terça-feira, 28 de outubro de 2014

agora eu entendi... eu tenho a síndrome de dona florinda


Por que o PT estragou com a sua vida, cidadão da classe média?



pablo / 3 days ago








Quando li esta frase estampada em uma figura no Facebook fiquei um tanto encucado.

Fiquei pensando, o quê desperta tanta rejeição nessas pessoas? afinal a vida delas realmente foi “estragada” pelo governo do PT?

Tenho muitas críticas ao governo atual. O pouco-caso com que trataram as reivindicações populares em Junho de 2013, a repressão na Copa, a falta de vontade politica para discutir assuntos como a dívida pública, democratização da mídia, taxação de grandes fortunas, descriminalização das drogas e do aborto, desmilitarização das policias e reforma prisional. Tudo isso me fez não votar em Dilma no primeiro turno.

Mas nenhuma dessas coisas parece importar para estas pessoas que menciono. Até porque elas nunca explicam muito bem de onde vem toda essa rejeição. Geralmente estas manifestações são emotivas e não vem acompanhadas de uma explicação. O “Fora PT” sai quase como um espasmo.

Seria a motivação a classe social?

Em geral a elite econômica do país possui uma aversão maior ao PT, pois o partido ainda encarna ideais de uma maior igualdade social para o país.

Mas falo da elite mesmo. Não falo de gente que come frango e arrota peru. Falo da seleta fatia de 1% da população que abocanha 17,2% de toda renda nacional.

Estas pessoas fazem de tudo para maximizar os ganhos de suas mega-empresas, fazendas, bancos e investimentos. E cá pra nós, nada mais natural que defendam os interesses de sua classe.

É interessante por exemplo que se propague aos quatro ventos que a inflação está nas alturas. Isto porque a elite financeira quer taxas de juros mais altas, para remunerar melhor os investimentos. Isto não é bom para a indústria e o povo em geral, pois o consumo cai. Mas é bom para os grandes capitalistas do mercado financeiro.

Banco central? quanto mais independência do governo eleito pelo povo melhor. Afinal de contas é o banco central que define as regras monetárias. É bom que a elite financeira (ou seus representantes) controle as regras monetárias para aumentar seus ganhos.

Para eles é interessante também que empresas públicas sejam vendidas para a iniciativa privada, desta forma podem expandir seus negócios para novos setores da economia e encontrar menor concorrência do Estado. Ai vale tudo, por exemplo induzir o governo eleito a sucatear empresas públicas e corromper agentes do Estado para vende-las a preço de banana.

Isto só para começar a conversa.

A questão é: a vida dessas pessoas que estão no topo da pirâmide social não piorou nos últimos 12 anos, muito pelo contrário. Nunca na história deste país os bancos privados lucraram tanto. O total de juros pagos pelo governo pela dívida pública aos grandes capitalistas é de 42% do orçamento do governo. E os grandes empresários, fazendeiros e investidores em geral estão ganhando muito dinheiro*, mesmo com a economia não crescendo tanto quanto gostariam.

Mas poderia ser muito melhor para eles. Esses 1% nunca estão e nunca estarão satisfeitos. E neste ponto as propostas de governo de Aécio Neves (PSDB) estão muito mais alinhadas com seus interesses.

Mas onde entram as pessoas com seu ódio antipetista nesta história?

Estas pessoas pertencem a classe média. Uma classe média que cresceu muito no Brasil nos últimos anos graças a uma politica de programas sociais (como a bolsa família), aumento do salário mínimo e redução do desemprego.

Muitas pessoas que entraram na classe média compraram o primeiro imóvel com financiamento de bancos públicos pelo Minha Casa Minha Vida, tiveram acesso ao ensino técnico pelo Pronatec e ao ensino superior através de cotas ou programas como o Prouni. Ou seja, foram beneficiados pelas politicas públicas do governo Petista.

Gosto de pensar no sistema de classes sociais como um condomínio de vários andares. Conforme sobe o andar, mais acesso a dinheiro, educação e cultura uma pessoa tem condições de ter.

Alguns dos habitantes antigos da classe média não gostaram dessas pessoas que chegaram “invadindo” seu andar. Estavam acostumados a fazer compras no Shopping sem aquela “tigrada” para fazer um rolézinho. Acostumados a estudar em universidades públicas sem disputar vagas com quem vem debaixo. Acostumados a frequentar aeroportos praticamente vazios, sem cruzar com o porteiro do prédio ou a empregada. Empregada que não tinha direitos trabalhistas assegurados. Além disso tiveram que começar a pagar um valor mais justo para aquele pedreiro ou pro cidadão que limpa o seu terreno. Ou seja, não estavam acostumados a dividir seus espaços com quem vinha debaixo e a pagar um valor mais valor justo para seus serviçais.

