Leis complementares 609 e 666 e projeto 07/2012 representam fim do planejamento urbano em Porto Alegre
As áreas do município de Porto Alegre situadas nas imediações do Estádio Beira Rio foram cedidas ao Sport Club Internacional através de Concessão Real de Uso Onerosa. A lei não definiu prazos e, também, não fixou o valor que o Inter deveria pagar ao Município pelo uso de uma extensão de terras que vai do estádio até a rótula ponto de encontro das avenidas Padre Cacique e Edvaldo Pereira Paiva. Provenientes do aterro do Guaíba, essas áreas originalmente não possuíam regime urbanístico por serem espaços institucionais e de interesse cultural da orla. Em 2009 – trinta anos decorridos da inauguração do estádio – a Lei Complementar 609 definiu regimes urbanísticos das áreas a ele adjacentes, autorizando alturas de até 52 metros, ou seja, de 17 andares.
Aqui começa a estória “nada edificante”: numa faixa de terra que fica à beira do Guaíba, na extensão da continuidade do Parque Gigante, afetada como área verde, foi definido um regime que poderíamos classificar de “estranho”. Senão vejamos. O índice de aproveitamento fixado: 1. Traduzindo: num terreno de 1.000 metros quadrados é permitido construir até 1.000 m2, o equivalente à área disponível. Taxa de ocupação: 33,3%, ou seja, só pode ser edificado um terço da área disponível. Neste exemplo, poderíamos construir nos mil metros quadrados três andares de 333,3 m2, ou se optássemos por um maior número de andares, cada andar deveria ter área menor para que a área total edificada não exceda o limite dos mil metros quadrados.
Aí é que surge o problema: a lei fixou uma altura máxima de um pavimento! A questão é: por que fixar um índice de aproveitamento de 1 se só é possível construir um terço do terreno? Erro do Executivo na elaboração do projeto de lei, um descuido com a redação? Não! Como veremos a seguir, foi um mecanismo para gerar excedentes de índices que mais tarde pudessem ser vendidos pelo proprietário, o que só poderia acontecer na hipótese de que, no futuro, o Município viesse a “desapropriar” a área por interesse público, pré-condição para o exercício da “Transferência do Direito de Construir”. Resumindo: o Município tem amplos espaços verdes, de preservação, dá-lhe valor econômico ao conceder-lhe potencial construtivo, para mais tarde desapropriar e pagar para realizar obras viárias em áreas que originalmente eram suas, públicas.
Um ano depois, ao “apagar das luzes” de 2010, temos o segundo capítulo dessa da nossa triste “estória”. Foi proposta, aprovada e sancionada a Lei Complementar 666 (coincidência muito significativa!) que “franqueou a copa” para os “empreendedores”. A lei beneficia quem elaborar projetos de reforma, adequações ou ampliações de centros esportivos, clubes, centros comerciais, shopping centers, escolas, universidades e igrejas que forem protocolados até 31 de dezembro de 2012, concedendo-lhes “generosos aumentos de índices construtivos”. Índices de uma vez a área do terreno passaram a 1,5; índices de 1,3 elevados até 2; de 1,6, 1,9 e 2,4 para até três vezes a área do terreno. Vimos que de cada 1.000 metros quadrados de terreno do Beira Rio, já tínhamos uma “sobra de índices” de 666,6 m2. Pois a “lei do demo” (L.C. 666/2010) aumenta significativamente esta “reserva”, podendo até dobrá-la.
Mas quem pensou que o absurdo ia parar por aí estava completamente enganado. Também ao “apagar das luzes” da atual legislatura foi aprovado pela “bancada do concreto” da Câmara de Porto Alegre o projeto de lei Complementar 07/2012. Ao entrar em vigor a lei estabelecerá incentivo na forma de solo criado aos futuros proprietários expropriados e, também, autorizará o Município a colocar à venda seu estoque de índices de aproveitamento e solo criado, estabelecendo um ganho adicional (bônus) de 20% para os proprietários que aceitarem essa forma de pagamento – permuta de índices – num prazo máximo de trinta dias contados da data da primeira convocação.
Acontece que há previsão de duplicação das avenidas que cercam o Beira Rio, dentro do programa obras viárias da Copa 2014. Ora, vê-se que os 666,6 m2 de “sobra de índices” através da lei 666 foram mais que duplicados e sobre esta duplicação permite-se, ainda, incidir um novo adicional de 20%, o que praticamente triplica a nossa “reserva” original.
Resumindo: áreas verdes (parques) são transformadas em área com potencial construtivo e cedidas ao particular. Em seguida os índices são aumentados estratosfericamente. Depois, em caso de desapropriação – o privado voltar a ser público – o proprietário ganha do Município mais um “prêmio”, um adicional de mais 20% que se soma à sua já “gorda” reserva de índices.
Necessário que se faça uma observação final. O projeto que se encontra com Fortunati para sanção autoriza, também, a concessão do incentivo (bônus de 20%) para áreas a serem desapropriadas para implantação do BRT e do Metrô. Com os projetos finais de engenharia e arquitetura em fase de elaboração, se desconhece o traçado desses empreendimentos. Os benefícios estão sendo concedidos “no escuro”, sem que sejam avaliados seus efeitos sobre a vida da cidade. As leis complementares 609 e 666 e a sanção do projeto de lei 07/2012 representam o fim do planejamento urbano da cidade.
(*) Paulo Muzell é economista. Néia Uzon é arquiteta, agente fiscal da Receita aposentada da Prefeitura de Porto Alegre, coordenadora do Escritório de Desapropriações do projeto da Terceira Perimetral de 1997 a 2002.
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