sábado, 26 de setembro de 2015

o desejo de paz na diversidade. já tenho Papa


O papa que ri, por Mauro Santayanna




POR FERNANDO BRITO · 26/09/2015








Mestre Mauro Santayana, com a percepção serena que o tempo traz, produziu uma linda crônica sobre o papel que desempenha, hoje, o Papa Francisco.

Nela, esculpe um resumo incrivelmente preciso e simples das inesperadas armas com que busca a paz.

“Francisco, que une no lugar de dividir, que ri, em vez de fazer cara feia, que prega a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana”.

Bravo, Santayanna, porque isso é a tradução do que precisamos daqueles que se movem com a força da religião e que eu, um renitente ateu, amo nas bem-aventuranças de Mateus (5, 3-12).

Mais ainda porque Francisco o faz com a cabeça no versículo 17: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição.”.

Há muita gente que se ocupa, tolamente, em rotular o Papa. Uns, porque não lhe perdoam a fé, outros porque não lhe perdoam a humanidade.

No entanto, ele segue desconcertando a todos com algo que poucos homens chegam onde chegou e conservam: a simplicidade.

Porque afinal, o que será mais simples que proclamar que devem ser mais iguais aqueles que nasceram iguais?




Reproduzo um trecho do magnífico texto de Santayanna no Jornal do Brasil.



O peregrino


Mauro Santayana (trecho)
Não foi apenas pela proximidade geográfica que o Papa fez questão de ir a Cuba e aos EUA, em um único périplo.Ao escolher visitar, praticamente ao mesmo tempo, o país mais bem armado do mundo, e a pequena ilha do Caribe, que sobrevive, há décadas, em frente à costa dos Estados Unidos, com um projeto alternativo, que não segue a cartilha do “American Way of Life”, o Papa quis mostrar que não existem países mais importantes que os outros, e que todas as nações têm direito a buscar seu próprio caminho para o desenvolvimento, que pode estar simbolizado tanto por grandes foguetes e naves espaciais, como pela eliminação do analfabetismo, uma medicina de qualidade, o aumento da expectativa de vida de seus habitantes, ou um dos mais baixos índices de mortalidade infantil do mundo.


É esse desejo, de paz na diversidade, tão presente na viagem do Papa, que fez com que Francisco tenha participado ativamente do processo de reaproximação diplomática entre os Estados Unidos e Cuba, concretizado com a recente reabertura da embaixada dos EUA, com a presença do Vice-presidente norte-americano, Joe Biden, em Havana.O seu papel foi reconhecido em discurso, nos jardins da Casa Branca, pelo próprio presidente dos Estados Unidos, que agradeceu a contribuição do Papa nesses acordos, que representam um dos momentos mais marcantes da história recente.O Papa Francisco também está por trás – por seu reiterado e decidido apoio – de outro episódio inédito, de grande importância para o continente, ocorrido em Havana, apenas um dia após a sua partida: o aperto de mão, na presença do Presidente cubano Raul Castro como mediador, entre o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder guerrilheiro e comandante das FARC – Forças Armadas Revolucionárias, Rodrigo Londoño, também conhecido como Timoshenko, que sela a contagem regressiva para a conquista de uma paz definitiva, depois de mais de 50 anos de guerra civil, em um dos principais países latino-americanos.É claro que os dois fatos – a reaproximação entre Cuba e os EUA e entre o governo colombiano e as FARC – não podem agradar aos babosos, ignorantes e hipócritas anticomunistas de sempre, que, movidos por outros interesses, como a permanente gigolagem de fantasmas da Guerra Fria, prefeririam ver os Estados Unidos tentando outra frustrada invasão da ilha, quem sabe armando grupelhos radicais de vetustos, obtusos e anacrônicos anticastristas de Miami, ou aumentando sua presença militar na Colômbia, transformando aquela nação em uma espécie de Vietnam sul-americano.
Daí, por isso, o ódio dos conservadores, fundamentalistas e tradicionalistas católicos contra Francisco, um latino-americano tão independente com relação aos EUA, que nunca tinha pisado o território norte-americano antes desta semana, e que, mesmo assim, teve a honra de ser primeiro pontífice a ser recebido e a falar diretamente, como líder estrangeiro de uma religião que não é a mais importante nos EUA, para dezenas de deputados e senadores, dentro do edifício do Capitólio.


Em um mundo em que países que alegam defender a democracia bombardeiam e destroem outras nações, metendo-se em seus assuntos internos, armando mercenários e terroristas para derrubar governos que consideram hostis, sem levar em conta o terrível balanço de suas ações, em mortes, torturas, estupros e na “produção” de milhões de refugiados; em que esses mesmos refugiados morrem sem ter para onde ir, em desertos, montanhas, fronteiras ou mares como o Mediterrâneo, e são recebidos, muitas vezes, a patadas por onde chegam, ou mantidos em cercados disputando no braço um naco de pão para seus filhos, que a polícia lhes atira, com luvas de borracha, como se fossem cães; em que o egoísmo, o fascismo, a arrogância, o ódio, a hipocrisia, a mentira, renascem com renovada força, e muitos não tem mais vergonha de pregar o individualismo, o consumismo, uma pseudo “meritocracia” como doutrina a justificar a exclusão, na busca enriquecimento individual e material a qualquer preço – como se o destino de cada um dependesse apenas de si mesmo, e em nada do meio que o cerca ou das forças terrenas que o governam, explorando-o ou enganando-o, de forma permanente, e a humanidade não fosse uma construção coletiva, fruto de centenas de gerações que nos antecederam – Francisco, que une no lugar de dividir, que ri, em vez de fazer cara feia, que prega a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana – uma bússola para indicar o caminho nestes tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem em tentar impedir que amanheça, neste novo século, um novo dia.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

E a senhora professora, já votou? Eu voto no Sartori! Não vou ler nem o rótulo. Chega de PT! (quando aprenderemos que o ódio une as trevas? votamos por ódio e colhemos as trevas.)


Após avanço da BM sobre servidores, Assembleia vota projetos com público nas galerias


SUL 21




Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Luis Eduardo Gomes e Jaqueline Silveira


Avanço da Brigada Militar sobre servidores, cassetetes e spray de pimenta, além da detenção de três manifestantes, marcaram a manhã tumultuada na Assembleia Legislativa, que vota nesta tarde o aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a ampliação limite dos saques dos depósitos judiciais de 85% para 95%. Os projetos de extinção das fundações de Pesquisa e Produção em Saúde (Fepps) e de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (Fundergs) não deverão ser votadas nesta terça-feira (22), já que o governo pediu a retirada do regime de urgência das duas propostas que trancavam a pauta. Chegou a ser permitido que o público acompanhasse a votação das galerias e do Teatro Dante Barone, mas pouco depois das 14h, os servidores decidiram que não ingressariam no Teatro, assistindo à sessão apenas no Plenário.



Leia mais:

Mobilização de servidores e habeas corpus coletivo obtêm acesso à Assembleia de acordo com a capacidade de lotação




No início da manhã, os servidores começaram a se concentrar em frente à Assembleia com apitos, cartazes e nariz de palhaço. A coordenação do movimento unificado aguardava na chuva para uma reunião com deputados da oposição para tratar do acesso ao plenário. Gradis separavam manifestantes do prédio Legislativo, protegido no início da manhã por 10 policiais – que horas depois já eram mais de 50. Os sindicalistas reclamavam que a liminar concedida na noite de segunda-feira (21) pelo TJ, garantindo a entrada da população no prédio, não estava sendo cumprida. Por volta das 10h, as lideranças sindicais foram liberadas para entrar e participar da reunião com deputados petistas.

Enquanto estavam reunidos no interior do Legislativo, ocorreu a primeira confusão. Manifestantes que estavam na Praça da Matriz derrubaram os gradis e avançaram em direção ao prédio. Rapidamente aumentou o cordão de policiais, que isolou a entrada no Legislativo. Alguns chegaram até o vidro e batiam exigindo o cumprimento da liminar do TJ e lembrando que a Casa é do povo. “Entra, entra”, gritavam os manifestantes, além de frases como: “Tu aí fardado também é parcelado”, “I,i,i, o Sartori vai caí”.

