Cais Mauá e a “pacificação” do Rio Grande
Nov 28th, 2011 by Marco Aurélio Weissheimer no RS Urgente
Por Paulo Muzell
Na sua curta história o Rio Grande se caracterizou como um estado conservador. De um conservadorismo dual, marcado por uma constante luta entre os conservadores e os muito conservadores. Maragatos versus chimangos, liberais versus republicanos.
A ocupação do espaço econômico ocorreu desde os primórdios basicamente através da grande propriedade da pecuária extensiva, de baixo investimento e produtividade e modestíssimos salários. Altamente concentradora de renda. O exercício do poder político resultou sempre da disputa entre os grandes fazendeiros e os representantes do poder estatal, urbano, representando os interesses do poder central, num primeiro momento monárquico e português, mais tarde republicano. A proclamação da República, final do século XIX, marca o início de uma nova era, cuja hegemonia é exercida pelo eixo São Paulo-Minas. É o período da política “café com leite” da república velha. A revolução de trinta marca o início de uma etapa modernizadora, de caráter nacionalista-desenvolvimentista da era Vargas-JK, que assusta os conservadores e desemboca na ditadura de 1964.
A grande novidade do cenário político brasileiro e gaúcho é o surgimento do PT, nos final dos anos setenta, nos estertores do período militar. Surge e cresce rapidamente um novo partido que nasce da mobilização dos setores populares, com apoio dos trabalhadores, estudantes e intelectuais de esquerda. Em 1988 o PT elege Olívio prefeito e inicia um bem sucedido ciclo de 16 anos em Porto Alegre, encerrado em 2004.
O crescimento do PT e o avanço de algumas de suas propostas provoca forte reação dos setores conservadores do estado. Capitaneados pelo seu principal partido – a RBS -, organiza-se um verdadeiro “cerco e caça” ao partido, rotulado de forma repetitiva e à exaustão de radical, divisionista, pregador da violência, uma real ameaça à democracia. A clara mensagem era: o PT divide e um estado dividido não pode prosperar. Essa campanha atingiu o seu auge no governo Olívio Dutra (1999/2002).
Terminado o governo Olivio, o PT só volta ao governo do estado em 2011, oito anos depois. O inevitável “inchaço” e os desafios da governabilidade, vão aos poucos mudando o partido. Os “tempos heróicos” passam a ser coisa do passado, propostas de mudança mais radicais são deixadas de lado. Escândalos e denúncias de corrupção envolvendo seus militantes e dirigentes tornam-se cada vez mais freqüentes. Tivemos o “mensalão” e se sucederam depois inúmeros “mensalinhos”. Temos o que os donos do poder queriam: um PT desgastado, com menos força, mais “manso”.
Aqui no estado, a exemplo do que Lula e Dilma fizeram com sucesso, Tarso se elege no primeiro turno apoiado por uma ampla coalizão de partidos sem nenhuma unidade ideológica ou programática, uma verdadeira “sopa de letrinhas”. Lá na esfera federal deu certo: Lula e Dilma conseguiram avanços importantes viabilizados, principalmente, pelo bom desempenho recente da economia do país e pela existência de uma sólida situação fiscal: o superávit primário da União deverá este ano superar os 120 bilhões de reais.
Aqui neste nosso extremo sul o “furo é mais embaixo”. Tarso herda um estado com as finanças em frangalhos. Em vez de superávits, déficits. Pesado serviço da dívida, crescentes encargos previdenciários, precatórios a pagar, e uma forte pressão dos servidores que exigem aumentos reais de salários. Neste final de 2011 os professores deflagraram uma greve inviável porque reivindica o impossível, ou seja, o pagamento do piso nacional integral, já.
Num governo cheio de problemas, com grandes chances de não dar certo, Tarso faz uma opção que lhe convém, cometendo um grande equívoco. Decide, sem aprofundar qualquer avaliação, dar continuidade ao projeto “Cais Mauá”, um velho sonho dos interesses imobiliários e da construção civil, obviamente apoiado pelo seu braço midiático, a RBS.
Trata-se de um projeto que privatiza espaços públicos nobres – hoje subutilizados -, que sofre críticas de inúmeros urbanistas que afirmam que ele não tem qualquer identidade com a história da nossa cidade. E o pior: é questionada a própria licitação, suspeita porque permitiu que as empresas e os profissionais que elaboraram o estudo preliminar concorressem, com óbvias vantagens. Um “jogo de cartas marcadas”?
Uma idéia “ousada” – uso o termo porque é um dos preferidos do governador – que tem origem lá no governo Brito, que dormitou no sonolento governo Rigotto e que ganhou forte impulso no pirado (des)governo Yeda. Comprometida até o pescoço com o projeto, a então governadora assinou, ao “apagar das luzes” – ignorando o que um mínimo de prudência recomendaria – um contrato com o consórcio vencedor apesar de existir uma ação judicial que ameaçava torná-lo nulo.
Trata-se de um projeto megalômano – que prevê obras faraônicas em uma área inadequada – e de um contrato assimétrico, lesivo ao patrimônio e ao interesse público. Não foram definidas e tornadas públicas as contrapartidas do setor privado. Quem vai custear as grandes obras viárias necessárias para viabilizar a acessibilidade à área? Há projetos ou pelo menos estudos iniciais com previsão de custos? Qual a taxa de retorno do empreendimento considerando-se uma concessão inicial pelo prazo de vinte e cinco, renovável por igual período?
O projeto foi viabilizado por uma lei do governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati) que alterou radicalmente o regime urbanístico da área, aumentando alturas, taxas de ocupação, índices de aproveitamento e o zoneamento de uso. O projeto dividiu a bancada petista na Câmara. Disseram não ao projeto Maria Celeste, Sofia Cavedon e Carlos Todeschini. A favor votaram – como sempre – os integrantes da bancada “modernista-empreendedora-imobiliária” do PT: engenheiro Comassetto, Mauro Pinheiro e Aldacir Oliboni. O vereador Adeli Sell não votou, estava ausente. É estranho, por se tratar de um projeto importante e de um tema polêmico, que “rachou” a bancada municipal, que o governador não tenha tido o cuidado ouvir os vereadores do seu partido na cidade para pesar os argumentos do “pró e do contra”.
O partido hegemônico do estado, a RBS, solta foguetes, comemora a vitória. Utilizando generosos espaços a ZH exalta a importância histórica do megaprojeto para o futuro de Porto Alegre. Tarso é objeto de fartos elogios: surge, enfim o governante de larga visão, o pacificador, um político com postura de estadista que finalmente acaba com a absurda guerra que perdurava há décadas, promovida pelo raivoso PT de antanho, felizmente já sepultado.
É exaltado, também, o importante papel no episódio do seu jovem chefe da Casa Civil. Ele foi incansável na sua sagrada missão de convencer os empedernidos burocratas da Antaq lá na capital federal de desistirem da ação que impedia o início do projeto. Um verdadeiro “peregrino de Brasília” que com tenacidade e grande esforço conseguiu afastar a “enorme pedra” que atravancava a estrada, impedindo o avanço do progresso.
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