Mídia desqualifica o debate
A criminalização da política
Escrevinhador
Por Lalo Leal, na Revista do Brasil
Política para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população, resume-se a eleições. Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o “ano da política”, fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país. O ensino é alheio ao tema. Nação de base escravocrata, às camadas subalternas sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político. Como concessão permite-se o voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para a perpetuação das elites no poder.
O descompasso entre presidentes eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas tem sido constante da política brasileira desde a metade do século passado. O suicídio de Vargas em 1954 e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a Presidência da República legalmente ocupada por João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual se enquadra até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros, em 1961.
Cabem aí também as chantagens dos grupos parlamentares contra Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.
Diferentemente da eleição majoritária, na qual os candidatos a chefe do Executivo falam às massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apoiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros do velho coronelismo eleitoral.
E no Congresso, sem compromisso com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas. São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala.
No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Pertencem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos). A existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses. Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizando-a sempre que possível.
As raízes da tensão histórica existentes entre Executivo e Legislativo não fazem parte da pauta da mídia nacional. Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política. Entre elas, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.
O dever social da mídia seria ampliar esse debate, levando-o a toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política. Mas ela não presta esse serviço. Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os “bate-bocas” nas CPIs. O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos. A definição de uso corrente de que “são todos iguais” reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.
No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave. O Brasil é a única grande democracia do mundo sem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas. Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições.
Ao exercer no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.
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A criminalização da política
Escrevinhador
Por Lalo Leal, na Revista do Brasil
Política para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população, resume-se a eleições. Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o “ano da política”, fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país. O ensino é alheio ao tema. Nação de base escravocrata, às camadas subalternas sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político. Como concessão permite-se o voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para a perpetuação das elites no poder.
O descompasso entre presidentes eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas tem sido constante da política brasileira desde a metade do século passado. O suicídio de Vargas em 1954 e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a Presidência da República legalmente ocupada por João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual se enquadra até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros, em 1961.
Cabem aí também as chantagens dos grupos parlamentares contra Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.
Diferentemente da eleição majoritária, na qual os candidatos a chefe do Executivo falam às massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apoiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros do velho coronelismo eleitoral.
E no Congresso, sem compromisso com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas. São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala.
No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Pertencem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos). A existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses. Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizando-a sempre que possível.
As raízes da tensão histórica existentes entre Executivo e Legislativo não fazem parte da pauta da mídia nacional. Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política. Entre elas, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.
O dever social da mídia seria ampliar esse debate, levando-o a toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política. Mas ela não presta esse serviço. Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os “bate-bocas” nas CPIs. O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos. A definição de uso corrente de que “são todos iguais” reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.
No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave. O Brasil é a única grande democracia do mundo sem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas. Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições.
Ao exercer no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.
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