Depois de se reunir com os deputados petistas, a coordenação se juntou a outros parlamentares e ao presidente da Assembleia, Edson Brum (PMDB), para tratar do acesso das pessoas à sessão desta terça-feira. Os sindicalistas pediam a liberação do Dante Barone, que o presidente prometeu responder mais tarde. As lideranças reclamaram mais uma vez da restrição dos servidores ao Legislativo. Enquanto os servidores deixavam o encontro e a imprensa aguardava a reunião de líderes, a polícia, sob o olhar do comandante-geral da BM, Alfeu Freitas Moreira, avançou sobre os manifestantes com cassetetes e spray retirando-os da frente da Assembleia e os empurrando para a Praça da Matriz. Com isso, a polícia remontou a barreira. Foi um momento de muita confusão e tensão. Algumas pessoas passaram mal devido ao spray de pimenta, enquanto outras ficaram com os olhos irritados. Três manifestantes foram detidos, algemados e pelo menos um deles foi agredido no chão por vários policiais.




Servidores entregam liminar para acesso a votação | Foto: Caroline Ferraz/Sul21


Quando souberam da confusão, as lideranças sindicais desceram rápido e ficaram do lado interno da Casa, já que ninguém podia sair. “Estão batendo no colega, alguém do Sindicato vai”, pediu um deles, referindo-se a policiais que retiraram um manifestante para um lado. Um advogado do PSOL acompanhou os manifestantes que foram levados por duas viaturas. Lideranças sindicais reprovaram a conduta da BM.

Após o incidente, o tenente-coronel Mário Ikeda, chefe do Comando de Policiamento da Capital (CPC), afirmou que três manifestantes foram detidos. Ikeda também justificou a ação argumentando que um pequeno grupo tentou furar o bloqueio mantido por policiais no portão principal da AL. Durante a confusão, ao menos 100 policiais estavam no local, mas o efetivo foi reforçado em seguida, incluindo o apoio da tropa de choque.

Com o clima um pouco menos tenso, a coordenação voltou a se reunir com o presidente da Assembleia e ficou definido que 100 servidores poderiam acompanhar as votações das galerias, além de 40 pessoas que representam entidades empresariais também contra o aumento de impostos. Outras 140 ocupariam as galerias representando os favoráveis ao projeto.

Brum propôs a liberação também de 400 senhas para o acesso ao Dante Barone, a serem divididas na metade entre favoráveis e contrários ao aumento do ICMS, conforme determinação de liminar emitida pela Justiça após ação ajuizada por ex-dirigentes do Cpers. No entanto, o acordo exigia que as lideranças sindicais assinassem um termo assumindo a responsabilidade por tudo que ocorresse dentro do Teatro. Segundo Sérgio Arnoud, presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado do RS (Fessergs), essa condição era inaceitável e rejeitou a proposta. Com isso, a participação dos servidores na votação se resumiu a apenas as 100 pessoas que conseguiram fichas de acesso ao plenário.

Enquanto os donos de fichas entravam, o restante dos manifestantes – ainda vigiados de perto por centenas de policiais militares – permaneceram do lado de fora protestando com cartazes com os rostos dos deputados que votam “contra os trabalhadores”. Eles prometem aumentar a pressão na base eleitoral dos parlamentares da base aliada do governo Sartori.



Confira as fotos:


Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Caroline Ferraz/Sul21



Foto: Tiago Machado



Foto: Tiago Machado

Quanto mais para aprendermos? Quando aprenderemos?


Professores detidos pela BM em frente à AL protestam: ‘Ninguém aqui é bandido’


SUL 21



Momento em que Ricardo foi imobilizado e agredido nesta manhã | Foto: Caroline Ferraz/Sul21




Débora Fogliatto


Após serem agredidos e presos, três professores que estavam nas manifestações em frente à Assembleia Legislativa nesta terça-feira (22) foram liberados e voltaram ao ato. Sem desanimar após os ferimentos e indignados com os rumos do governo José Ivo Sartori (PMDB) e com o Legislativo, eles ainda não compreenderam o que motivou a Brigada Militar a derrubar e bater no professor Ricardo Machado Menezes.

Por volta das 11h, quando, segundo as vítimas, os professores estavam começando a recuar para longe da barreira formada por policiais militares em frente à AL, Ricardo foi agarrado pelas costas por um policial e derrubado no chão, onde, mesmo rendido, foi agredido por cassetetes e socos. Os dois colegas, Antônio Neto e Fernando Campos, vieram em sua defesa. Segundo afirmam, um deles foi chutado e ambos foram presos. Os três professores foram levados à 3ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, no bairro Navegantes.



Ricardo mostra o ferimento na clavícula | Foto: Débora Fogliatto/Sul21


Para Campos, que é professor de História em Alvorada, o que surpreende não é truculência da BM, visto que “esse é o trabalho deles”, mas sim a quem essa violência foi dirigida: “O que a gente não espera é que o governo do Estado utilize a BM para agredir professores. Ninguém aqui é bandido”, resume.

Mesmo após as agressões, os três pretendem continuar participando da paralisação e de protestos por seus direitos. “Nenhum dos três aqui foi responsável por agressões aos servidores da Brigada. Nenhum de nós foi responsável por atirar pedras na Assembleia, mas não podem nos acusar de ser coniventes com aquele palácio que hoje é o algoz do funcionarismo público”, disse Neto, referindo-se à AL. Ele ainda criticou a aprovação, na semana passada, da nova previdência para o funcionarismo, votada com as galerias vazias. “É importante que a gente saia daqui com a experiência de que no Parlamento não se pode depositar nenhum voto de confiança, é a nossa luta que vai mudar nossa vida”, disse, no carro de som, aos colegas que participavam da mobilização.

Ricardo Menezes, que também é professor de História, na Lomba do Pinheiro e no bairro Partenon, recorda da greve ocorrida em 2004, quando diz que viu um policial quebrar o braço de uma companheira com um cassetete. “Era no governo Rigotto, também do PMDB”, lembrou. Com a camiseta rasgada, ele conta que sente mais dor em um hematoma que ficou no local onde “um cassetete pegou”, na clavícula, assim como na perna, possivelmente pela forma como foi atirado no chão.

A Brigada Militar afirma que os três detidos faziam parte de um grupo de manifestantes que derrubou o gradil e entrou na porta principal do saguão. Por cerca de uma hora, os servidores que estavam ali negociaram com a BM para que saíssem e retornassem para a Praça da Matriz. Segundo o Major Bitencourt, responsável em exercício pela Comunicação da corporação, nesse momento “umas cinco pessoas, entre elas os três que foram detidos, tentaram investir contra a Brigada para tentar entrar na AL”, o que teria causado um tumulto e levado a BM a utilizar gás lacrimongêneo por spray. “Foram uns três disparos, para dispersar quem estava na entrada da AL. E nisso acabou realizando a prisão dessas três pessoas”, relatou. Ele não confirmou a identidade dos detidos e disse acreditar que não se tratava de professores, mas afirmou serem três homens e que foram levados para a 3ª DPPA.



Fernando, Ricardo e Neto afirmaram ter sido agredidos | Foto: Débora Fogliatto/Sul21

sábado, 19 de setembro de 2015

Um dos fundadores da Teologia da Libertação


Aos 86 anos, d. Pedro Casaldáliga ainda enfrenta 'lobos' e fala de esperança


Brasil de Fato




Sônia Oddi/RBA


Bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT) resiste a ameaças, critica o sistema político, o agronegócio, os impérios. E se apresenta como soldado de uma causa invencível


20/06/2014

Por Sônia Oddi e Celso Maldos,

Da Rede Brasil Atual


São Félix do Araguaia, nordeste mato-grossense, 10 de maio de 2014. Numa pequena capela, no fundo do quintal, uma oração inaugura o dia na casa do bispo emérito de São Félix, dom Pedro Casaldáliga. A simplicidade da arquitetura ganha força com o significado dos objetos ali dispostos.

No altar, uma toalha com grafismos indígenas. Na parede, um relevo do mapa da África Crucificada, um Cristo rústico no crucifixo, uma cerâmica de mãe que protege seu filho com um braço e carrega um pote no outro. No chão de cimento, bancos feitos de toras de madeira, que lembram aqueles de buriti, usados pelos Xavante, em uma competição tradicional, em que duas equipes se enfrentam numa corrida de revezamento, carregando as toras nos ombros, demonstração de resistência e força, qualidades de um povo conhecido por suas habilidades guerreiras. Cercada de plantas, a luz entra por todas as faces das tímidas e incompletas paredes. Nesse ambiente orgânico, assim como tem sido a vida de Pedro, os amigos se aninham para tomar parte da oração.

