Eleição de Dilma é a maior vitória do lulismo no Brasil
Paulo Cezar da Rosa*
Dilma venceu. Lula venceu. Depois do primeiro trabalhador, temos a primeira mulher na presidência do Brasil. Não foi uma vitória fácil
Fazer um balanço de uma campanha eleitoral ainda no calor dos acontecimentos é tarefa arriscada. Mas vamos ao desafio proposto por nosso editor.
Nova hegemonia – Estamos vivendo os primeiros dias de uma nova hegemonia no Brasil. Como dizia aquela música do Roberto e do Erasmo, “daqui pra frente, tudo vai ser diferente”. Agora, o Brasil tem um novo projeto de nação, capaz de ofertar oportunidades a todos os brasileiros. Daqui pra frente, crescimento econômico e justiça social não serão mais antagônicos, assim como sustentabilidade e desenvolvimento. O Brasil se lança no mundo moderno como um país capaz de enfrentar os desafios do mundo globalizado. Não é pouca coisa!
Tenho lido e ouvido muitas críticas ao nível dos debates nesta eleição. Posso concordar com algumas, mas em geral estou em desacordo. Penso que esta eleição teve o melhor e mais transparente debate político de todos. Acompanho eleições desde 1982. Esta foi a primeira em que os projetos foram explicitados. O argumento de que os debates não trataram das questões importantes, em geral é daqueles que não conseguiram pautar os rumos da campanha. Agora tentam desqualificar a decisão do eleitor, dizer que o voto foi no marketing e não na política.
Penso que ocorreu justamente o contrário. Pode não ter sido um debate muito aprofundado, mas foi o mais elevado possível dentro da nossa realidade. O eleitor, em 2010, votou consciente.
A direita no Brasil, em campanha eleitoral, sempre apresentou um discurso de centro-esquerda. Quando isso é possível, os debates eleitorais sempre são “muito bons”. Atendem, formalmente, os anseios do eleitor, que deseja uma política séria, comprometida com a justiça social, com o desenvolvimento e a democracia. O último debate na rede Globo é o maior exemplo disso. As diferenças entre Dilma e Serra se diluíram. Os dois apareceram como políticos esforçados, candidatos a fazer o melhor pelo Brasil e pelos brasileiros.
Entretanto, a marca desta campanha não foi esta. Tivemos um franco combate entre o lulismo e a direita brasileira. Uma guerra. Pela primeira vez, desde 1989, a direita apresentou-se aos eleitores brasileiros com sua própria cara, com seus preconceitos e propostas obscurantistas. E o lulismo, ao inverso, pôde se apresentar como realizador, como um sujeito político capaz de “seguir mudando”.
A guerra eleitoral – Uma campanha eleitoral é sempre uma guerra. O campo de batalha é a mente do eleitor. Até estas eleições, o discurso de “centro-esquerda” da direita obedecia à máxima do conservadorismo brasileiro: o poder se toma com a mão esquerda (frágil), e se exerce com a mão direita (forte). Em campanha, a direita sempre se apresentou com preocupação social, ao lado dos mais pobres, defensora de suas demandas mais importantes. Em 2010, Serra bem que tentou, fazendo propostas mirabolantes para o salário mínimo, a previdência, o Bolsa Família. Tentou, mas não conseguiu.
Nesta eleição, ao bancar a lógica plebiscitária, Lula conseguiu inverter a mão. O discurso de centro esquerda, que sempre foi ferramenta da direita em campanha, tornou-se instrumento do lulismo. Temendo ser invadida em seus espaços de atuação e apoio eleitoral (o que já vinha ocorrendo com os mais de 80% de aprovação de Lula), a direita se viu obrigada a, pela primeira vez, defender-se em seu próprio terreno. O terreno do preconceito. Do conservadorismo. Da “ética”. Da religiosidade e da hipocrisia na questão do aborto.
O posicionamento multipolar de Serra tem origem nesta mudança estrutural na correlação de forças no Brasil. Serra amanhecia Opus Dei e dormia apoiando o que o “Lula tem de bom”. Iniciava o dia com um discurso do DEM e terminava a noite com “Serra é do bem”. Ao longo do dia apresentava “mil caras” entre a extrema-direita e a centro-esquerda.
