Respostas de um ateu às perguntas de um cristão
O Pensador da Aldeia
2 - Há quanto tempo você se tornou adepto do ateísmo, o que o motivou e o que isso acarretou à sua vida?
Como lhe disse, o ateísmo não é religião, seita, partido ou movimento de fé, mas uma tese, teoria, doutrina, uma hipótese, não um dogma. Sou absolutamente a favor da liberdade de crença e de expressão. Acreditar em Deus, na mula-sem-cabeça, em Jesus, em fadas e duendes, o importante é que as pessoas sejam felizes em suas crenças e respeitem mutuamente as crenças dos outros. Sou pela tolerância. No caso do Brasil, ser cristão é uma questão sobretudo cultural. Se eu ou você tívessemos nascidos no Afeganistão ou na Líbia certamente seríamos muçulmanos. Se tivéssemos nascido no Japão seríamos provavelmente budistas e hinduístas se tivéssemos nascidos na Índia. É uma questão de raiz, história, costumes e hegemonia cultural. Assim que invadiram o Brasil, os portugueses e a Igreja Católica enfiaram o cristianismo goela abaixo da população que aqui habitava, destruindo assim a religião, a visão mítica da natureza e da vida que os índios, nossos primeiros habitantes, tinham. Isso foi uma barbárie como sabemos. Os séculos se passaram e o cristianismo se consolidou como mitologia dominante da sociedade brasileira. As narrações míticas dos índios foram substituídas pelas narrações míticas da Bíblia, a propósito, uma mitologia importada. E esses embates fervorosos nos EUA aos quais você se refere, não os vejo tão fervorosos assim. Acho que são muito mais exageros sensacionalistas da grande mídia norte-americana para vender revistas, jornais e ganhar audiência, afinal, muita gente ainda hoje, por preconceito e ignorância, se apavora com o tema do ateísmo.
O Pensador da Aldeia
por Paulo Jonas de Lima Piva
Há pouco mais de um mês aceitei dar uma entrevista a uma revista cristã, mais precisamente evangélica, cujo nome não me lembro. O que sei dela é que ela é vendida em banca e tem uma tiragem significativa dentro do mercado da fé. Como já fui vítima de distorções em outras entrevistas que dei, quando frases minhas foram tiradas de contexto por jornalistas burros ou mal-intencionados, mesmo asim concedi, mas com muito receio. O receio foi tanto que procurei me precaver. Pactuei com o jornalista da revista que minhas palavras fossem publicadas na íntegra, no formato de pergunta e resposta, sem nenhuma edição posterior. Ao que parece, o pacto não foi cumprido. E não por vontade do jornalista, que foi muito simpático até, mas por decisão da própria cúpula da revista. Tudo bem. Pode parecer pedante, mas, doravante, não mais darei entrevistas.
Abaixo, a entrevista como deveria ter saído. Algumas perguntas, vale ressaltar, são engraçadas, pois revelam o esterótipo que se tem do ateísmo e, sobretudo, do ateu:
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1- Identificação: nome completo, naturalidade, formação e perfil profissional.
a) Paulo Jonas de Lima Piva
b) Brasileiro, Itapira, São Paulo
c) Bacharel, mestre e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio de doutorado na Universidade de Paris I, Sorbonne, França, junto ao "Grupo de Pesquisa sobre história do materialismo"; pós-doutor pela FAPESP junto ao projeto temático "O significado filosófico do ceticismo".
d) Autor dos seguintes livros: O ateu virtuoso: materialismo e moral em Diderot, Discurso editorial, 2003; Ateísmo e Revolta: os manuscritos do padre Jean Meslier, Alameda Editorial, 2006. Organizador, junto com Plínio Junqueira Smith, de As dez provas da inexistência de Deus, Alameda Editorial (No prelo).
e) Professor universitário.
2 - Há quanto tempo você se tornou adepto do ateísmo, o que o motivou e o que isso acarretou à sua vida?
Em primeiro lugar, o ateísmo não é uma religião, uma seita, um partido, muito menos um movimento. Portanto, não faz sentido falarmos em "adepto do ateísmo". No meu entender, o ateísmo é apenas uma posição teórica em meio a uma discussão metafísica sobre a natureza do universo e a condição do homem dentro dele. Cheguei à conclusão de que o universo nunca foi criado, que, portanto, não há um criador, de que não há um sentido inerente a esse universo ou uma racionalidade em tudo o que existe, de que o homem é matéria e que acaba quando morre, depois de um processo de reflexão crítica. Entendo a religião como uma consciência infantil da realidade, uma explicação encantada e fabulosa da realidade, uma muleta psicológica, enfim, uma mitologia que não se admite como tal. Sinto-me mais livre, autônomo, mais lúcido e feliz sendo ateu.
3- Qual é a força, hoje, do ateísmo no Brasil? Por que os embates entre ateus e cristãos aqui não são tão fervorosos como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos?
