Crianças palestinas são alvo de detenções ilegais e tortura em Israel
por Arturo Hartmann, em Ópera Mundi
Apesar de a legislação de Israel proibir a prisão de crianças e adolescentes, o país é alvo de constantes denúncias de organizações – palestinas e israelenses –, que acusam o exército de deter centenas de jovens. Em agosto de 2011, havia aproximadamente 201 crianças palestinas presas, incluindo 40 com menos de 16 anos nas prisões de Ofer, Meggido e Rimonim, de acordo com a Addameer (Organização de Apoio a Prisioneiros Palestinos).
A maior parte dessas crianças é julgada nas Cortes Juvenis Israelenses nos Territórios Ocupados da Palestina, principalmente pelo crime de arremesso de pedras, forma de resistência comum entre os palestinos. As cortes, que completam dois anos em novembro, foram criadas por uma Ordem Militar pelo Comandante Militar dos Territórios Palestinos Ocupados (tPo). Elas surgiram após críticas de movimentos israelenses com o tratamento dado a menores de idade pela Justiça Militar de Israel. Antes, os jovens eram tratados como adultos.
Organizações que analisam questões legais nos tPo publicaram nos meses de julho e agosto relatórios de balanço dos quase dois anos de atuação dessas Cortes. As conclusões são as piores possíveis. Relatório do DCI-Palestine (Defende for Children International) informa que, por ano, cerca de 700 crianças da Cisjordânia são processadas nas cortes militares israelenses depois de presas, interrogadas e detidas. “A estimativa de 2000 para cá é que cerca de 7.500 crianças foram detidas e processadas”, concluiu a entidade.
O crime mais comum é o arremesso de pedras. “Não vamos fingir que não é nada. Se uma pessoa estiver dirigindo a 80 quilômetros por hora em uma estrada e receber uma pedra no vidro dianteiro, pode sofrer um acidente e machucar-se. Mas é um crime político, não no sentido criminal civil. Uma das coisas que fazemos no relatório é diferenciar as pedras e os coquetéis molotov em soldados e colonos, pois isso não é feito em Tel Aviv ou em Haifa, é feito em ruas da Cisjordânia”, disse a advogada Neomi Lalo, do No Legal Frontiers (NLF), organização de advogados criada em 2009 para analisar o trabalho das cortes.
A ONG israelense B´tselem foi atrás de dados do distrito policial da Samaria e da Judeia (como o governo define a Cisjordânia). De 2005 a 2010, foram registrados entre 2,1 mil e três mil casos de lançamento de pedras. O Escritório Oficial do Exército de Israel registrou entre 3,6 mil e 4,3 mil episódios de violência contra civis (colonos), forças de segurança (presença militar nos tPo) e contra o muro que isola os palestinos na Cisjordânoa.
“O B´tselem tentou determinar o número de pessoas feridas pelo lançamento de pedras nestes anos. Todas as agências do governo israelense contatadas responderam que não tinham os dados pedidos”, informou a ONG. Os números fornecidos pelo exército incluem 835 menores processados na Justiça Militar por atirar pedras. Destes, 34 tinham 12 ou 13 anos; 255, 14 ou 15 e 546 tinham 16 ou 17 – a ONG ignorou um antiga lei que definia a maioridade acima dos 16 e incluiu dados de crianças com 16 e 17.
Laila Alawawde, dona de loja de roupas, ligada à Cooperativa das Mulheres de Hebron, contou que o filho passou pela corte. “Os israelenses o acusaram de atirar pedras. Ele ficou dois meses e dois dias preso, quando tinha apenas 15 anos. Ele saiu para comprar pão e estava no lugar errado na hora errada”, lamentou. “Na última sessão da corte, por haver tantos jornalistas, eles disseram ao meu filho: ‘Como responsável pela prisão, tenho o direito de matar três palestinos. Se abrir a boca, você será um desses três’”, denunciou.
Maus tratos
O relatório do B´tselem entrevistou 50 menores. Destes jovens, 30 disseram que foram retirados de suas casas no meio da noite e que seus pais não puderam acompanhá-los. Mais de 20 disseram que não puderam dormir, ir ao banheiro ou comer enquanto esperavam pelo interrogatório. Dezenove reclamaram de violências verbais e físicas durante o interrogatório na estação de polícia. Mais especificamente, cinco reclamaram de violência verbal, citando ameaças de ferimentos físicos, prisão prolongada e cancelamento da permissão de trabalho do pai em Israel – uma eficiente forma de controle, também utilizada para inibir manifestações políticas de adultos. Aqueles que foram submetidos a violência física “forneceram descrições sérias de tapas, surras, chutes e aplicações de pressão em várias partes do corpo”.
O jornal britânico The Independent publicou uma matéria no final de agosto em que revela cenas do interrogatório de uma criança. Leia a descrição da repórter:
“o menino, pequeno e frágil, está lutando para manter-se acordado. Sua cabeça pende para o lado, até que toca seu peito. ‘Levante a cabeça! Levante!’, grita um de seus interrogadores, dando-lhe um tapa. (…) Durante as quase seis horas de vídeo, Islam Tamimi, de 14 anos, cansado e com medo, é gradualmente quebrado até o ponto em que incrimina homens de sua vila e lhes oferece contos fantásticos que sabe que querem ouvir”.
Sahar Francis é diretora da Addameer, uma ONG palestina de Apoio a Prisioneiros dentro da Cisjordânia. Ela enxerga a prática de usar crianças como uma forma de perseguição política. “Com tortura e ameaças de torturas, os soldados facilmente conseguem confissões contra líderes ou ativistas da resistência ao Muro, à demolição de casas e à expansão dos assentamentos. E, no sistema legal israelense, conseguir uma confissão depois de tortura ou outros expedientes não a anula automaticamente. Esta é uma forma fácil de acusar ativistas e mandá-los para a cadeia”, explicou.
Neomi Lalo tem uma opinião pessoal a respeito dos motivos que levaram, após 42 anos desde 1967, à criação de cortes para crianças: “Depois da Operação Chumbo Fundido (bombardeio israelense sobre Gaza em 2009 que matou mais de 1,3 mil palestinos), houve muita pressão para levar Israel às Cortes Internacionais. Assim, Israel pode dizer: ‘mas, veja, nós fizemos as Cortes Juvenis’. O problema é que há uma Corte Juvenil, mas não há uma lei juvenil que possa ser aplicada.”
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