José Maria Concepción, companheiro de Pedro de longa data, e recém-chegado da Espanha, inicia a leitura: “1795: José Leonardo Chirino, mestiço, lidera a insurreição de Coro, Venezuela, com índios e negros lutando pela liberdade dos escravos e a eliminação de impostos. 1985: Irne García e Gustavo Chamorro, mártires da justiça. Guanabanal, Colômbia.
1986: Josimo Morais Tavares, padre, assassinado pelo latifúndio. Imperatriz, Maranhão, Brasil”

Os martírios lembrados referem-se àquela data, 10 de maio. Inúmeros outros, centenas deles, são e serão lembrados ao longo de todo o ano, de acordo com a Agenda Latino-Americana. E continua: “2013: Ríos Montt, ex-ditador guatemalteco, condenado a 80 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade. A Comissão da Verdade calcula que ele cometeu 800 assassinatos por mês, nos 17 meses em que governou, depois de um golpe de Estado.”

O jovem padre Felipe Cruz, agostiniano, de origem pernambucana, conduz um canto, a reza do pai-nosso e a leitura de uma passagem da edição pastoral da Bíblia. O encerramento se dá com a Oração da Irmandade dos Mártires da Caminhada Latino-Americana, escrita por dom Pedro, onde na última linha pode-se ler “Amém, Axé, Awere, Aleluia!”, em respeito à diversidade de crenças do povo brasileiro.

Em nome desse respeito, dom Pedro nunca celebrou uma missa na Terra Indígena Marãiwatsédé, dos Xavante, comunidade que desde sempre contou com o seu apoio na luta pela retomada da terra, de onde haviam sido deportados em 1968 e para onde começaram a retornar em 2004. “Se o bispo está aqui celebrando a missa, significa que nós estamos em pleno direito aqui. E, por orientação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e da igreja da Prelazia, ele, pessoalmente, não fez nenhuma celebração na reserva”, testemunha José Maria.



Sagrado bispo pelas mãos de dom Tomás Balduíno, dom Pedro dedicou a vida ao povo da região do Araguaia (Foto:Centro Comunitário Tia Irene)


Por apoiar a luta quase cinquentenária dos povos originários daquela região de Mato Grosso, Pedro foi ameaçado de morte algumas vezes. Na última, no final de 2012, quando o processo de desintrusão (medida legal para efetivar a posse) dos fazendeiros e posseiros da TI (terra indígena) Marãiwatsédé avançava e se efetivava, decorrente da determinação da Justiça e do governo federal, ele teve de se ausentar de São Félix.

Perseguições, ameaças de morte e processos de expulsão do país têm marcado a trajetória de Pedro, que chegou à longínqua região do Araguaia, como missionário claretiano, em 1968, aos 40 anos. De origem catalã, ele nasceu em 1928 – e aos 8 anos teve sua primeira experiência com o martírio, quando um irmão de sua mãe, padre, foi assassinado quando a Espanha estava mergulhada em uma sangrenta guerra civil.

A Prelazia de São Félix, uma divisão geográfica da Igreja Católica, foi criada em 1969 e abrange 15 municípios: Santa Cruz do Xingu, São José do Xingu, Vila Rica, Santa Terezinha, Luciara, Novo Santo Antônio, Bom Jesus do Araguaia, Confresa, Porto Alegre do Norte, Canabrava do Norte, Serra Nova Dourada, Alto Boa Vista, Ribeirão Cascalheira, Querência e São Félix do Araguaia. Atualmente, conta com uma população estimada em 135 mil habitantes, uma área aproximada de 102 mil quilômetros quadrados e 22 chamadas paróquias.

Pedro, em meio às distâncias, encontrou um povo carente, sofrido, abandonado, à mercê das ameaças dos grandes proprietários criadores de gado. Os pobres do Evangelho, a quem havia escolhido dedicar a sua vida, estavam ali.

Em 1971, pelas mãos de dom Tomás Balduíno (que morreu em maio último, aos 91 anos) foi sagrado bispo da prelazia. A partir de 2005, quando renunciou, recebeu o título de bispo emérito.

Um dos fundadores da Teologia da Libertação, o seu engajamento nas lutas dos ribeirinhos, indígenas e camponeses incomodou os latifundiários e a ditadura. Ainda hoje, incomoda os homens ricos e poderosos do Centro-Oeste brasileiro.

A política dos incentivos fiscais, levada a cabo pelos militares, por meio da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), foi o berço do agronegócio. E também dos conflitos advindos da expropriação da terra das populações originárias, da exploração da mão de obra, do trabalho escravo e toda sorte de violências, que indignou o missionário Pedro e o fez escolher do lado de quem estaria.

“O direito dos povos indígenas são interesses que contestam a política oficial”, diz dom Pedro. “São culturas contrárias ao capitalismo neoliberal e às exigências das empresas de mineração, das madeireiras. Os povos indígenas reivindicam uma atuação respeitosa e ecológica.”

Em plena ditadura, nos anos 1970, fundou, junto com dom Tomás Balduíno, o Cimi e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), como resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, indígenas, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia. Ainda nesse período, em 1976, presenciou o assassinato do padre João Bosco Burnier, baleado na nuca quando ambos defendiam duas mulheres que eram torturadas em uma delegacia de Ribeirão Cascalheira (MT).

Pedro faz seções de fisioterapia algumas vezes na semana. Aos 86 anos, e com o Parkinson diagnosticado há cerca de 30, esse cuidado se faz necessário para minimizar os avanços do mal que provoca atrofia muscular e tremores. Ele segue disciplinadamente uma dieta alimentar, o que de certa maneira retardou, mas não cessou, segundo seu médico, o avanço da doença.

A disciplina se repete na leitura diária de e-mails, notícias, artigos, acompanhado mais frequentemente por frei Paulo, agostiniano, que assim como dom Pedro tem sempre as portas abertas para moradores da comunidade e viajantes. Durante a visita da Revista do Brasil, por exemplo, há uma pausa para acolher Raimundo, homem alto, pardo, magro que, aflito, emocionado, de joelhos, pedia a sua bênção.

A casa é simples, de tijolos aparentes, sem acabamento nas paredes. Porém, tal como a capela no fundo do quintal, é plena de significados e ícones que atestam o compromisso com as causas humanas, de quem vive sob aquele teto.


Che, Jesus, Milton

No quarto, na salinha, na cozinha, no alpendre dos fundos, no escritório, um devaneio para os olhos e para o coração. Imagens de significados diversos: Che Guevara, Jesus Cristo, Milton Nascimento, padre João Bosco Burnier, dom Hélder Câmara, monsenhor Romero, Pablo Neruda. Textos de Martín Fierro, São Francisco de Assis, Joan Maragall, Exodus. Pôsteres da Missa dos Quilombos, da Romaria dos Mártires da Caminhada, da Semana da Terra Padre Josimo. Calendários da Guerra de Canudos, de operários no 1º de Maio. E ainda fotos, pequenas lembranças e artefatos populares, em meio a estatuetas de prêmios recebidos.

O seu compromisso com as causas populares extrapola as fronteiras do país. Em 1994, dom Pedro apoiou a revolta de Chiapas, no México, afirmando que quando o povo pega em armas deve ser respeitado e compreendido. Em 1999, publicou a Declaração de Amor à Revolução Total de Cuba. Fala com convicção da importância da unidade latino-americana, idealizada por Simon Bolívar (1783-1830) e defendida pelo ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013).

“Eu dizia que o Brasil era pouco latino-americano, a língua comum dos povos castelhanos fez com que o Brasil se sentisse um pouco à parte do resto”, diz dom Pedro. “Por outro lado, o Brasil tem umas condições de hegemonia que provocava nos outros povos uma atitude de desconfiança. Hugo Chávez fez uma proposta otimista, militante, apelando para o espírito de Bolívar, com isso se conseguiu vitórias interessantes, como impedir a vitória da Alca.”

Ele recorda de um encontro com o ex-presidente brasileiro. “Quando Lula esteve na assembleia da CNBB, estávamos nos despedindo, ele se aproximou de mim e me deu um abraço. E eu falei, vou te pedir três coisas. Primeiro, que não nos deixe cair na Alca, segunda, que não nos deixe cair na Alca, terceira, que não nos deixe cair na Alca. Só te peço isso”, conta, em referência a Área de Livre Comércio das Américas, ícone do neoliberalismo.

“E realmente não entramos na Alca. Porque a América Latina tem de se salvar continentalmente, temos histórias comuns, os mesmos povos, as mesmas lutas, os mesmos carrascos. Os mesmos impérios sujeitando-nos, uma tradição de oligarquias vendidas. Tem sido sempre assim. Começavam com o império, o que submetia as oligarquias locais. Os exércitos e as forças de segurança garantiam uma segurança interesseira. Melhorou, inclusive os Estados Unidos não têm hoje o poder que tinham com respeito ao controle da América Latina. Somos menos americanos, para ser mais americanos.”

