30 anos da morte de Elis, 70 do nascimento de Nara
Vivian Virissimo (Elis) e Milton Ribeiro (Nara) no SUL 21
“Sempre vou viver como camicase. É isso que me faz ficar de pé”, revelou Elis Regina em uma de suas declarações mais emblemáticas. Em duas frases, Elis resumiu a fórmula que seguia em sua vida de grandes sucessos e excessos mal calculados que se encerrou no dia 19 de janeiro de 1982. Com apenas 36 anos, no auge de sua maturidade musical, sua morte gerou grande comoção não só pela precocidade, como também pelo motivo decretado pelos legistas: altas doses de cocaína e bebidas alcoólicas. Um impacto muito forte para uma sociedade conservadora como a brasileira da época.
Frequentadora assídua de programas de rádio desde os 11 anos, Elis consolidou sua carreira nos festivais de música que começaram a ser organizados na década de 1960 e se estenderam até os anos 1980. Sua magistral apresentação no Festival da Excelsior de 1965 a lançou como uma das estrelas da era de ouro da TV brasileira. A música era Arrastão de Vinicius de Moraes e Edu Lobo.
Uma década depois, Elis gravaria o festejado disco com Tom Jobim do ano de 1974. O que poucos sabem é que o histórico encontro rendeu muitas brigas pela disputa dos gigantescos egos de ambas as estrelas. As imagens que aparentemente mostram o grande afeto da dupla passam por cima das divergências durante a gravação do disco em Nova York. O perfeccionismo de Tom e a impetuosidade de Elis quase arruinaram o que é um dos encontros mais memoráveis da MPB. A animosidade presente no encontro é inteiramente sobrepujada pela enorme doses de talento envolvida.
Os espetáculos de Elis iam da frieza e técnica vocal extrema — em fase criticada por autores como Gilberto Gil e outros — ao mais alto grau de dramaticidade e melancolia. Um exemplo da segunda característica pode ser observado na interpretação de Atrás da Porta, de Chico Buarque, no programa Grandes Nomes, exibido em 1980 pela Rede Globo. Na época, Elis estava em processo de separação com o pianista Cesar Camargo Mariano, com quem viveu nove anos. O medo de se afastar de um dos grandes amores de sua vida resultou numa das mais antológicas e sublimes interpretações desta canção. Apesar da emoção, a desafinação é algo impossível para Elis.
Outro momento memorável e bem mais alegre de sua carreira foi o encontro com Jair Rodrigues. O espetáculo O Fino da Bossa que estreou em 1964, rendeu três discos e foi transformado em programa de televisão que ficou no ar até 1967. Um dos trabalhos, o Dois na Bossa, foi o primeiro disco brasileiro a vender um milhão de cópias. Este pout-pourri dá uma mostra do porque Elis e Jair fizeram tanto sucesso.
Com sua carismática presença de palco e voz arrebatadora, Elis marcou época com sucessos do cearense, até então anônimo, Belchior. Músicas como Como nossos pais e Velha Roupa Coloridaque já tinham sido gravadas por Belchior, ganharam notoriedade na voz de Elis. Também foi fundamental no aparecimento de compositores antes desconhecidos como Milton Nascimento, Ivan Lins e João Bosco. Foi uma grande lançadora de novos compositores.
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Quando apareceu como cantora, Nara Leão não era nada convencional. No final dos anos 50, mesmo com o surgimento da Bossa Nova e dos shows com banquinho e violão, o comum das cantoras era terem a voz forte, daquelas capazes de liderar uma banda. Nascida há exatos 70 anos, Nara talvez tenha sido a primeira cantora moderna brasileira. Musicista de respeito, professora de violão, tinha voz curta, jeito de cantautora e postura política, mas impôs-se também por um fato que depois tornou-se fundamental para qualquer cantora: era bonita.
Chamada de A Musa da Bossa Nova, Nara não posava como musa e nem apostava na sensualidade como as cantoras glamourosas de nossos tempos. Era uma pessoa tímida, bem diferente da irmã Danusa. Foi sem esforço que ganhou a vaga de musa. Era uma musa dos anos 60, despojada, sentada num banquinho no meio de um cenário, sem nenhuma intimidade com os estúdios fotográficos. Era uma musa séria, de gola alta e saia logo acima dos joelhos.
