segunda-feira, 4 de julho de 2011

“grupos suicidas” no Japão

Limpeza de Fukushima nas costas dos trabalhadores

Carta Maior



Os altos índices de radiação dentro do recinto dificultam seriamente os esforços de recuperação, só permitindo o ingresso dos trabalhadores por períodos de 15 minutos. Funcionários começam a ser considerados símbolos da resistência nacional. Também é crescente popularidade dos chamados “grupos suicidas”, encabeçados pelo engenheiro aposentado Yasuteru Yamada e integrado por homens com mais de 60 anos dispostos a trabalhar na usina de Fukushina. Mais de 300 pessoas já se inscreveram nesses grupos.
 
 
Tóquio, Japão – Yushi Sato dedica-se a lavar automóveis, mas não qualquer um. Todos os dias, utiliza uma mangueira para limpar veículos contaminados pela radiação que escapa do complexo nuclear de Fukushima, danificado pelo terremoto e pelo posterior tsunami que atingiu o Nordeste do Japão no dia 11 de Março.

Há cinco anos, Sato é soldador em Fukushima, mas após o desastre deram-lhe a tarefa de lavar veículos da usina. “Lavamos cerca de 200 carros com índices de radiação acima do normal”, disse à IPS.

Sato, de 28 anos, usa roupa isolante e é submetido a exames diários para verificar a sua exposição à radiação, mas preocupa-se com as consequências para a sua saúde. No entanto, está decidido a continuar a trabalhar. “Os principais trabalhadores enfrentam piores riscos que eu, por isso procuro não pensar nisso”, acrescentou, referindo-se aos que consertam os reatores.

O controle mostra que Sato está exposto a 20 microsievert por dia, quase a mesma radiação emitida pelo aparelho de raio X e muito abaixo do limite considerado perigoso, de um milímetro, equivalente a 100 microsieverts. O sievert (Sv) mede a dose de radiação absorvida pela matéria viva. Um microsievert equivale a 0,000001 Sv.

Para numerosos analistas, trabalhadores como Sato representam o compromisso que têm nas suas costas os empregados da Tokyo Electric Power Company (Tepco) nos reatores de Fukushima, bem como noutras subsidiárias de empresa. Assumiram o dever de reparar a central danificada e deter a fuga da radiação. “Sofrem uma pressão mental e física enorme”, explicou o professor Takeshi Tanigawa, especialista em medicina social da Universidade de Ehime, também dedicado a defender as condições de trabalho dos empregados da Tepco em Fukushima.

As suas últimas pesquisas revelaram um alto grau de stress dos funcionários devido às duras condições de trabalho, com turnos de muitas horas e más condições de vida. Outros indicadores mostram o crescente sentimento de culpa pela contaminação dos moradores vizinhos à usina. “Os resultados dos exames que fiz levaram a Tepco a aliviar algumas das condições de trabalho e oferecer verdura fresca e melhores camas para que os empregados possam descansar bem durante a noite. Também há um médico de plantão para atendê-los”, acrescentou.

A difícil situação dos trabalhadores concentrou a atenção do público no último mês, e começaram a ser considerados símbolos da resistência nacional, por um lado, e prova da inconveniência do milagre econômico do pós-guerra, de outro.

O Ministério do Trabalho informou recentemente que 102 trabalhadores estiveram submetidos a uma radiação superior ao limite fixado pelo governo, mais de 250 milisieverts, o que motivou reclamações para tirá-los dos seus postos. A Tepco alega falta de pessoal. Atualmente conta com mais de dois mil funcionários a trabalhar nos reactores. Os altos índices de radiação dentro do recinto dificultam seriamente os esforços de recuperação, e só se permite o ingresso dos trabalhadores por períodos de 15 minutos.

A política de promover a energia nuclear é uma “doutrina”, afirmou o professor Katsuhiko Ishibashi, especialista em sismologia da Universidade de Kobe. “A alarmante situação de Fukushima revelou que todas as centrais nucleares do Japão estão construídas sobre falhas geológicas e é possível ocorrer outro grande acidente”, acrescentou. Outros especialistas referem-se às causas de raiz que originaram essa política, denunciando um sistema viciado baseado na colaboração entre burocratas, setor privado e dirigentes políticos que resistiram à política nacional nuclear.

“A construção de centrais atômicas foi considerada um fator do crescimento econômico do pós-guerra, um processo facilitado pelas elites poderosas que mais se beneficiaram dessa política. Aos demais só restou segui-la”, disse Shigeaki Koga, autor do livro “O colapso da administração central do Japão”. Fukushima deve permitir reformas e destacar a necessidade de o Japão promover uma competição saudável e transparente entre entidades independentes se o país pretende ser saudável e rico, disse Koga.

Os críticos reconhecem que a mudança não é fácil devido à crise política. As diferenças entre partidos políticos desembocaram em pedidos de renúncia do primeiro-ministro, Naoto Kan. O eleitorado está dividido entre querer um governo mais forte e as reclamações de uma grande reforma do sistema.

Enquanto isso, os voluntários redobram os seus esforços para resolver o problema nuclear. Um exemplo é a crescente popularidade dos chamados “grupos suicidas”, encabeçados pelo engenheiro aposentado Yasuteru Yamada e integrado por homens com mais de 60 anos dispostos a trabalhar na atribulada usina de Fukushina. Mais de 300 pessoas se inscreveram, disse Yamada à IPS. O grupo “está disposto a realizar qualquer trabalho, seja dentro da central contaminada ou limpando dejetos na área. Neste momento precisamos ajudar o país”, acrescentou.

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