Esperança e diálogo

É preciso de todo jeito salvar a esperança, defende dom Pedro. “Insistir nas lutas locais, frente à globalização. Se somar as reivindicações, sentir como próprios, as lutas que estão acontecendo nos vários países da América Latina. El Salvador, Uruguai, Bolívia, Equador... Claramente são países muito próximos nas lutas sociais.”

Há tempos dom Pedro Casaldáliga não concede entrevistas pela dificuldade que tem encontrado em conciliar a agilidade do raciocínio com o tempo possível da articulação das palavras. A ajuda de José Maria, seu amigo e conterrâneo, foi fundamental para a compreensão das pausadas e esforçadas falas, enquanto discorria sobre assuntos por ele escolhidos.

Otimista com a atuação do papa Francisco, ressalta que “ele fez gestos emblemáticos, muito significativos”. “A Teologia da Libertação se sentiu respaldada por ele. Tem valorizado as Comunidades Eclesiais de Base, com o objetivo de uma Igreja pobre para os pobres. Estimulou o diálogo com outras igrejas... Chama a atenção nele o diálogo com o mundo muçulmano e com o mundo judeu, e agora essa visita a Israel... Muito significativa. Desmantelou todo o aparato eclesiástico, seus colaboradores tiveram de se adaptar.”

Ele reconhece as limitações que o sistema político impõe à atuação do governo, que segundo dom Pedro tem “um pecado original”: as alianças. “Quando há alianças, há concessões e claudicações. Enquanto esses governos todos se submeterem ao capitalismo neoliberal teremos essas falhas graves. A política será sempre uma política condicionada. Tanto o Lula como a Dilma gostariam de governar a serviço do povo mesmo, mas as alianças fizeram com que os governos populares estivessem sempre condicionados”. Para ele, deve haver uma “atitude firme, quase revolucionária”, em relação a temas como saúde, educação e comunicação.

Morto em março do ano passado, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez é lembrado com determinação pelo religioso. “Ele tentou romper, rompeu o esquema. Por isso, a direita faz questão de queimar, queimar mesmo, a Venezuela. Nos diários e noticiários, a cada dia tem de aparecer alguma coisa negativa da Venezuela”.

Direitos indígenas x ruralistas

Ele aponta a “atualidade” da causa indígena, e as ameaças que não cessam. “Nunca como agora, se tem atacado tanto. Tem várias propostas para transformar a política que seria oficial, pela Constituição de 1988, que reconhece o direito dos povos indígenas de um modo muito explícito. Começam a surgir propostas para que seja o Congresso quem defina as demarcações das terras indígenas, sendo assim já sabemos como será a definição. A bancada ruralista é muito grande...”, observa dom Pedro.

Por outro lado, prossegue, nunca os povos indígenas se organizaram como agora. E o país criou uma “espécie de consciência” em relação a essa causa. “Se querem impedir que haja uma estrutura oficial com respeito à política indígena, tentam suprimir organismos que estão a serviço dessas causas. Isso afeta os povos indígenas e o mundo rural . Tudo isso é afetado pelo agronegócio, o agronegócio é o que manda. E manda globalmente. Não é só um problema do Mato Grosso, é um problema do país e do mundo todo. As multinacionais condicionam e impõem.

“A retomada da TI Marãiwatsédé é bonita e emblemática. Os Xavante foram constantes em defender os seus direitos. Quando foram expulsos, deportados – esta é a palavra, eles foram deportados –, seguiram vinculados a esse terreno, vinham todos os anos recolher pati, uma palmeira para fazer os enfeites. E reivindicavam sempre a terra onde estão enterrados nossos velhos. E foram sempre presentes”, testemunha. “Aqui, nós sempre recordamos que essa terra é dos Xavante, que esta terra é dos Xavante. Os moradores jovens, meninos, outro dia diziam – nossos vovôs contam que essa terra é dos índios, nossos papais contam que essa terra é dos índios.”

A essa altura, dom Pedro lembra de “momentos difíceis” em que o Cimi se vê obrigado a contestar certas ações do governo. “Quando se diz que não há vontade política pelas causas indígenas, eu digo que há uma vontade contrária ao direito dos povos indígenas, isso é sistemático. A Dilma, eu não sei se se sentisse um pouco mais livre, respaldaria as causas indígenas. Alguns pensam que ela pessoalmente não sintoniza com a causa indígena. Tem sido criticada porque nunca recebeu os índios. Faz pouco foi o primeiro encontro com um grupo. Todos esses projetos de Belo Monte, as hidrelétricas. Se ela tem uma política desenvolvimentista, ela tem de desrespeitar o que a causa indígena exige: em primeiro lugar seria terra, território, demarcação, desintrusar os invasores. Seria também estimular as culturas indígenas e quilombolas”, diz, sem meio-termo. “Se você está a favor dos índios, você está contra o sistema. Não adianta colocar panos quentes aí.”

Dom Pedro defende a presença de sindicatos, mas critica o movimento. “Eles são a voz dessas reivindicações todas dos povos indígenas, do mundo operário. Na América Latina, estiveram muito bem os sindicatos, ultimamente vêm falhando bastante. Foram cooptados. Quando se vê um líder sindicalista transformado em deputado, senador, ele se despede”, afirma, vendo a Via Campesina como uma alternativa, por meio de alianças de grupos populares em vários países.

“Daí voltamos à memória de Hugo Chávez, que estimulou essa participação”, observa. “De ordinário acontece que antes as únicas vozes que os operários tinham eram o sindicato e o partido. Nos últimos anos, tanto o partido como o sindicato perderam representatividade. Em parte foram substituídos por associações, alguns movimentos. Mas continuam sendo válidos. Os sindicatos e partidos são instrumentos conaturais a essas causas do povo operário, camponês.”

Para fazer campanha eleitoral, todo candidato operário a deputado, senador, tem de “claudicar” em algum aspecto, acredita dom Pedro. “Por isso, é melhor que não se candidate. Por outra parte, não se pode negar completamente a função dos partidos e dos sindicatos. Não é realista, ainda continuam sendo espaços que se deve preencher.”
Lúcido, Pedro conclui a conversa lembrando a frase de um soldado que lutava contra a ditadura franquista na Guerra Civil Espanhola: “Somos soldados derrotados de uma causa invencível”.

Descalço sobre a terra vermelha

A minissérie em dois capítulos de uma hora Descalço sobre a Terra Vermelha, baseada em livro homônimo do jornalista catalão Francesc (Paco) Escribano, é uma produção da TVE (Educativa da Espanha), da TV3 da Catalunha, da produtora Minoria Absoluta, da TV Brasil e da produtora paulista Raiz Produções Cinematográficas. Descalço sobre a Terra Vermelha estreou na TV3 em março e está programada para ser exibida na TV Brasil no segundo semestre.

Trata da vida de dom Pedro Casaldáliga, desde sua chegada ao Brasil até sua visita ad Limina ao Vaticano, quando se apresentou ao Papa João Paulo II e ao conservador cardeal Joseph Ratzinger, então à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, herdeira da Santa Inquisição, onde deveria explicar sua ação teológica a favor dos pobres e dos oprimidos.

O filme, uma belíssima e apurada produção, contou com a participação de mais de mil figurantes de povoados e das cidades de Luciara e São Félix do Araguaia, locais onde foram construídas verdadeiras cidades cenográficas, representando como eram esses lugares nos idos dos anos 1970.

Dirigido por Oriol Ferrer, tendo Eduard Fernández, premiado ator catalão, no papel de Casaldáliga, contou com um elenco de ótimos atores espanhóis e brasileiros.
Rodado como uma espécie de western teológico, retrata com grande força e sensibilidade a violência e tensão existentes, ainda hoje, nos conflitos entre latifundiários, invasores de terras indígenas, posseiros e a ação pastoral da Prelazia de São Félix que, tendo dom Pedro à frente, desde sempre esteve ao lado dos despossuídos.

De acordo com a descrição que aparece no site da Minorita Absoluta, a série combina ação e misticismo “no cenário exuberante de Mato Grosso, em contraste com a paisagem humana e social chocante”. A história de Pedro Casaldáliga se desenvolve “em torno de valores universais”, no contexto da teoria filosófica e teológica da libertação e da situação geopolítica dos anos 1970, na ditadura brasileira. O jornalista e produtor executivo Francesc Escribano salienta que a produção se tornou “seu coração” para contar “uma história notável de um catalão universal”.

