiu Ubuntu, Documentário sobre o Afrosul Odomodê. Um um olhar debruçado num berço do samba e da cultura afro-brasileira em Porto Alegre.


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Marco Ribeiro é um curioso pelas coisas da cidade e ainda se espanta com novidades.

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