Como lhe disse, o ateísmo não é religião, seita, partido ou movimento de fé, mas uma tese, teoria, doutrina, uma hipótese, não um dogma. Sou absolutamente a favor da liberdade de crença e de expressão. Acreditar em Deus, na mula-sem-cabeça, em Jesus, em fadas e duendes, o importante é que as pessoas sejam felizes em suas crenças e respeitem mutuamente as crenças dos outros. Sou pela tolerância. No caso do Brasil, ser cristão é uma questão sobretudo cultural. Se eu ou você tívessemos nascidos no Afeganistão ou na Líbia certamente seríamos muçulmanos. Se tivéssemos nascido no Japão seríamos provavelmente budistas e hinduístas se tivéssemos nascidos na Índia. É uma questão de raiz, história, costumes e hegemonia cultural. Assim que invadiram o Brasil, os portugueses e a Igreja Católica enfiaram o cristianismo goela abaixo da população que aqui habitava, destruindo assim a religião, a visão mítica da natureza e da vida que os índios, nossos primeiros habitantes, tinham. Isso foi uma barbárie como sabemos. Os séculos se passaram e o cristianismo se consolidou como mitologia dominante da sociedade brasileira. As narrações míticas dos índios foram substituídas pelas narrações míticas da Bíblia, a propósito, uma mitologia importada. E esses embates fervorosos nos EUA aos quais você se refere, não os vejo tão fervorosos assim. Acho que são muito mais exageros sensacionalistas da grande mídia norte-americana para vender revistas, jornais e ganhar audiência, afinal, muita gente ainda hoje, por preconceito e ignorância, se apavora com o tema do ateísmo.
4- Ultimamente o mundo tem passado por inúmeras tragédias, sobretudo de causas naturais – enchentes, tsunamis, terremotos, enfim. Diante disso, muitas pessoas têm questionado a existência de Deus, ou seja, estão com a fé um tanto quanto abalada. Em sua opinião, essa pode ser uma das causas para o aumento do número de ateus?
Que o planeta terra e a humanidade acabarão um dia, isso é bastante previsivel. Não precisa a Bíblia ou qualquer outro livro de mitologia dizer isso. E se acabar, qual o problema? Quantos planetas surgiram e desapareceram na história do universo? Se o planeta terra e a humanidade desaparecerem, o universo continuará a existir do mesmo jeito, o que mostra que somos absolutamente insignificantes do ponto de vista cosmológico. Uma pessoa se torna ateu não por uma questão de desespero, mas por uma questão racional, de pensamento e análise crítica dos fatos. A fé sim é produto do desespero, fruto da necessidade que muitos têm de encantar suas vidas com as ilusões e as histórias da carochinha contadas pela religião, aliás, ilusões essas que confortam com muita eficácia aquele que está desesperado.
5- Dados indicam que de 1950 para cá o grupo dos sem-religião é o que mais cresceu no país, passando de 0,5% para 7,8% da população. O que isso, representa, em termos práticos? Nesse grupo podem também estar inseridos os agnósticos?
Acho um dado absolutamente insignificante. O importante não é a fé dos indivíduos, mas as suas condutas. O importante não é acreditar ou não em Deus, em Jesus, na Bíblia, no Corão, em espíritos, em ETs, na reencarnação, no comunismo, na ciência ou no que quer que seja. O importante mesmo é ser honesto, generoso, justo. O que mais encontramos são pessoas que se dizem crentes e religiosas mas que agem como se deus não existisse, ou seja, que vivem como se tudo fosse permitido. Em contrapartida, encontramos ateus, céticos, materialistas e agnósticos agindo de maneira solidária e honesta. Portanto, essa bordão popular "ateu à-toa" é puro preconceito. Fé não molda caráter. Sou ateu e nunca roubei, assassinei ou estuprei. Pago minhas contas em dia, contribuo com entidades com as quais me identifico, sou contra a crueldade contra os animais, tenho meus amigos e meus valores. No entanto, há muitos que se dizem, com orgulho, cristãos, espíritas e coisas do tipo, mas que agem no seu convívio como verdadeiros pilantras.
6- Quando Charles Darwin lançou A Origem das Espécies, uma onda de indignação dominou a Inglaterra vitoriana. Hoje, quase dois séculos mais tarde, o embate entre ciência e religião para explicar a origem da vida ainda continua e gera polêmica. Qual é a sua opinião a respeito?
Acho absolutamente saudável esse diálogo e essa divergência. Sou pela pluralidade de opiniões. Acho isso muito rico. Por outro lado, acho sim muito perigoso um grupo querer impor um livro, um único livro, como o único e absoluto, portador de todas as verdades do universo, como o livro inspirado por uma divindade, portanto, como um oráculo ao qual todos devem se submeter. Acho nefasto isso, ainda mais numa sociedade democrática que deve garantir a todos o direito de pensamento, crença e expressão, portanto, numa sociedade da pluralidade de pontos de vista. Todo aquele que se apresenta como a luz, a verdade, como filho de um deus ou o próprio deus, como salvador, etc, no meu entendimento, indivíduos assim são perigosos pelo fanatismo que expressam, portanto, pessoas sem condições para viver numa sociedade democrática, cujo valor principal deve ser a tolerância e a aceitação da diferença. Nesse sentido, o ateísmo se coloca apenas como mais uma interpretação, como mais uma teoria em meio a inúmeras existentes, e enxerga o cristianismo e todas as demais religiões como meras visões de mundo no meio de outras inúmeras visões de mundo.
7 - Você pode enviar uma foto, com boa resolução, para ilustração?
Sem foto, por favor.
Sem foto, por favor.
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