domingo, 7 de novembro de 2010

weimar em Jerusalém (?)

Uri Avnery: Weimar em Jerusalém

Viomundo

Uri Avnery, Gush Shalom [Bloco da Paz], Telavive


Tradução de Caia Fittipaldi

Em Berlim, acaba de ser inaugurada uma exposição intitulada “Hitler e os alemães”. Examinam-se os fatores pelos quais o povo alemão levou Adolf Hitler ao poder e o seguiu até o fim.

Estou ocupado demais com os problemas da democracia israelense para viajar a Berlim. É pena, porque essa questão, precisamente, me perturba desde criança. Como pôde acontecer que uma nação civilizada, que se via como “povo de poetas e filósofos”, tenha seguido aquele homem, como as crianças de Hamelin seguiram o flautista rumo à morte[1]?

O tema perturba-me não só como fenômeno histórico, mas porque é sinal de alerta que não se pode ignorar com vistas ao futuro. Se aconteceu aos alemães, pode acontecer a qualquer povo. Pode acontecer em Israel?

Aos nove anos, fui testemunha ocular do colapso da democracia alemã e da ascensão dos nazistas ao poder. Tenho na memória as imagens gravadas – as campanhas eleitorais todas iguais, os uniformes cada dia mais numerosos pelas ruas, as discussões à mesa, o professor que, pela primeira vez nos saudou, na sala de aula, com “Heil Hitler”. Registrei essas lembranças em livro que escrevi (em hebraico) durante o julgamento de Eichmann, e cujo último capítulo pergunta: “Pode acontecer em Israel?” Tenho voltado àqueles dias, agora, escrevendo minhas memórias.

Não sei se a exposição em Berlim responde essas perguntas. Talvez não. Mesmo hoje, 77 anos depois, ainda não há resposta definitiva para a pergunta “Por que a república alemã desmoronou?” Mas é questão absolutamente importante, porque, hoje, os cidadãos israelenses também se perguntam, com preocupação crescente: “A república israelense estará desmoronando, aí, ante nossos olhos?”

PELA PRIMEIRA VEZ, é pergunta feita a sério. Ao longo dos anos, os israelenses sempre foram muito cuidadosos e sempre evitaram usar a palavra “fascismo” em discursos públicos. A palavra desperta lembranças monstruosas demais. Agora, também esse tabu já foi quebrado.

Yitzhak Herzog, ministro do Bem-Estar Social do governo Netanyahu, do Partido Labor, neto do Grande Rabino e filho de um presidente, disse, há alguns dias, que “o fascismo já toca as margens da sociedade israelense”. Errou. O fascismo já ultrapassou as margens e já chega ao coração do governo ao qual Herzog serve, e ao Parlamento, do qual ele é membro.

Não passa – literalmente – um dia, sem que um grupo de deputados apresente novo projeto de lei, todas racistas. O país ainda está dividido pela aprovação da “Lei da Fidelidade”, que obriga os que requeiram a cidadania israelense a jurar fidelidade a “Israel, estado judeu e democrático”. Agora, o gabinete discute se a exigência aplica-se só a não-judeus (o que soa muito mal) ou se se aplica também aos judeus – detalhe que nada altera no conteúdo racista da lei.

Essa semana, apareceu novo projeto de lei. Se aprovada, fará com que só cidadãos israelenses possam trabalhar como guias turísticos em Jerusalém Leste. Não-cidadãos israelenses serão impedidos de trabalhar nessa função. “Não-cidadãos israelenses” significa, é claro, os árabes. É assim, porque, quando Jerusalém Leste foi ocupada e anexada, pela força, por Israel, depois da guerra de 1967, os árabes que viviam lá não receberam a cidadania israelense. Ficaram definidos como “residentes permanentes”, como se fossem recém-chegados; como se não fossem filhos de famílias que vivem há séculos em Jerusalém.

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