quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Cultura: Ana de Hollanda


Retrospectiva 2011: Ana de Hollanda e a caça ao livre conhecimento



Início com este texto a retrospectiva de 2011 que vai rolar por aqui até o dia 10 de janeiro de 2012.  Ele foi publicado no dia 21 de janeiro, quando este blogueiro sujo estava em Dacar, no Senegal, para participar do FSM. Continua bastante atual, até porque a situação do MinC mudou pouco neste período. Depois dele, escrevi vários artigos durante o ano discutindo questões da Cultura. Como foi o inaugural da série, tai de novo…

Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento

21 de janeiro de 2011 às 13:23
A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.
O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.
A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.

Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.
O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do ECAD, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.
Para quem não conhece, o ECAD é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.
Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.
Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:
“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”
Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:
A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?
Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.
O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.
O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?
E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?
Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.
Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.
E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?
Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes  na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.
Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.
Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.
A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.
E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.
Porque na hora H, não é  com o povo do ECAD e com o da indústria cultural que ele conta.
PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.
Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.
Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.
  1. Francisco de Assis disse:
    Pois é, num ano de tantos escândalos ministeriais por conta de deslizes éticos, a ministra conseguiu apanhar tanto ou mais que os seus colegas de esplanada que responderam a acusações muitíssimo mais graves. Não a conheço pessoalmente, mas alguns amigos que temos em comum me relatam uma pessoa afável, inteligente, sensível, bem intencionada, ética e honesta. Esses dois últimos qualificativos a separam dos demais ministros que tem cabeça posta a prêmio: confundi-la com aqueles seria uma injustiça cruel. Então, como ela conseguiu se tornar alvo de tanta pancadaria?
    O primeiro passo pra compreender todo esse imbróglio que se formou é tentar entender como ela chegou a tal posição. Pelo que se comentou nas redes durante o ano, ela não chegou lá por ambição pessoal. Foi fruto de uma articulação de terceiros que, para alavancar os seus próprios projetos políticos, vislumbraram a possibilidade de construir um nome feminino com um sobrenome de peso para ocupar um cargo de primeiro escalão.
    Isso já nos conduz a uma dolorosa constatação: a de que a Cultura ainda é tratada pelos governantes como algo menor, como mera peça acessória, midiática, uma pasta a ser ocupada por um nome notório que tenha como finalidade principal agregar uma imagem positiva ao governo. Assim o governo Dilma parece ter enxergado a gestão Gil, minimizando a imensa ruptura conceitual e prática que o genial artista baiano se esforçou em protagonizar.
    Um cargo executivo dessa estatura é de caráter essencialmente político. Trata-se de administrar uma complexa teia de interesses díspares, de fazer composições, mediações e articular alianças. Não é coisa pra amador. Não bastam boas intenções e honestidade.
    Devido ao seu pouco traquejo no jogo político, a ministra parece ter dado ouvidos a “conselheiros-amigos” que tão somente queriam defender interesses corporativos, pecado-mor quando se cuida de políticas culturais. Somado a isso testemunhamos a sua extrema debilidade no quesito “eloqüência verbal”. Não podia dar noutra coisa: uma sequência de ações e declarações desastradas, ocasionando uma rápida incompatibilização com diversos segmentos. Na defensiva, apegou-se ferrenhamente ao cargo e às suas convicções anacrônicas. Mas a inexperiência política nesses casos paga um preço alto, muito alto. Os que a “patrocinaram” passaram a se dedicar tão somente à própria sobrevivência. E só foi salva do sangramento quase diário pela intervenção direta da cúpula política, que refreou o ímpeto da parte da militância sob o seu comando.
    A tão falada reforma ministerial prevista para janeiro vai sinalizar o que o Governo entendeu de todo esse processo, qual o papel que pretende reservar para a Cultura. A gestão Gil concebeu um projeto ousado, contemporâneo, apontou pro futuro. Ainda há tempo de retomar esse caminho.
  2. Elias SP SP disse:
    Um Abismo separa Gilberto Gil de Ana de Hollanda. Com todo o respeito que o sobrenome de Ana merece, quando ela levou o ECAD a sério, perdeu a seriedade de seu cargo.

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