sábado, 24 de setembro de 2011

Legalidade



Uma lição de teoria e prática política


Como o movimento de 1961 é visto hoje, passados 50 anos


SUL 21









A força da Legalidade esteve na união dos gaúchos l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa


Lorena Paim


O principal legado da Legalidade é ter mostrado a capacidade de mobilização popular, que aparece sempre em resposta a uma causa com forte apelo, segundo o presidente do PDT/RS, Romildo Bolzan Jr. Para ele, o movimento liderado pelo governador gaúcho Leonel Brizola, em 1961, em favor da posse de João Goulart na presidência da República, também evidencia que, naquele momento, venceram o respeito às instituições e à soberania.





Bolzan: "Gaúchos têm muita convicção do que fazem" l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Como herdeiro do PTB, o partido de Brizola e de Goulart, Bolzan considera que o PDT “incorpora uma cultura própria dos homens do Rio Grande, que têm muita convicção do que fazem, o que foi confirmado durante a Legalidade”.

Ao recuperar historicamente os acontecimentos de agosto e setembro de 1961, o presidente do PT/RS, deputado Raul Pont, diz que as comemorações do cinquentenário do movimento servem à pedagogia política, levando os partidos a compreender as injunções que direcionam os fatos.





Em Montevidéu, Jango é recpecionado por jornalistas e políticos brasileiros l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Ele vê esse episódio da política nacional como um dos mais ricos, com muitos elementos que servem para reflexão. “Mostra como os acontecimentos não seguem uma lógica do senso comum e como não estão previamente decididos. Os fatos logo após a renúncia de Jânio Quadros, observando-se o comportamento dos partidos, do Congresso, dos meios de comunicação e das instituições, apontam que uma reação como aquela liderada por Brizola estaria, de antemão, fadada ao fracasso. O Congresso, sob pressão, se rende, assume como presidente interino, Ranieri Mazzilli, enquanto se encontram razões para justificar as ações dos ministros militares. Mas serve como exemplo histórico o fato daquele momento encontrar uma determinação segura por parte do governo do Estado e de parcelas da população”.

Raul Pont observa que “não foi apenas a voz do governador que se levantou”, mas a de amplas camadas sociais e políticas, como também a Brigada Militar, parte do Exército e da Aeronáutica, cada qual com um papel definido. “Tivemos uma verdadeira lição de teoria e prática política”, observa, acrescentando que “um grupo determinado, perseverante e mobilizado, em sintonia com a população, mesmo em situação adversa, pode reverter o quadro e, com isso, ser vitorioso”.





Pont: “O melhor antídoto para não correr risco de retrocesso é a mobilização democrática permanente” l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para o presidente do PT/RS, a Legalidade tem um caráter “muito singular”, que outros movimentos históricos não conseguiram alcançar, mais tarde, como por exemplo, a campanha das Diretas, a qual esbarrou no conservadorismo do Congresso. Qualquer sociedade não é imune a golpes, alerta. “O melhor antídoto para não correr risco de retrocesso é a mobilização democrática permanente”, conclui.
Regionalismo e unidade

Para Luiz Alberto Grijó, professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Legalidade ocorreu no período da Guerra Fria, em que o mundo estava dividido em dois blocos e o Brasil vivia um clima de polarização. Este se verificava não apenas nos partidos, mas também em setores do Exército e da própria sociedade. Clima que, segundo ele, levava ao radicalismo, tanto à esquerda (com Brizola), quanto à direita (com Lacerda), sendo que estas últimas forças predominaram até culminar no golpe de1964. Para o professor, o movimento da Legalidade, encabeçado por Brizola, levou a um tipo de radicalização em que este caráter acabou se acentuando ainda mais. A posição mais centrista, de solução por acordos, acabou sendo vencida.





Grijó: “Brizola conseguiu catalisar um descontentamento difuso da sociedade" l Foto: Facebook

Para o Rio Grande do Sul, a Legalidade teve vários significados, segundo Grijó. “Brizola conseguiu catalisar um descontentamento difuso da sociedade e, com isso, aglutinar forças para seu movimento”. Com elemento de influência, pairava o discurso de que o Rio Grande do Sul era preterido pelo governo federal, sentimento este que persistiu nos anos posteriores, sempre que esteve em jogo uma grande reivindicação do Estado.

Este descontentamento, acrescenta, se traduz numa posição de gauchismo, ou regionalismo que, segundo ele, apareceu pela primeira vez no Estado em 1929, no apoio à eleição de Getúlio Vargas, e que depois foi se sofisticando. Esses elementos foram acionados a ponto de levar a uma ampla mobilização no episódio da Legalidade. Ele considera que no Rio Grande do Sul a comemoração do cinquentenário “faz mais sentido” do que no resto do país, porque marcou toda uma geração, hoje com 60, 70 anos de idade ou mais. “A mobilização foi tão intensa que foi passada a ideia de que o Rio Grande do Sul todo participou, mas a intensidade do movimento é que levou a esta concepção”. Lembra, ainda, o fato de a renúncia do presidente Jânio Quadros ter sido apresentada como fato secundário, em todas as análises feitas aqui.





Brizola era a encarnação viva da Legalidade e de seus valores l Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Em relação aos partidos políticos de hoje, Grijó avalia que o principal legado foi para o PDT. “Até pouco tempo atrás, Brizola estava aqui; era a encarnação viva da Legalidade e de seus valores, tanto que trouxe elementos dali para a nova agremiação que criou, o PDT, ao perder a sigla PTB. O lado mais sindicalista do PT reivindica um pouco o trabalhismo, pela aproximação com o campo da esquerda. Mas, com esta leitura do passado enfraquecendo, cabe ao PDT buscar que cara o partido vai ter, daqui para frente”, analisa.

O sentimento de unidade verificado em 1961, que mobilizou até mesmo os partidos oposicionistas a Brizola, foi “totalmente circunstancial”, conforme o professor da UFRGS. Depois daquela mobilização, considera que todas as antigas diferenças voltaram à cena. O regionalismo, porém, acrescenta, “ainda tem um viés político muito forte, não interessa o lado em que esteja um candidato; sem dúvida, é um elemento muito aproveitado politicamente”.
Líder nacional X regional

A cientista política Maria Izabel Noll, também professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), concorda com o colega historiador, no sentido de que a Legalidade foi historicamente mais marcante para o Rio Grande do Sul do que para o resto do Brasil. E sugere que a conjuntura de 1961 deva ser estudada historicamente com mais atenção pelos acadêmicos.





Maria Izabel Noll: "Leonel Brizola agiu sob a perspectiva do Rio Grande do Sul, quase como uma nova Revolução de 30" l Foto: Marcelo G. Ribeiro/JC

Segundo ela, há duas perspectivas em relação às principais figuras da Legalidade. “João Goulart fez o encaminhamento da questão sob a perspectiva do governo nacional, do qual tinha bastante conhecimento, inclusive sobre a forma como o Congresso agia. Ele tinha a vivência de muitos anos ao lado de Getúlio Vargas, foi deputado federal e era vice-presidente. Por sua vez, Leonel Brizola agiu sob a perspectiva do Rio Grande do Sul, quase como uma nova Revolução de 30; queria desencadear um levante e não aceitava o parlamentarismo”.

O movimento de 61, segundo Maria Izabel, tem o papel, ainda de definir uma série de lideranças, como o próprio Brizola, que se alça à visibilidade nacional. É a época também em que despontaram, no Nordeste, os líderes Miguel Arraes e Francisco Julião. Lembra que essas figuras “vão pressionar Jango, mais tarde, pedindo ao presidente mudanças mais à esquerda”.
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