O culto ao isolamento e o diálogo do vazio
O primeiro programa de televisão dos candidatos ao governo gaúcho indicou uma tendência que pode ser um dos traços definidores da disputa eleitoral deste ano no Estado. Das três candidaturas apontadas como favoritas, apenas uma delas trata o Rio Grande do Sul, não como um país isolado, mas como uma unidade da Federação e uma região do mundo. Os programas de Yeda Crusius (PSDB) e de José Fogaça (PMDB) não fizeram referência à disputa nacional nem apontaram suas afinidades com os projetos nacionais em disputa. A governadora Yeda Crusius conseguiu a proeza de omitir completamente o nome do candidato do seu partido à presidência da República. Aliás, os sentimentos de aversão e antipatia entre José Serra e Yeda parecem ser recíprocos. Coerente com essa linha, o refrão do jingle de Yeda afirma: “Sou gaúcho, voto em Yeda”. Pronto. É isso. Quem é gaúcho vota na Yeda? Entenderam? Pouco importa. Não é para entender mesmo. Apresentando-se dissociada da agenda nacional de seu partido, a candidata Yeda parece um átomo pululando enlouquecido pelo mundo a bradar: “Déficit zero! Déficit Zero! Quem é gaúcho vota em mim”. Qual a relação do Rio Grande do Sul com a disputa que ocorre no país? Nenhuma, segundo o programa de Yeda.
Já o primeiro programa do PMDB não chegou a ser uma surpresa. O ex-prefeito de Porto Alegre tinha avisado que iria exercer energicamente a imparcialidade ativa. E Fogaça cumpriu a promessa. Não é de ninguém e é de todo mundo. Não é Serra nem Dilma muito pelo contrário. O PMDB é governo em toda a parte. Na prefeitura de Porto Alegre, no governo do Estado e no governo Federal. O vice de Dilma é do partido. Como o programa de Fogaça lida com isso? Não lida. Está em tudo e não é nada, o que é, aliás, uma boa definição de vazio. Fogaça apresenta-se como o candidato capaz de unir e dialogar com todas as forças. Uma pretensão nada modesta. O problema é que o postulante apresenta-se para o diálogo sem identidade, sem cara própria. Fogaça e seu partido estão no governo Yeda e não tem nada a dizer á população sobre este governo do qual fazem parte. Fogaça e o PMDB estão no governo Lula e também não tem nada a dizer sobre isso. Fogaça diz que vai dialogar com todo mundo, que vai unir. Poderia começar esse diálogo apresentando suas escolhas políticas recentes e assumindo suas responsabilidades por elas. Partindo de um centro vazio e de uma promessa abstrata de diálogo perpétuo, esse tipo de discurso é omisso e desleal para com seus parceiros nos governos dos quais participa. Qual a opinião de Fogaça sobre Serra? E sobre Dilma? E sobre Yeda? Nenhuma. Silêncio. Vazio.
Numa tentativa meio tacanha de preencher esse vazio, o discurso inaugural do programa de Fogaça faz as tradicionais referências à história do Rio Grande do Sul, à Revolução Farroupilha e a nomes como Jango, Brizola, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães. É sintomático que não haja nenhum político vivo nesta lista. Prejudicaria o diálogo, decerto. Assim como o programa de Yeda, o de Fogaça não estabelece qualquer relação entre a situação do Estado e do país. E tome Revolução Farroupilha e tradição para asfaltar a estrada do diálogo. A opção do PMDB pela imparcialidade ativa de Fogaça pode custar caro ao partido. Com todos os problemas que carrega e uma altíssima taxa de rejeição, Yeda ao menos afirma algo sobre seu próprio governo. Fogaça não afirma nada sobre nada. Não se compromete e não assume responsabilidade alguma pelas suas escolhas políticas e as de seu partido.
As opções dos marqueteiros e coordenadores de campanha de Yeda e Fogaça acabaram fortalecendo o sentido do slogan escolhido pela candidatura Tarso Genro, “Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo”. Inovando em relação ao discurso tradicional do “ah, eu sou gaúcho!”, o programa convida o Estado a se abrir para o Brasil e para o mundo. O Rio Grande do Sul já fez isso algumas vezes, sempre com bons resultados para todos. A última delas foi a experiência do Fórum Social Mundial que encantou a cidade de Porto Alegre e a população do Estado. O Rio Grande do Sul é um maravilhoso lugar para se viver, é verdade. Mas não é o único e não está sozinho no mundo. Um pouco dos ares do Brasil, de Pernambuco, de Minas Gerais, da Bahia, de Santa Catarina, apenas para citar alguns Estados, farão muito bem ao povo farroupilha. E da Argentina, do Uruguai, da Bolívia, da Colômbia…Pode parecer uma trivialidade, mas diante do culto do isolamento e da dissociação em relação ao resto do país, que aparece nos discursos de seus principais adversários, adquire um renovado sentido.
Sentido este que é fortalecido também pela postura de afirmar claramente sua posição no debate nacional. Apóia, participa e tem orgulho do governo Lula e do apoio recebido pelo presidente. Goste-se ou não do governo Lula, ninguém poderá dizer que não sabe qual é a posição de Tarso Genro sobre ele. Deve ser incômodo para os partidários do PSDB ver o programa eleitoral de sua candidata ao governo do Estado escondendo seu candidato à presidência. E omitindo qualquer consideração sobre a relação do Rio Grande do Sul com o Brasil no debate eleitoral. Já os militantes do PMDB terão que canalizar suas energias na imparcialidade ativa de Fogaça. Nem sim, nem não. Muito antes pelo contrário.
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