A campanha Dilma – Não tenho ideia de quem foi a condução da campanha no dia a dia. Gerenciar uma campanha presidencial é sempre uma tarefa muito complexa. Mas se foi João Santana o condutor do marketing, parabéns!
Na passagem para o segundo turno tecemos algumas considerações sobre a necessidade de introduzir mudanças na campanha. Grosso modo, todas as medidas que conseguimos vislumbrar naquele momento foram implementadas. E o ataque reacionário usando a Igreja -até o Papa foi mobilizado- foi contornado com maestria pelo marketing de Dilma.
Foi uma campanha conduzida com firmeza e tranquilidade. O eleitor votou sabendo o que pode esperar de Dilma. E isso, numa eleição, é sempre o mais importante. Quando o candidato estabelece uma conexão sólida com o eleitor, baseada na verdade, não há desconstrução de imagem que funcione. Dilma, há cerca de dois anos, não era ninguém do ponto de vista eleitoral. Hoje, é tudo.
O papel da velha mídia – Tratando das eleições gaúchas há cerca de um ano, afirmei que estas seriam as eleições mais livres que já tivemos porque a mídia estava perdendo o controle da opinião pública e, principalmente, já não controla os setores emergentes na sociedade brasileira.
De fato, foi isso o que ocorreu. O episódio da bolinha de papel, que a campanha Serra tentou utilizar para inverter a tendência de derrota que já se apresentava, foi exemplar nesse sentido. Fossem outros os tempos, a versão apresentada pela rede Globo se afirmaria como verdadeira. E os rumos do processo poderiam ter sido alterados.
A mídia velha acabou por fazer um triste papel nestas eleições, o de dar guarida para o terrorismo midiático-ideológico que a campanha Serra desencadeou ao ver suas cidadelas ameaçadas. Mas seu papel acabou por ser menor. A tal ponto que agora, passadas as eleições, chega a ser ridículo assistir os comentaristas políticos da Globo News acusando Lula de ter feito campanha.
Quando ficou evidente a ineficácia da velha mídia, a direita foi obrigada a apelar para outras ferramentas. Foi por não conseguir reverter as tendências com o “simples” apoio dos jornalões e da Globo que a campanha Serra apelou para o telemarketing, a panfletaria apócrifa, os vídeos terroristas na internet.
A internet e o futuro – Sou de uma geração que apostou na luta política e na disputa do poder através do voto. A geração anterior a minha pensava a luta com outros métodos, adequados (ou não) para seu momento histórico. Herdeiros desta experiência, apostamos no convencimento, no argumento, na solidariedade, no voto, na democracia.
No início desta eleição, o efeito que a vitória de Obama trouxe sobre o potencial eleitoral da internet criou muitas ilusões a respeito deste meio de comunicação. Embalados pelo exemplo americano, feito “happy monkeys”, os candidatos gastaram muito dinheiro para, no final das contas, produzir spam.
A internet cumpriu um grande papel, mas não da forma que se pensava. Tudo por um motivo muito simples. Uma mensagem, para ser aceita, precisa ter credibilidade. Foram as publicações, os blogs e as pessoas com credibilidade, através do twitter e das redes sociais, que tiveram importância e influíram no curso dos acontecimentos.
Iniciativas como a do professor que gravou as imagens da Globo e as analisou, mostrando a manipulação, de um lado, e desta publicação, posicionando-se abertamente em favor de Dilma, desde o início do processo, fizeram a diferença nestas eleições.
A vitória deste domingo é a primeira grande vitória política do lulismo no Brasil. É pedra fundamental de uma nova hegemonia. Assim como o jornal e o rádio foram as ferramentas de comunicação da política de substituição das importações em meados do século passado e a televisão foi o instrumento de modernização autoritária da Ditadura Militar no final do século, hoje, a comunicação digital, a comunicação em rede, pode ajudar a construir o novo Brasil e consolidar essa nova hegemonia que está nascendo.
*Paulo Cezar da Rosa é jornalista e publicitário. Publicou o livro O Marketing e a Comunicação da Esquerda. É diretor da Veraz Comunicação e da Red Marketing, ambas sediadas em Porto Alegre. paulocezar@veraz.com.br
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