quarta-feira, 3 de novembro de 2010

apenas isso

Esparta

Mauro Marques




Sempre fui fascinado pela história, qualquer história, a minha em particular, procurando amigos e amigas por onde andei ou apenas fiquei parado - algumas vezes, poucas, é verdade, me deixei tocar pelo imobilismo - procurando não atrapalhar.

Depois do nascimento do primeiro filho aprofundei minhas pesquisas históricas familiares. Cheguei até a quinta geração antes de mim mesmo. As descobertas são incríveis, aconselho, desculpem a pretensão, como um bom exercício de amor.

Sou fascinado pelas histórias das minhas duas cidades, Porto Alegre e Canoas.

Vivi na capital de todos os gaúchos e gaúchas os meus primeiros anos de vida, oito para ser mais preciso. Primeiro, na vila IAPI, rua Plínio Brasil Milano, depois no bairro São João, rua Eduardo Chartier

Em 64 viemos para Canoas. naqueles tempos, um fim de mundo. Cresci no bairro Chácara Barreto, rua Farroupilha. Bem depois, voltei a morar em Porto Alegre, ali no Bom Fim, mas não deu certo do jeito que se pensava.

Hoje, já fazem 21 anos que retornei para Canoas. As duas cidades sempre me fascinaram com suas histórias de povoamento e crescimento. Algumas contribuições pude oferecer tanto lá, como cá, e gosto de imaginar que ainda estou enfrentando as lutas boas.

A história do RS me intriga mais que enfeitiça pelo deslumbramento com seus heróis. Não consigo entender como podemos venerar uma revolução, guerra ou guerrilha, que perdemos e deu-nos no seu acordo de paz o massacre de Porongos. A história que contamos para nossos alunos e alunas se transformou em ficção para esconder as fricções de dominação dos povos indígenas e as correntes nos negros e negras.

Somos o estado brasileiro dos maragatos ou chimangos, colorados ou gremistas, latifundiários ou peões, trabalhistas ou udenistas, machões ou frouxos, esposas ou prostitutas, mas não somos preconceituosos.

As histórias possíveis de contar e ler do Brasil também têm as suas incompreensões. Fomos descobertos por um acidente marítimo ou tudo foi parte de um plano de dominação? Acidente ou de propósito? Na guerra do Paraguai, matamos ou não... as crianças paraguaias?

Mas de todas as histórias dos povos a que me fascina vem da Grécia, mais precisamente da cidade estado de Esparta, surgida em meados do século IX a.C.

O governo de Esparta tinha como um de seus principais objetivos fazer de seus cidadãos modelos de soldados, bem treinados fisicamente, corajosos e obedientes às leis e às autoridades. Em Esparta, os homens eram na sua maioria soldados e foram responsáveis pelo avanço das técnicas militares, melhorando e desenvolvendo um treino, organização e disciplina nunca vistos, até então.

Perante o problema gerado pelo aumento populacional e pela escassez de terra, Esparta optou pela via militar para solucionar a questão, ao contrário de outras pólis gregas que recorreram à fundação de colônias, decidiu conquistar os territórios vizinhos.

A educação espartana, que recebia o nome técnico de agogê, apresentava as particularidades de estar concentrada nas mãos do Estado e de ser uma responsabilidade obrigatória do governo. Estava orientada para a intervenção na guerra e a manutenção da segurança da cidade, sendo particularmente valorizada a preparação física que visava fazer dos jovens bons soldados e incutir um sentimento patriótico. Nesse treinamento educacional eram muito importantes os treinamentos físicos, como salto, corrida, natação, lançamento de disco e dardo. Nos treinamentos de batalha, as meninas se dedicavam ao arco e flecha. Já os meninos eram especialistas em combate corporal,assim como em táticas defensivas e ofensivas.

Desde o nascimento até a morte, o espartano pertencia ao Estado. Os recém-nascidos eram examinados por um conselho de anciãos que ordenava eliminar os que fossem portadores de deficiência física ou mental ou não fossem suficientemente robustos (uma forma de eugenia). As crianças Espartanas eram espancadas pelos pai para se tornarem mais fortes, e, se não fossem, morreriam.

Um povo de guerreiros fortes e bonitos que não perdiam tempo com leis de acessibilidade, direitos humanos, feminismo, tomavam a decisão de matar as crianças qua não pudessem atender suas espectativas de convivência mútua, "se vai dar trabalho, exigir esforço do demais para se manter vivo, não merecia viver". Então, num ritual aprovado pelos espartanos, aquela criança era morta da maneira que a imaginação do leitor possa enxergar.

Passados quase 2500 anos, chegamos a modernidade, mas talvez tenhamos mudado muito pouco, estamos pedindo que nordestinos sejam afogados, por conta do preconceito. Essa é a imaginação possível de parte da civilização brasileira, que sonha viver numa Esparta, onde os gordos, carecas, desdentados, baixinhos, mulheres feias (elas que me perdoem), velhos e velhas, ciganos, homossexuais, pobres (menos as empregadas domésticas, em alguns casos, a babá também sai da lista), mulatos (mulatas, não!) e analfabetos, são párias que precisam ser postos numa Jangada de Pedra e deixados a deriva das águas.

Desejam uma Esparta branca, loira, olhos azuis (a cor dos olhos não é um requisito básico) e cheirosa, apenas isso.

Não chamam  de preconceito e discriminação esse desejo de descartar as pessoas inadaptadas a sua ditadura estética.

Não são preconceituosos, apenas agem com o sentido prático de melhorar suas vidas, os aleijados sociais que se virem ou se afoguem.

Apenas isso...

Um comentário:

Anônimo disse...

parabéns pelo seu texto, meu caro.