Durante o making of, impressionou como a historia e principalmente o próprio dom Pedro teve impacto na vida de todos os envolvidos na produção. Confirma a impressão que tive desde a primeira vez que viajei com ele, há mais de 30 anos: estar na sua presença é sentir-se na presença de um espirito muito elevado; sem exagero, um verdadeiro santo do povo.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

200, entre 200 milhões de brasileiros


A maior conquista da democracia brasileira





POR FERNANDO BRITO · 17/09/2015








Se prevalecer o decisão do Supremo Tribunal Federal que, afinal, proíbe as doações de empresas a candidatos e a partidos políticos, o Brasil terá dado um passo imenso para salvar-se a democracia brasileira.

Porque não pode haver democracia onde o custo da campanha eleitoral chega perto de R$ 6 bilhões, ante menos de R$ 792 milhões há 13 anos, na eleição de 2002, 0 que daria, com a correção pela inflação acumulada, R$ 1,25 bilhão, quatro vezes mais que então.

Fixou-se, a despeito das alegações – e não só “gilmarianas” – de que as empresas podem ter interesses “legítimos” no processo eleitoral, que a escolha de seus representantes é direito dos cidadãos, de todos os cidadãos, e não de instituições que fabricam parafusos, criam bois, fazem obras (públicas, inclusive) ou se dedicam às atividades financeira, como os bancos.

Este é o centro da questão que foi resolvida hoje pelo STF, tardiamente.

Nem é preciso falar da história da carochinha do “tsunami” de CPFs falsos para distribuir e “lavar” doações legais, que se desmancharia – se existisse – com a simples determinação de que, ao menos acima de um determinado valor, a eventual doação seja pela via bancária.

Conversa para dar aparência “moralista” a algo que é, em si, imoral: empresa faz investimento no que lhe possa dar lucro, contrata pessoas e paga por serviços que lhe são prestados. A menos que um candidato a ser, em seguida, vereador, prefeito, deputado, governador, senador ou presidente se enquadrem nestas categorias, porque lhes daria o dinheiro?

A proibição do dinheiro de “pessoas” jurídicas recoloca o cidadão comum no seio do processo eleitoral. Ainda que, sobrevivam desigualdades oriundas da riqueza pessoal ou do meio social de onde provenham, esta jamais voltará a ser tão grande quanto o é quando determinados candidatos recolhem milhões ou dezenas de milhões de reais provenientes de empresas.

Um líder comunitário, um sindicalista, um professor universitário, um trabalhador, mesmo de classe média, não pode, absolutamente, disputar sequer uma vereança em cidades de portes médios, onde estão os “coronéis” do dinheiro.

Para uma simples visão do tema, basta citar que em 2010 – e hoje é pior – 200 maiores doadores, “pessoas” jurídicas, quase todas, e alguns empresários, individualmente, financiaram quase a metade dos R$ 4,8 bilhões doados naquela eleição.

200, entre 200 milhões de brasileiros.

Da mesma forma, é impossível separar o que é produto de achaque ou favorecimento a empresas que prestam serviços ao poder público do que seria doação “legítima”, objeto de uma implausível “gratidão” empresarial a quem lhe deu muito mais que está a doar.

Foi a isso que Gilmar Mendes chamou de conspiração.

Só se defender a democracia for uma conspiração, como conspiração foi o argumento dos senhores coloniais para enforcar e esquartejar Tiradentes.




PS. Acabo de assistir a defesa apaixonada de Eliane Cantanhêde na Globonews do argumento “gilmarista” sobre o caixa-dois e sua esperança de que a emenda Cunha (veja o post anterior) venha a restabelecer a bufunfa empresarial na campanha. Já foi mais cheirosa a massa cantanhêdica.

construindo um outro BRASIL


Por 8 votos a 3, STF proíbe financiamento privado de campanhas


SUL 21



Do Brasil247*


O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta quinta-feira (17) ser proibido empresas privadas doarem recursos a políticos e partidos durante campanhas eleitorais. O placar foi de 8 votos a favor da ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra 3, que se manifestaram favoráveis às doações privadas. A divergência foi dos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello, enquanto a maioria seguiu o voto do relator, ministro Luiz Fux.

O julgamento, que começou em 2013, foi reiniciado nesta quarta-feira (16), após ficar um ano e cinco meses parado, devido a pedido de vista de Gilmar Mendes. Em um voto proferido em mais de três horas, o ministro disse que os partidos políticos devem receber apoio privado, como forma de provar que as legendas existem de fato e têm apoio da parte da sociedade, fatos essenciais para a democracia.

Como a votação foi concluída antes do dia 2 de outubro, um ano antes das próximas eleições no Brasil, o entendimento firmado pelo Supremo poderá ser aplicado já em 2016. A decisão da Corte será definitiva e independe de avaliação da presidente Dilma Rousseff sobre o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados, na semana passada, que autorizou o financiamento de campanhas. A presidente tem de decidir se veta ou sanciona a matéria. Em caso de sanção, será necessária outra ação para questionar a data em que a lei entrará em vigor.

Pela regra atual, as empresas podem doar até 2% do faturamento bruto obtido no ano anterior ao da eleição. Para pessoas físicas, a doação é limitada a 10% do rendimento bruto do ano anterior. O Supremo julga ação direta de inconstitucionalidade apresentada pela OAB contra doações de empresas a candidatos e a partidos políticos. A entidade contesta os artigos da Lei dos Partidos Políticos e da Lei das Eleições, que autorizam as doações para campanhas.


*Com informações da Agência Brasil

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

fala sério, o seu ódio é maior que preservar as riquezas dos netinhos e netinhas?


O golpe é para "privatizar tudo"


Blog do Miro






Por Altamiro Borges



Animados com a possibilidade do impeachment da presidenta Dilma, alguns tucaninhos começam a abrir o bico e a revelar as verdadeiras razões deste golpe. Em artigo publicado na Folha desta quinta-feira (17), a economista Elena Landau, que foi apelidada de "musa das privatizações" durante o triste reinado de FHC, escancara os interesses que movem esta conspiração. Para ela, "é hora de privatizar" - de preferência, entregando o patrimônio público e as riquezas nacionais para o capital estrangeiro.


A entreguista Elena Landau, conhecida por seu doentio complexo de vira-lata, teve papel de destaque no criminoso processo da "privataria tucana" - tão bem descrito no livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr.. Ela foi assessora da presidência do BNDES e diretora do "Programa Nacional de Desestatização" do governo FHC. Ela faz parte do grupo de economistas ultraneoliberais da PUC-RJ, que tem entre os seus expoentes figuras como Armínio Fraga, Pérsio Arida, Gustavo Franco e André Lara Resende. Ela também tem sólidas ligações com o império, tendo estudado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), um antro mundial das teses destrutivas e regressivas do neoliberalismo.


Com este currículo, Elena Landau tornou-se a musa dos tucanos e porta-voz dos interesses de rapina das corporações estrangeiras. A partir da vitória de Lula, em outubro de 2002, a economista caiu no ostracismo e passou a cuidar dos seus negócios. Só voltava à tona nas campanhas eleitorais, ajudando na elaboração dos programas dos candidatos derrotados do PSDB - José Serra, Geraldo Alckmin e, no ano passado, do cambaleante Aécio Neves. A Folha tucana, sempre tão generosa, até garantiu um palanque para a economista neoliberal, mas sem maior repercussão. Agora, com a ofensiva golpista pelo impeachment de Dilma, Elena Landau adquire novamente "prestígio".

No artigo intitulado "É hora de privatizar", ela demonstra que mantém o bico tucano afiado. Do seu palanque, ela critica o pacote fiscal apresentado nesta semana pelo governo federal. Ele seria muito tímido. "Os ajustes propostos não atacam erros fundamentais que levaram ao descalabro nas contas, entre eles o gigantismo do Estado, e pouco avança neste campo. A privatização não foi mencionada uma vez sequer". Para ela, "a privatização é parte da solução dessa crise. Ela não depende, na maioria dos casos, de apoio do Legislativo. Apenas da vontade política do Poder Executivo".

Após passar um período de esquecimento, ela até tenta se jactar dos seus feitos no desastroso reinado de FHC. Vaidosa, ela se gaba do "sucesso" do Programa Nacional de Desestatização. Só não diz que parte do patrimônio público foi vendida a preço de banana - é só lembrar da entrega da Vale - e que, mesmo assim, o país ficou de joelhos por três vezes diante do FMI e quase quebrou totalmente. FHC e Landau, entre outros privatistas e entreguistas, foram escorraçados do governo pelo voto popular. Agora, eles desejam voltar ao poder através de um golpe para concluir o serviço sujo da privatização.

