sexta-feira, 30 de setembro de 2011

"como explicar que um governo com este pífio desempenho foi ao longo de seus quatro anos tão carinhosa e amistosamente tratado e retratado pela mídia? Desinformação? Falta do necessário espírito investigativo e da busca do contraditório, pilares do verdadeiro jornalismo? "

Os 10 pecados capitais do governo Yeda (ou: A Farsa do Déficit Zero)

 



Por Paulo Muzell

Todo jornalista gaúcho que escreve sobre economia e política deveria ter como leitura obrigatória as mais de 500 páginas que integram o volume do “Relatório das Contas do Governador”, anualmente elaborado e disponibilizado no site do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS). Neste início de setembro o TCE tornou pública a análise das Contas de 2010 da ex-governadora Yeda Crusius. Leitura longa, pesada, técnica, mas que vale a pena porque contém uma análise completa das principais ações (ou omissões!) do governo no exercício anterior, contendo informações preciosas, na sua grande maioria desconhecidas do grande público. E este Relatório/2010 tem sua importância acrescida porque completa o ciclo de quatro anos de um governo, registrando os dados finais da gestão 2007/2010, revelando, também, a situação encontrada pelo governo que assumiu a nova gestão.

Os especialistas em marketing – atividade que sempre considerei duvidosa – mas que, sem qualquer dúvida, altamente valorizada nas assessorias políticas, afirmam com convicção que mais importante do que aquilo que um governo faz é a sua capacidade em constituir símbolos que construam uma marca que identifique o governo e que consolide a sua desejada imagem positiva no imaginário da população. Yeda escolheu como sua marca o “déficit zero”, símbolo e idéia síntese da desejada recuperação financeira do Estado.

A mídia local, especialmente a RBS com especial destaque para a colunista política da página 10 de ZH, contribuiu decisivamente para consolidar a falsa marca do governo Yeda, o déficit zero. Algo que, todas as pessoas medianamente informadas sabem, nunca existiu. Tivemos no Rio Grande do Sul no quadriênio 2007/2010 um “governo zero”. E a sua marca verdadeira foi o “déficit moral”.

Compra de uma casa cujo valor e a origem dos recursos foram questionados e até hoje não devidamente explicados, mobiliada e decorada com recursos públicos foi apenas o começo de uma longa escalada de um sem número de escândalos, de acusações de desvios de recursos públicos, de licitações fraudadas e de superfaturamento de contratos. O badalado saneamento financeiro nunca existiu, nem sequer foi buscado. O Relatório 2010 do TCE/RS torna absolutamente claro que este foi um governo que:

1º) Beneficiou e protegeu os grandes: a prova disso é que, em 2006, as 500 maiores empresas foram responsáveis por 76% do ICMS arrecadado; em 2010 este percentual se reduziu para apenas 63%;

2º) Cerceou as ações fiscalizadoras do Controle Externo, fato da maior gravidade pois impediu a apuração das concessões e fruições de benefícios fiscais, moeda de troca dos partidos para obtenção de recursos de empresas;

3°) Encerrou 2010 com uma dívida fundada que, somada às dívidas de INSS com prazo superior a 12 meses e mais os precatórios a pagar, atingiu a astronômica cifra de 55,5 bilhões de reais;

4º) Que deixou de aplicar os 35% da Receita Líquida de Impostos e Transferências (RLTI), desviando 4 bilhões de reais que deveriam ser destinados à educação;

5º) Que destinou em 2010 apenas 6,8% da RLTI para a saúde pública, despendendo 925 milhões a menos do valor que deveria ter sido aplicado;

6º) Deixou no final de 2010 um saldo negativo de 4,6 bilhões de “saques a descoberto” do SIAC (conta caixa único) montante que deve ser acrescido de outros 612 milhões de reais do saldo pendente de remuneração dos valores das contas;

7º) Que terminou seu período de governo com um déficit previdenciário de 4,8 bilhões de reais. Este déficit segundo as projeções atuariais crescerá até 2027, quando atingirá o valor de 7 bilhões/ano. Nas próximas décadas o caixa da fazenda estadual deverá a cada dez anos despender, em média, 40 bilhões de reais para atender o déficit das aposentadorias e pensões;

8º) Que desviou 719 milhões do FUNDEB;

9º) Que em 2010 não empenhou 127 milhões de pagamento de integralidade de pensões e mais 82 milhões de débitos com hospitais e médicos;

10º) Que fechou 2010 devendo 1,7 bilhões de créditos fiscais dos contribuintes exportadores.

Além destes dez “pecados capitais”, há no Relatório TCE muitos outros. A lista é por demais extensa: o espaço de um artigo é insuficiente e se citássemos todos certamente esgotaríamos a paciência do nosso leitor. Foram motivos suficientes e determinantes para que o Procurador-Geral do Ministério Público de Contas, Geraldo Da Camino, através do Parecer 7012/2011, dia 21 de julho passado se manifestasse contrário à aprovação das contas da governadora Yeda. Alguns dias depois o Conselheiro Marco Peixoto, um ex-deputado do PP, partido da base do governo Yeda, encaminhou novo Parecer propondo a aprovação e que obteve maioria de votos no Pleno do Tribunal.

Fica uma importante indagação: como explicar que um governo com este pífio desempenho foi ao longo de seus quatro anos tão carinhosa e amistosamente tratado e retratado pela mídia? Desinformação? Falta do necessário espírito investigativo e da busca do contraditório, pilares do verdadeiro jornalismo?

Nada disso. A resposta está no próprio Relatório TCE/2010. O governo Yeda gastou, a preços atuais, a “bagatela” de 664 milhões em publicidade, ou seja, quase 170 milhões de reais por ano. Três quartos deste montante com recursos das empresas estatais e quase dois terços pagos pelo Banrisul. O banco estadual gastou 411 milhões em publicidade e deste montante, apenas 7% de publicidade legal, obrigatória, 93% foram aplicados em publicidade promocional do banco e dos programas do governo. Só em 2010 o banco gastou 108 milhões, valor que correspondeu a 14% do seu lucro no exercício. Boa parte desta despesa feita de forma irregular, sem autorização legislativa. E, também, em campanhas publicitárias que estão sendo investigadas – pela existência de fortes por indícios de superfaturamento e de desvios – objeto da operação Mercuri, em andamento na Polícia Federal.

O acionista do Banrisul assistiu – passivo – um festim pago com recursos que deveriam ser destinados a pagar os dividendos a que tem direito E os milhares e milhares de correntistas agora sabem porque pagaram ao banco taxas e mais taxas e juros tão elevados.

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