É uma classe média que se mata para pagar a prestação daquele apartamento ou do carro novo. Se mata para pagar o imposto de renda, o IPVA, o IPTU, a escola dos filhos, o cursinho dos filhos, o plano de saúde, o lazer e as compras no cartão de crédito. E por ai vai. Seja por necessidade, seja para ostentar pertencer a uma classe que não é a sua.

Tirando os pequenos privilégios que perdeu, essa classe média deveria ter muito mais afinidades com os problemas de quem “vive abaixo”. Afinal de contas, são os mais pobres que mais pagam impostos no Brasil. Já os nossos ricos são os que menos pagam impostos de todo o G20. Percebe a contradição?

Não seria melhor viver em um país mais plural, onde existe educação pública, gratuita e de qualidade para todos? Um país onde o transporte público valesse mais a pena do que andar de carro? Um país menos desigual, onde o risco de sofrer com a violência urbana fosse menor, e onde as oportunidades fossem melhores para todos?

Quem pagaria a maior parte da conta seriam aqueles do andar de cima. Sobraria mais dinheiro para viajar, compras coisas, curtir.

Isso não é uma utopia, é um conceito conhecido como Estado de bem-estar social, e está (ou esteve) presente em países Europeus, onde a classe média estuda em escolas e universidades públicas e usufrui de saúde pública e gratuita. E os ricos pagam a maior parte da conta. Talvez não seja a sociedade ideal, mas é muito melhor do que um mundo onde se paga até para respirar.

Mas não. Esta classe média da qual estou falando prefere colocar a culpa nos miseráveis pelo atraso do país. Considera o Bolsa Família um programa eleitoreiro de compra de votos (“bolsa esmola”, como definiu o PSDB em 2004). Acha que as mães dos pobres procriam como ratos para viver “mamando nas tetas” do governo, ganhando por mês oque que uma família de classe média gasta muitas vezes em uma ida a uma pizzaria ou em um chopp com os amigos.

Precisa convencer a si mesmo que é muito importante e diferente da “gentalha”. Padece da chamada Síndrome de Dona Florinda. Para quem não lembra a Dona Florinda é um personagem do seriado Chaves que se considera social, econômica e moralmente superior aos habitantes da vila.







Critica o Estado como grande problema no Brasil, mas está lá estudando pra concurso púbico, porque pagam melhor do que na iniciativa privada e por causa da estabilidade no emprego.

Fala mal do Mais Médicos, mas sofre nas mãos dos planos de saúde. Critica que o governo de Cuba fica com a maior parte do salário dos cubanos mas não tinha pena da empregada que não ganhava salário-mínimo.

Exige educação, mas não sabe ou faz vista grossa para melhorias importantes na área, como a expansão das universidades federais e do ensino técnico e a definição de um piso nacional dos professores. Além de ficar contra os professores quando estes decidem entrar em greve em busca de melhores condições de salário.

Adora encher a boca para falar de corrupção e moralidade, mas sempre votou no que há de pior e mais atrasado na politica (Collor e Maluf são bons exemplos). Aliás, a corrupção é sistêmica, e atinge todos os grandes partidos do país e também (pasmem) empresas da iniciativa privada. Mas mesmo assim essa classe média engoliu muito bem o discurso da grande mídia que trata o PT como inventor da corrupção no Brasil.

Sei que são generalizações, mas boa parte dos comentários que vejo, inclusive de pessoas próximas, vão de encontro a estes pensamentos acima. Vejo inclusive que infelizmente parte da nova classe média também está assimilando este mesmo pensamento.

Não acho que seja por coincidência. Vivemos em uma país onde os meios de comunicação exercem uma influência poderosa na forma de pensar das pessoas. E via de regra, os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de algumas poucas famílias do andar de cima que querem manter tudo como está. Para isto eles precisam instigar o ódio entre os vizinhos de baixo. Só para citar como exemplo a Família Marinho, dona da Globo, é a família mais rica do Brasil.

Mas podia ser diferente. Seria lindo se essa classe média, que tem acesso a uma educação de melhor qualidade, que tem mais influência, pressionasse rumo a uma sociedade mais igualitária, ao invés de abraçar novamente um modelo econômico conhecido como neoliberalismo, que quebrou o país várias vezes, gerou desemprego e privatizou o patrimônio público a troco de bananas. Seria lindo se esta classe média, por exemplo, deixasse de se preocupar com o pouco dinheiro que o governo gasta com programas sociais e se preocupasse mais com os 42% pagos em juros a bancos e especuladores para rolar a dívida pública.

Penso que chegou a hora da classe média parar de defender uma classe que não é a sua, e que está muito distante de ser. Não fazemos parte daqueles 1%, e dificilmente faremos.

*: com exceção de Eike Batista, que agora é um membro honorário da classe média.

Um comentário:

Anônimo disse...

E 8 anos se passaram e o texto continua atual..