"A crise abre oportunidade para nova rodada de privatizações... A lista de ativos federais, estaduais e municipais a serem vendidos pode e deve ser ampliada. Há oportunidades na área de distribuição de gás, transportes e saneamento. A quantidade de empresas e o montante de recursos a serem arrecadados é grande. Some-se ainda o plano de desinvestimento da Petrobras e os valores duplicam. O PND (Plano Nacional de Desestatização) precisa sair de sua longa hibernação e o BNDES deve recuperar sua vocação para coordenar o projeto de desestatização nacional, com lei específica e regras claras. A gravidade da crise não permite tergiversação", conclui a economista neoliberal.


*****


Leia também:

- As mulas-sem-cabeça de Aécio e Marina

- Daniel Dantas, o símbolo da privataria

- A "privataria tucana" será investigada?

- A "privataria tucana" e o silêncio da mídia

- Os paraísos fiscais e a "privataria tucana"

- Para entender a "privataria tucana"

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

conheço gentes que quase gritam assim


“Matem estes filhos da puta que eu arquivarei o inquérito”




POR FERNANDO BRITO · 16/09/2015




“Alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial”.



O autor desta “pérola”, Rogério Leão Zagallo, é membro do Ministério Público de São Paulo e é ele, como revelam hoje os repórteres Rogério Pagnan e Lucas Ferraz, da Folha, quem “será [o] responsável pela investigação dos PMs suspeitos de terem assassinado duas pessoas já rendidas na zona oeste da capital paulista“.



Inacreditável.


Mesmo que tivesse sido um “chilique” de engarrafamento, não é algo que se possa admitir em quem tem obrigação de zelar pelo cumprimento da lei.


Seria como um médico dizer que se “fulano fosse meu paciente eu cortaria suas tripas na mesa de operação”.


Mas isso não é tudo.


Em 2011, recorda a reportagem, aconselhou um policial civil que, para evitar um assalto, tinha baleado e matado um dos dois ladrões que “melhorasse sua mira” para matar logo os dois.


Não importa, a não ser para lamentar, quais sejam as convicções íntimas doentias do sr. Zagallo,mas é impossível que alguém capaz de expressar assim o seu “desejo de matar”não apenas criminosos, mas até mesmo manifestantes que lhe causaram um dissabor possa atuar como promotor de Justiça (?!?) e muito menos quando isso envolve o assassinato de bandidos já rendidos por policiais.



Não é possível que o espírito corporativo do Ministério Público faça a instituição tolerar este absurdo, em nome de sua independência.


E mais: é impossível que uma instituição, qualquer uma, tenha o poder de ser a única fiscal de si mesma, ainda mais quando como é, hoje, o Ministério Público, que tem o “direito” onipotente sobre toda a vida brasileira.


Porque – e qualquer um que trabalhe no campo do Direito e da Justiça sabe disso – trabalham em “dobradinha” (inclusive corporativa e salarial) com os juízes, e desgraçar-se com um promotor é quase escrever sua própria sentença.


Infelizmente não é só ao Dr. Zagallo que este país está tendo de engolir.

Elegemos políticos patrocinados por empresas, óbvio que eles vão politicar para as empresas!


Filho de pedreiro com catadora vira doutor


Conversa Afiada
publicado 15/09/2015



É por isso que a Casa Grande tá aflita: não tem mais escravo




"Tinha dias em que eu não tinha sequer o dinheiro da passagem de ônibus"


No Uol:



Filho de pedreiro e catadora se forma em direito e homenageia pais no PI




Filho de pedreiro e de catadora de castanhas, o estudante de direito Ismael do Nascimento Silva, 25, emocionou quem estava presente na colação de grau dele ocorrida em Teresina (PI), na noite da última sexta-feira (11). O jovem subiu no tablado da área de entrega do diploma carregando um banner destacando a origem humilde da família. "O filho do pedreiro com a catadora de castanhas também venceu", dizia a faixa com a hastag #MeusPaisMeusHeróis.

A história de superação de Silva ganhou as redes sociais no fim de semana com a divulgação das fotos da formatura pela empresa que registrou as imagens. A fotografia dele com a faixa está com centenas de compartilhamentos e mensagens parabenizando-o pela conquista.

(...)

"Meus pais me deram oportunidade para que eu conseguisse me formar em direito. Apesar de não terem condições, me deram assistência financeira para me manter no curso. Os dois entraram na colação de grau comigo porque são meus maiores exemplos de humildade, honestidade, dedicação e amor", afirmou o novo advogado.

A mãe dele cursou até o 3º ano do ensino fundamental e o pai até o 1º ano do ensino médio. Silva é o primeiro da família a concluir um curso superior. "Eles estão muito orgulhosos e eu também porque passei no exame da OAB quando estava no 9º período." No dia 11 de agosto, ele recebeu a carteira da ordem para poder exercer a profissão já depois da formatura.

"Minha vida não foi fácil. Aos 10 anos comecei a trabalhar para ajudar a minha mãe, pois meus pais são separados. Vendi 'sacolé', espetinho de carne, milho cozido. As dificuldades financeiras me incentivaram a estudar. Estou na metade do meu projeto de vida ainda, com essa formatura, mas ainda quero passar num concurso público para ter estabilidade e organizar a vida financeira da minha família", contou Silva.

Ele cursou direito em uma faculdade particular em Teresina como bolsista do Prouni (Programa Universidade para Todos), do Ministério da Educação. Para pagar o transporte, os livros e demais materiais durante o curso, o estudante conseguiu uma vaga como instrutor de Badminton num clube próximo à faculdade.

"Tinha dias em que eu não tinha sequer o dinheiro da passagem de ônibus. Como eu saía cedo da manhã para estudar na biblioteca, já ficava para as aulas do curso à tarde. Ficava sem me alimentar até chegar em casa à noite. No segundo ano, a dona da cantina soube da minha história e eu passei a almoçar de graça. Além da minha força de vontade, sempre tive pessoas que me ajudaram, como meus pais, os colegas da turma, professores e anjos que iam surgindo a cada vez que aparecia algum obstáculo", conta o advogado.

(...)



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O PT tem culpa nisso.


Impeachment hoje serve a corruptores e corruptos, diz sociólogo




13/09/2015



Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. Foto de Zô Guimarães / Folhapress.



Eleonora de Lucena, via Folha online em 26/4/2015


A Operação Lava-Jato está expondo o coração do capitalismo brasileiro, que é inteiramente corrupto. Ela fere interesses empresariais e políticos que usam o Estado em seu benefício. Quem defende o impeachment hoje quer que essa limpeza acabe. Por isso, o impeachment serve aos corruptores e corruptos.

A visão é do sociólogo Adalberto Cardoso, 53 anos, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Para ele, é ingenuidade não identificar interesses externos na crise política.
“O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras: grandes companhias de petróleo, agentes nacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobras da exploração de petróleo”, diz.

Doutor pela USP, Cardoso afirma que o projeto sobre terceirização leva as relações de trabalho para o século 19. Na sua análise, as mobilizações da semana passada mudaram a qualidade do debate sobre o tema, e votar a favor da mudança na CLT é suicídio político.

Autor de dez livros – dentre eles A construção da sociedade do trabalho no Brasil(FGV, 2010) e Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro (FGV, 2013) –, ele avalia que o projeto sofrerá mudanças. A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone desde o Rio.

Como o senhor avalia os desdobramentos da crise política após a prisão do tesoureiro do PT?
O combate à corrupção é necessário. A corrupção é uma prática empresarial antiga no Brasil, basta lembrar dos usineiros. O que vivemos hoje é parte de um processo de limpeza e, espero, de correção dessa herança histórica de conluio entre o público e o privado. As elites e vários agentes sociais não sabem separar o púbico e o privado. O Estado sempre funcionou a serviço das elites econômicas. Quando há um amplo combate à corrupção, o potencial de crise é muito grande. O que a Lava-Jato está expondo é a forma como o capitalismo se organiza no Brasil. O capitalismo no Brasil é constituído de forças com capacidade de corromper os poderes públicos para que a sua atividade possa caminhar sem problemas. Há uma burocracia infernal, os custos operacionais são grandes. A cada passo a empresa tromba com uma agência estatal. Aí corrompe essa agência para que sua atividade possa continuar. É a maneira mais fácil e rápida. Existe uma simbiose muito grande entre agências estatais e grandes corporações e grupos econômicos, que usam o Estado como agente seu.
A Lava-Jato está mexendo com profundos interesses empresariais e políticos. Aqueles que estão clamando pelo impeachment estão querendo impedir que essa limpeza continue. O impeachment hoje serve aos corruptores e aos corruptos. A história recente mostra que há um certo viés na ação anticorrupção, principalmente no Paraná. Só petista ou próximo ao PT vai para cadeia. Há uma profunda revisão do que é o nosso capitalismo e o agente desse processo é o governo. Nenhum outro governo jamais fez isso. Está agindo sobre o coração do capitalismo brasileiro, que é inteiramente corrupto. É essa imbricação entre o público e o privado que está sendo desvendada hoje. Infelizmente, pelo viés antigovernista dos agentes da PF, não se investigou nada da época do FHC. Por um viés da radicalização política, está se colocando na cadeia membros do PT. Esse processo vai ter um impacto de longo prazo no partido.