Filha mais jovem do casal capixaba Jairo Leão e Altina Lofego, descendente de imigrantes italianos – das famílias D’Amico e Lofiego (grafia correta) –, Nara nasceu em Vitória e mudou-se com os pais e a irmã para o Rio de Janeiro quando tinha menos de um ano de idade.
Teve aulas de violão com Solon Ayala e Patricio Teixeira, ex-integrante do grupo “Os Oito Batutas” de Pixinguinha. Aos 14 anos, em 1956, mudou-se para a “academia” de violão de Carlos Lyra e Roberto Menescal que, na verdade, funcionava num apartamento de quarto-e-sala em Copacabana. Mais tarde, Nara tornou-se professora da academia.
Aliás, se revisarmos a lista de namorados de Nara, notaremos quão integrada ela estava na vida artística da Bossa Nova e do Rio de Janeiro. Começamos por Ronaldo Bôscoli, com quem brigou quando descobriu que ele tinha um caso com Maysa; depois vem Carlos Lyra, que rompeu a parceria musical com Bôscoli em 1960 e tinha ideias mais à esquerda; logo após é a vez do cineasta Ruy Guerra, com quem casou. Finalizamos o périplo por Sergio Porto, de quem não foi namorada, mas de quem recebeu o apelido de Musa. Uma importante instituição brasileira eram os “joelhos de Nara Leão”. Explicamos: a moça tímida e de opiniões firmes e contestadoras, surgiu em plena época das minissaias e dos vestidos tubinho, e seus joelhos, detalhe corporal antes pouco divulgado, tornaram-se alvo de profunda admiração nacional.
Sua estreia deu-se ao lado de Vinícius de Moraes e Carlos Lyra, na comédia Pobre Menina Rica, de 1963, mas a consagração veio após o golpe de 1964 com o show Opinião ao lado de João do Vale e Zé Keti, um espetáculo de crítica política à repressão imposta pelo regime militar. Ao longo dos anos 60, Nara Leão foi mudando suas preferências musicais. De musa passa a cantora de protesto simpatizante das atividades dos Centros Populares de Cultura da UNE. Em 1966, interpretou A Banda, de Chico Buarque, no Festival da Record, ganhando o festival e o público brasileiro.
Já separada alguns anos do marido Ruy, de quem não teve filhos, Nara casou-se novamente, dessa vez com o cineasta Cacá Diegues, com quem teve dois filhos: Isabel e Francisco. No fim dos anos 60, seguindo Caetano, Gil, Chico e tantos outros que se exilaram, mudou-se para a Europa com o marido, permanecendo por dois anos em Paris, onde nasceu Isabel, primeira filha do casal.
No começo dos anos 70, voltou para o Brasil grávida do segundo filho do casal, Francisco. Ao final desta década, decide estudar psicologia na PUC-RJ.
Morreu na manhã de 7 de junho de 1989, aos 47 anos, vítima de um tumor cerebral. Ela sofria com a doença já havia 10 anos. O câncer estava numa área do cérebro que impedia qualquer cirurgia e Nara sentia fortes dores e tonturas. O último disco foi My foolish heart, lançado naquele mesmo ano, interpretando versões de clássicos americanos.
Principais discos e canções
Na última semana, tudo o que foi gravado por Nara Leão foi disponibilizado gratuitamente no site oficial da cantora. O sítio na internet foi criado por sua filha Isabel Diegues. Desta forma, nesta página-tesouro, pode-se clicar sobre qualquer disco e escolher qualquer faixa.
Tendo sido uma cantora que passou da Bossa Nova para a chamada “música de protesto”, Nara Leão apresenta um acervo bastante curioso e significativo: a canção mais famosa é certamente A Banda, de Chico Buarque, seguida na bossanovista O Barquinho, das politizadas Acender as velas, Opinião, além dos sambasDiz que fui por aí e das canções de Chico Noite dos Mascarados – que Nara canta com Gilberto Gil –, João e Maria, e fundamentalmente, da canção que Chico fez a pedido de Nara: Com açúcar, com afeto.
Em 1985, no Japão, Nara gravou um grande álbum de revisão do período da Bossa Nova com Roberto Menescal, Garota de Ipanema. Do ponto de vista artítico, talvez este seja o ponto mais alto de Nara.
Alguns vídeos de uma cantora muito pouco popular no YouTube:
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