O avanço das parcerias e das terceirizações
As políticas neoliberais dos anos setenta, oitenta e noventa resultaram em crescimento próximo de zero, desemprego, redução de salários, aumento das desigualdades, desmonte do Estado, retrocesso na área previdenciária e na prestação de serviços públicos essenciais, especialmente nas áreas da educação e da saúde. Aqui no Brasil penamos oito anos de FHC – de 1995 a 2002 -, com certeza, um dos piores governos da história da República. A redução do excedente econômico – entenda-se lucros do setor privado – foi compensado pelo ataque ao patrimônio público. Centenas de bilhões de reais do patrimônio da União e dos Estados, amealhados ao longo de décadas e décadas foram “saqueados”: empresas de telefonia e telecomunicações, bancos públicos estaduais e a Vale, para citar apenas os exemplos mais relevantes, transferidos a preço de banana para mãos privadas. Em 2003, quando Lula assumiu e deu um basta no processo das privatizações já estavam na mira dos predadores as “jóias da coroa”: o Banco do Brasil e a Petrobras.
Dar um basta na sangria das privatizações foi, sem qualquer dúvida, um inequívoco avanço. Mas é verdade, também, que a presença dos interesses e das empresas privadas na área pública persiste e continuou aumentando. É que essa relação cada vez mais estreita, essa união nem sempre legítima, muitas vezes espúria e lesiva ao interesse público tornou-se mais sorrateira e sutil, intensificando-se via aumento dos contratos de prestação de serviços, das parcerias público-privadas (PPPs) e das concessões de serviços públicos.
Dois argumentos são repetidos à exaustão para justificar e defender o avanço da presença privada na esfera pública.
Primeiro é a falta de recursos públicos para investimentos. O argumento pode ser válido para o nosso governo estadual, que, apesar da recuperação iniciada no governo Olívio (1999/2002), tem suas finanças seriamente comprometidas pelo elevado déficit previdenciário e pelo pagamento dos pesados encargos da dívida pública (recordem 1998, a malfadada renegociação do final do governo Britto). Já no governo federal o PAC está aí, a todo vapor, provando o contrário: nunca se viu tanta obra e investimento público na história deste país. A Prefeitura de Porto Alegre vende a versão que sobram recursos e, paradoxalmente, reduz ano a ano a taxa de investimento, as obras na cidade. É que o governo Fo-Fo descuida-se da elaboração de projetos e tem na baixíssima capacidade gerencial uma espécie de marca registrada.
O segundo argumento, também freqüentemente repetido, é de que a burocracia pública é ineficiente, não dá resposta adequada às crescentes demandas por obras e serviços públicos. Ora, temos aí o velho truque da direita: não faz concursos para renovar os quadros, descuida-se do treinamento dos servidores, só dá aumento para minorias e não investe no reequipamento e na adoção de novas tecnologias que aumentem a produtividade do trabalho. O desmonte e a conseqüente resposta insuficiente passam a justificar a contratação de serviços privados, as parcerias e as concessões.
No cenário federal freqüentemente se ouvem vozes defendendo as parcerias público-privadas, especialmente na área do saneamento, o que é um verdadeiro absurdo. Pensar esta área essencial entregue à lógica do mercado, o controle dos recursos hídricos e a produção e a distribuição da água tratada objeto de lucro é um contra-senso. Aqui no Rio Grande, depois da desastrada venda da CRT, sofremos até agora com o pagamento de extorsivos pedágios, mais uma herança do governo Britto, que assinou contratos de concessão por prazos longos garantindo taxas internas de retorno superiores a 25%!
Na Prefeitura o desmonte avançou celeremente no governo Fo-Fo: o SIMPA reclama de perdas passadas solenemente ignoradas por um governo que repetidamente anuncia superávtis e que, ao mesmo tempo, concede generosos aumentos para a turma da casa (os cedidos e a “cecezada”), para os fazendários e procuradores, a turma lá de cima. Já o operário recebe um básico abaixo do salário mínimo nacional. Não há treinamento adequado e a contratação de serviços de terceiros avança rapidamente. De 2004 a 2009 (o último balanço) o gasto com terceirização cresceu 150 milhões por ano. Em 2010 a previsão é gastar com serviços oitenta milhões a mais do que no ano passado, o que elevará o nível de gastos este ano acima dos 27% da despesa total; em termos absolutos deverão ser gastos 200 milhões a mais do que se gastava em 2004.
No DMAE elaborou-se um plano de carreira na linha do PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade, marca GERDAU) e o seu diretor-geral justifica o avanço da terceirização como decorrente da insuficiente resposta dos funcionários de sua autarquia no atendimento das demandas por serviços; na SMIC depois do episódio Camelódromo – um negócio no mínimo “estranho” -, discute-se um absurdo projeto de “modernização e privatização” do viaduto Otávio Rocha, pasmem!! O gasto com a contratação de serviços de terceiros no DMAE já corresponde a 80% do pagamento dos servidores (despesas fixas, variáveis e encargos sociais); no DMLU já representa 170% da folha de pessoal; na Secretaria da Cultura há cerca de dois anos foi assinado um contrato com uma empresa que privatizará o auditório Araújo Viana.
Para que se tenha uma idéia do avanço dos serviços de terceiros na Prefeitura de Porto Alegre vamos referir um dado de balanço municipal. Vinte anos atrás, em 1989, a despesa com serviços contratados a terceiros representava 24% do valor da despesa de pessoal; no ano passado esta participação já atingiu 64% da folha, quase três vezes mais! Em valores absolutos, em reais, são despendidos hoje, por ano, 500 milhões a mais do que gastava em 1989!
Temos que diminuir a contratação de serviços de terceiros, reestruturando e aperfeiçoando o nosso serviço público com a maior urgência possível; combater e terminar com a lenda – amplamente difundida – que há funcionários públicos demais. Com a sua costumeira lucidez, em recente entrevista à revista Carta Capital, o cineasta Jorge Furtado, dentre as dez sugestões que deu para melhorar o país, além de lembrar e recomendar a leitura e releitura de Guimarães Rosa, destacou a necessidade de termos mais servidores públicos – bem treinados e pagos –, especialmente nas áreas da saúde, educação e segurança pública.
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