BAITASAR
O baitasar chega na redação com algumas folhas manuscritas, escritas à mão.
Comento que isso é raridade nos dias de hoje
(por que, OProfesssor?)
Explico que estamos no tempo em que escrever significa digitar, meus alunos não têm letras escritas, mas garranchos desarticulados
(eu gosto de enxergar o pensamento saindo na ponta da esferográfica.)
Pergunto sobre o texto que tem nas mãos
(um pequena redação...)
Acho que ele quer publicar, mas está com os pés perdidos
(fumo de corda)
Tá certo, depois de digitar vamos publicar
(OProfessor, a ditadura do mercado e do lucro...)
Peço que esqueça o discurso panfletário e aviso: vamos publicar, aqui abaixo
Fumo de Corda
O baitasar chega na redação com algumas folhas manuscritas, escritas à mão.
Comento que isso é raridade nos dias de hoje
(por que, OProfesssor?)
Explico que estamos no tempo em que escrever significa digitar, meus alunos não têm letras escritas, mas garranchos desarticulados
(eu gosto de enxergar o pensamento saindo na ponta da esferográfica.)
Pergunto sobre o texto que tem nas mãos
(um pequena redação...)
Acho que ele quer publicar, mas está com os pés perdidos
(fumo de corda)
Tá certo, depois de digitar vamos publicar
(OProfessor, a ditadura do mercado e do lucro...)
Peço que esqueça o discurso panfletário e aviso: vamos publicar, aqui abaixo
Fumo de Corda
A tarde abafada, um mormaço de caatinga na cidade do pôr-do-sol mais lindo do mundo. É como gosta de repetir o menino Oraniã, sobre o entardecer em Canela Preta. O guri ganhou o nome de Oraniã porque sua mãe nunca soube quem era seu pai. Tanto podia ser um como o outro vivente que lhe embrulhou uma misteriosa substância nas virilhas.
O menino está deitado de costas, no porão de três palmos de altura, vestido apenas com um calção azul, pronto para mais uma pelada com os guris da rua. Gosta do azul, mas não faz desfeita ao vermelho. Não conhece outros pores-do-sol, mas nada pode ser mais esmerado e bem cuidado, pelas mãos D’ele, pelo menos, foi a garantia da professora.
Ele adora geografia porque as pernas da professora e ele viajam sem sair do mesmo lugar. Uma luta de cinco contra um. Nunca viu o tal pôr-do-sol porque tem lhe faltado a coincidência de estar no lugar certo, na hora certa, Canela Preta é muito grande. Mas a professora garantiu ao menino que é uma questão de tempo. Oraniã concorda, enquanto as pernas da professora fazem seu corpo estremecer na fantasia dos dedos.Dia desses, ele saiu para ver o tal acontecimento, o acaso não ajudou e... choveu.
Hoje, com todo esse bafo da caatinga, não chove, mas ele está ali, deitado, a mão direita molhada, esperando o futebol. Na verdade, é tudo só um treino. Ilusão da castidade. E quem não treina, não joga. É a regra.
O acaso continua não ajudando
(Fumaça, vem aqui!)
A voz nervosa da avó também estremece o corpo de Oraniã. Ela trás a idéia de morte à sua cabeça. Vive insatisfeita com a investigação da cena de algum crime. Alimenta-se de buscar um crime e o delituoso é ele, Oraniã, o Fumaça.
Ela chega da sua horta de verduras, cultivada com a proteção das suas árvores frutíferas. Entra por uma das frestas da casa silenciosa e vazia. A velha tem uma filha. A moça trabalha fora, tem a incumbência de pôr em ordem e limpar os apartamentos do motel Leite Derramado.
A filha da velha tem dois filhos. O mais adulto está nas horas de estudo. É o orgulho das duas. É o primeiro da família que chegou aos estudos de jornalista. A sabedoria dos livros entrou na família.
Mas, agora, ela procura pelo menos adulto
(Fumaça!)
Escuta o silêncio. O rapaz não aparece
(Fumaça!)
A velha se repete nervosa, ela é de um outro tempo, em que ouvir e obedecer aos mais velhos e sábios era a obrigação dos jovens ignorantes. A sabedoria chegava com o tempo da idade
(Fumaça!)
A velha procura nas frestas e cantos, mas não encontra nada. Pisa nervosa nas tábuas podres e pregos enferrujados, enquanto formigas entram e saem das suas fendas
(Fumaça, vai comprá o fumo da vó!)
A mulher avó conserva o hábito do fumo de corda, gosta de mascar fumo e fumaçar. Corta o fumo em pedaços finos e enrola tudo em folhas de milho. Depois é só queimar
(Velha, já desbastei da corda, é só enrolar, tem quantidade pra dois.)
Fumaça oferece à velha um punhado de fumo picado que encontrou nos bolsos da calça do irmão. Não tem intenção de sair naquele mormaço de caatinga. Ela apanha o fumo e enrola na folha de milho. Acende. Olha para os lados e o Fumaça sumiu.
O acaso não ajuda o guri. O futebol foi cancelado por desistência dos boleiros da rua. Ao que parece, foram ordens do Beto Suco. Ordem dada, ordem cumprida. Oraniã olha para os lados e a avó sumiu. Resolve que dormir era o que melhor tinha para fazer.
Acorda aos sobressaltos. Quem dorme, perde o conhecimento do tempo e das coisas, quando acorda. O irmão mais adulto pergunta e faz gestos que ele não entende
(Mano, tu mexeu nas minhas coisas?)
Depois de algumas tentativas, ele responde ao mais adulto
(Só dei pra velha um resto de fumo da sua calça.)
(Mano, é erva...)
(Xii, melou a porcaria.)
Levanta do jeito mais rápido. Os dois saem na procura da vítima usuária acidental. Ela mora na casa dos fundos. Entram. Chamam. Não está em casa
(Os meninos procuram por quem?)
(Velha, onde tu tava?)
(Aqui, deitada na sombra, fumando meu cigarrinho.)
Os dois miram o baseado nos dedos da velha. A vermelhidão denuncia o uso
(Meninos, gostei da qualidade do fumo.)
Entrelaçam os olhares. Concordam que a velha nunca esteve tão de bem com a vida. Decidem começar um plantio medicinal.

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