Como o senhor analisa as posições que apontam interesses externos nesse ambiente, especialmente em relação à Petrobras e ao pré-sal?
Seria ingenuidade imaginar que não há interesses internacionais envolvidos nessa questão. Trata-se da segunda maior jazida do planeta. Existem interesses geopolíticos de norte-americanos, russos, venezuelanos, árabes. Só haveria mudança na Petrobras se houvesse nova eleição e o PSDB ganhasse de novo. Nesse caso, se acabaria o monopólio de exploração, as regras mudariam. O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras: grandes companhias de petróleo, agentes nacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobras da exploração de petróleo. Parte desses agentes quer tirar Dilma. Esse tema vai voltar como o mais importante da eleição de 2018.

Há uma ação coordenada vinda de fora?
Não acho. Não acredito em teorias internacionais da conspiração. Mas não há dúvida que há financiadores desses movimentos de direita que chamam as pessoas para rua. As faixas têm a mesma tinta, mesmos dizeres, as camisetas são iguais, os enfeites. Alguém está bancando. Interessa a determinadas forças internacionais a desestabilização política do Brasil. O petróleo é um ativo num ambiente altamente explosivo, um recurso importante de poder. O Brasil está se tornando independente em petróleo. Daqui a pouco, será exportador. É obvio que os EUA estão olhando para isso. Não tem como não estar.

Como o senhor analisa a ação do Congresso?
Eduardo Cunha está agindo como manda Maquiavel: fazendo maldades de uma vez. Em parte porque não sabe se há sustentabilidade para essa agenda que resolveu abrir: redução da maioridade penal, terceirização, armas.

Mas os protestos na semana passada contra o projeto de terceirização não provocaram um recuo, com o adiamento da votação?
Eduardo Cunha percebeu que cometeu um erro no caso da terceirização. Uma coisa é tirar da gaveta temas conservadores da agenda dos costumes – proibição do aborto, redução da maioridade penal. É diferente de mexer em direito das pessoas, principalmente no direito do trabalho. A CLT, que tem 72 anos, faz parte do que o Brasil é. Foi uma conquista dos trabalhadores, fruto de lutas, greves ao longo de décadas. Os trabalhadores nascem sabendo que terão direito. Cunha tocou num ponto muito sensível de uma maneira muito atabalhoada e gerou a reação que gerou.

Por que houve recuo no amplo apoio recuo ao projeto?
É um suicídio político para qualquer partido [apoiar o projeto]. No caso do PMDB é mais grave porque ele foi o patrono da Constituição de 1988. O projeto da terceirização é um tiro no peito da Constituição de 88, pois destrói direitos sociais e do trabalho no Brasil. O custo para os partidos será muito alto se isso passar e isso foi percebido. Paulo Pereira da Silva deu um tiro na cabeça com esse projeto.

Com as manifestações da última quarta o projeto tem menos chance de passar?
Não tenho dúvida. Houve uma mudança na qualidade do debate. A sociedade reagiu ao projeto. A CUT, os sindicatos e partidos conseguiram botar mais gente na rua no que nos protestos de 12 de março. Os políticos que não levarem isso em consideração estão dando um tiro no pé.

Essa mobilização pode virar o jogo e galvanizar a esquerda?
No parlamento, essa é uma possibilidade real. Não sei se uma reentrada no debate das posições de esquerda. Existe a possibilidade de pacificação no parlamento, principalmente na Câmara. O presidente do Senado disse que a lei como está não passa na casa. O PMDB não é só o que se diz na mídia. É um partido de alguma maneira comprometido com as causas sociais. Ele, em parte, herdou a história da luta contra a ditadura e da construção da democracia. Ainda que dois de seus líderes estejam sob investigação judicial, não quer dizer que o partido tenha abdicado inteiramente da sua história de apoio às lutas sociais. Abrir mão disso é um risco muito alto para esse partido também. Outros movimentos por parte de Dilma, como chamar Michel Temer e flexibilizar o ajuste fiscal, podem ajudar na pacificação. Não vai pacificar Cunha, que tem uma agenda conservadora do lado dos costumes e vai continuar tentando implementá-la.

O projeto da terceirização vai fracassar?
Metade da Câmara é composta por empresários, que apoiam o projeto e têm muito a ganhar com ele, sem exceção. Ele precariza as relações de trabalho e gera redução de custos. Vai haver uma pressão muito grande por parte do lobby empresarial e financeiro. Mas haverá também povo na rua fazendo barulho. Político preocupado com sua sobrevivência ouve a rua. Político preocupado com sua reeleição ouve quem paga a campanha. Isso vai criar uma tensão séria no Congresso. Suspeito que vai haver uma amenização do projeto, mas não acho que a questão da terceirização foi para o brejo. Foi para o brejo tal como está. A regulamentação da contratação de terceiros vai passar com algum outro formato. Esse formato do atual projeto leva as relações de trabalho no Brasil para o século 19, um momento na história do mundo ocidental que não havia proteção para o trabalhador.

A presidente deveria ter anunciado que vetará o projeto?
Ela já deveria ter feito isso.

Por que não o fez? Faz pare da guinada da presidente?
Não chamaria de guinada. Muitos se esquecem das maquiagens feitas nos anos anteriores. A contabilidade criativa foi aceita pelos agentes econômicos porque eles estavam ganhando com isso. O governo estava emprestando muito dinheiro via BNDES, injetando muitos recursos na economia para ver se estimulava o investimento. Desonerou a folha de pagamento e deu subsídio a empresas. O governo perdeu R$28 bilhões por conta da desoneração da folha. Isso significou a transferência líquida de R$28 bilhões da mão do Tesouro para as empresas. O déficit gerado nas contas foi para sustentar a economia e transferir recursos públicos para o empresariado. Para ver se investiam; nem assim investiram. As empresas entesouraram o dinheiro, aplicaram no mercado financeiro e ficaram esperando para ver se ela iria perder a eleição. O que o Joaquim Levy fez foi acabar com a maquiagem das contas públicas. O ajuste era inevitável.

A presidente não fala sobre terceirização para não se indispor com o empresariado?
Não acho. Ela sabe que, em alguns setores da economia, o trabalho terceirizado dá mais eficiência e pode ser necessário. O que é inaceitável – e deveria ser inaceitável para um governo do PT – é a terceirização das atividades fim. Há um ponto central. Um artigo no fim do projeto anistia os empresários que hoje estão em situação ilegal. Ficam anistiados todos que hoje contratam ilegalmente mão de obra terceirizada, inclusive os que têm trabalho escravo. Se o projeto for aprovado, no dia seguinte esses contratos vão ser rescindidos sem que os contratados tenham direito a qualquer tipo de recurso. Isso é um descalabro tão claro que qualquer um diz que o projeto está querendo destruir o Brasil. Dilma deve ter claro que o projeto como esta é inaceitável. No meu mundo ideal, não haveria terceirização. Haveria proteção do trabalhador, e os empresários que busquem redução de custos em outro lugar. Não naqueles que produzem a riqueza, que são os trabalhadores.

Como explicar a queda abrupta na aprovação da presidente?
O ajuste fiscal é profundo, mas ainda não atingiu o cotidiano das pessoas. O que atingiu foi a inflação e a queda na popularidade tem mais a ver com isso e com a construção de um ambiente político que diz que o Brasil acabou. Estrangeiros que chegam aqui não entendem esse clima de fim de mundo. A população não é imune a esse tipo de propaganda.

Qual a responsabilidade no governo nesse quadro?
Existe uma incapacidade de liderança política do governo, que poderia estar tentando liderar a construção de uma visão alternativa. Mas hoje, nesse ambiente de fim de mundo, a possibilidade de fazer isso é muito pequena. Tudo a Dilma diz cai nesse ambiente e é triturado. A voz dela não é ouvida. Se fala em petralhas, ladrões, esse é o clima. A mídia tem uma importância brutal e central nisso. O clima pós-eleitoral ainda não acabou e a oposição ainda não aceitou que perdeu a eleição.

Como o senhor analisa o futuro do PT?
Tudo vai depender do que vai acontecer nos próximos meses. Se a questão do impeachment evoluir – o que não considero o cenário mais provável – o PT vai sofrer um revés que levará anos para se refazer. Há um outro cenário de sangramento contínuo de Dilma, com ela ficando totalmente submissa ao Congresso, um esvaziamento da presidência. O cenário mais provável é de uma crise este ano, estabilização em 2016, retomada em 2017 e o Brasil chegar bombando em 2018, como aconteceu em 2010. Isso com o ajuste produzindo os efeitos que os economistas dizem que ele vai produzir: mudança da expectativa dos empresários, retomada de investimentos pelo Estado, mais infraestrutura, retomada do emprego, de melhoria dos salários, inflação mais controlada. Um governo mais bem avaliado, com possibilidade de fazer sucessor.

Com Lula?
A tentativa hoje é destruir o governo, o PT e o Lula. Destruir essa alternativa eleitoral. O que está em jogo no país é um processo de desconstrução de uma alternativa eleitoral de esquerda. Querem destruir o PT como alternativa de poder no Brasil. O PT paga um preço alto por fazer o que os partidos de esquerda fazem: distribuição de renda, melhoria de vida para os mais pobres, redução da desigualdade social. Uma parte do Brasil está reagindo de forma muito pesada contra isso. São empresários, os que votaram na oposição e não aceitam o resultado eleitoral, a imprensa.

O PT não agiu contra si próprio?
O PT tem culpa nisso. Isso decorre dos paradoxos do sucesso de qualquer organização que chega ao poder central. PT foi efetivo ao dar ao capitalismo condições mais dignas de funcionamento, proporcionando melhores condições de vida para as pessoas. O PT nunca foi partido revolucionário.

A liderança de Lula foi abalada?
Ninguém está imune ao processo de desconstrução. Mas Lula é o Lula. Hoje ele sofre as consequências do desassoreamento do projeto político do PT em função da crise econômica e política. Se cenário da retomada se concretizar, Lula pode voltar a ser o que era. Ele estará no segundo turno de qualquer eleição e tem muito o que mostrar. Se for candidato, é um dos mais fortes em 2018. A única alternativa da oposição é continuar batendo no impeachment.

Qual sua visão sobre Aécio?
Aécio voltou com a agenda do impeachment, que parte do PSDB estava abandonando, por duas razões. Primeiro, porque Eduardo Cunha tomou a dianteira da agenda da oposição e de direita de maneira muito eficiente nos últimos meses. Em segundo lugar, porque os que foram às ruas no domingo começaram a chamar Aécio de “cagão”, porque ele não vinha [às ruas]. A única bandeira que ele tem nesse debate é a do impeachment. No PSDB já foi dito que eles não podem cometer o mesmo erro de 2005, quando não levaram adiante o processo. Estão escaldados. Perderam em 2006 e em 2010. Acharam que o Lula iria sangrar até o final, mas o Brasil voltou a crescer e o Lula saiu com 80% de aprovação. Isso pode acontecer de novo. Eles olham para traz e dizem que cometeram um erro. Dizem que Dilma não é o Lula, que o congresso não vai sustentar Dilma como sustentou Lula e querem levar até o fim esse negócio. A agenda do impeachment, que o Aécio diz que não é golpista, nesse caso é. É uma agenda de quem ainda não aceitou o resultado do processo eleitoral.

Como o senhor define esse momento historicamente. Há paralelos?
O momento é único. Comparam com Jango, mas é muito diferente. Lá havia paralisia decisória no Congresso, com uma presidência muito fraca, e com os militares sendo a força de oposição mais importante. Hoje não há isso. Não temos conspiração militar. O clima hoje é de fim de mundo em razão da corrupção. Isso matou Vargas.
É um momento de muita incerteza. É único também porque nunca tivemos instituições democráticas tão sólidas. Temos um Judiciário é autônomo como nunca tivemos, um parlamento que é representativo do que é o Brasil, que é conservador. Temos uma crise desse tamanho – com perda da capacidade do PT de liderar o centro político, com pedidos de impeachment – e ela não está desestabilizando o sistema político. Pelo contrário, a crise reforça os aspectos virtuosos da nossa democracia. Isso também é uma novidade. Antes, crises assim levavam a golpismo militar. Agora se tem golpismo, mas institucional.
Nesse ambiente contaminado, o PT e a esquerda perderam a capacidade de liderar o centro. Lula conseguiu fazer isso. Dilma o fez até 2013, quando ela perdeu o centro, capturado pela direita. Cunha puxou o centro para o seu lado.

Como chegamos até aqui?
Essa situação de radicalização decorre, em parte, decorre de um processo mais longo de desgaste, não só eleitoral, mas da capacidade de condução política do PT. Começou há mais tempo, mas os movimentos de junho de 2013 são emblemáticos e mudaram a pauta do Brasil. Até ali, o governo tinha uma aprovação acachapante e o controle da agenda política. O caldeirão continuou fervendo em 2013 e 2014 e explodiu na eleição. Os temas continuaram se radicalizando nas redes sociais. O caminho do meio, de conciliação de políticas contrárias, foi perdido.

Por quê?
As mídias sociais permitem um certo tipo de radicalização que na esfera política não tinha como prosperar no Brasil. As mídias sociais e a imprensa abdicaram da construção de um caminho do meio, tomaram partido, e isso ajudou no processo de radicalização. O governo foi se sentindo mais acuado; suas forças de apoio também radicalizaram suas posições, o que levou a uma campanha eleitoral muito radicalizada. Não esperava que a agressividade de ambos os lados chegasse ao nível que chegou, de ameaças à própria democracia. Foi exagerada a forma como a campanha de Dilma destruiu a Marina. Aécio também fez uma campanha radicalizada para a direita, porque o centro foi ocupado pela Marina. Chegamos a 1º de janeiro saídos de uma campanha eleitoral muito sangrenta. O Congresso foi impondo à Dilma seguidas e grandes derrotas. A primeira foi a eleição de Eduardo Cunha, um inimigo declarado do PT.

Amém. E você vai deixar... só pra gritar contra os cumpanhero! Amém!


Duvivier fez a análise mais lúcida do momento que vive o país. 




Por Paulo Nogueira





Postado em 13 set 2015
por : Paulo Nogueira





Bingo

Você vê Lobão, Gentili, Fábio Júnior e pensa em perder a fé na capacidade de reflexão da classe artística.


Mas aí você vê Gregório Duvivier e volta a acreditar nos artistas.

A entrevista que Duvivier concedeu a uma emissora portuguesa em Lisboa é uma das mais luminosas análises da cena política contemporânea nacional.

A frase chave é esta: os caras querem tirar Dilma para poderem continuar a roubar.

A não ser que você acredite nos bons propósitos de figuras como Eduardo Cunha, Caiado e, como bem notou Duvivier, Aécio.

Aécio deveria explicar o aeroporto privado que construiu, ou as verbas públicas que alocou para rádios suas quando governador de Minas, e em vez disso fala com a maior cara de pau em combater a corrupção.

Atenção.

As pessoas que mais falam em corrupção são, em geral, as almas mais corrompidas.

No Brasil, o foco de espertalhões em corrupção desvia o debate do verdadeiro câncer nacional: a desigualdade.

Duvivier usou, com graça irreverente, uma sentença que todos deveríamos ter em mente. Limpar a corrupção com os pseudocampeões da moralidade que estão aí é como “limpar o chão com bosta”.

Um caso exemplar é o de Agripino Maia, presidente do DEM.

Enroscadíssimo num caso em que é acusado de achacar um empresário, ele consegue comparecer, como se tivesse a ficha mais limpa do mundo, a protestos anticorrupção.

Isto se chama tratar os brasileiros como se fossem imbecis.

A entrevista de Duvivier em Portugal é um magnífico contraponto a toda a canalhice cínica que marca o movimento pró-impeachment. Os políticos que o lideram se batem, todos eles, pela manutenção do financiamento privado às campanhas, sabidamente o maior foco de corrupção que existe, e a maneira como a plutocracia toma de assalto a democracia.

As críticas que Duvivier faz ao PT não são poucas, e são justíssimas.

O PT fez muito menos pelos índios do que deveria fazer. Na questão ambiental, deixou também muito a desejar.

Mexeu muito pouco na estrutura abjeta da política brasileira ao se ídedicar a acordos lastimáveis em nome da governabilidade.

Mas não é nenhuma dessas questões que comove os defensores do impeachment.

O que eles querem, como disse Duvivier, é poder meter a mão em paz, como sempre fizeram.




Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

domingo, 13 de setembro de 2015

O Código de Ética da Magistratura


Lewandowski denuncia o despudor de Gilmar e Moro


Juiz político é uma ameaça à Democracia.








Lewandowski: "o protagonismo extra-muros pode cercear direitos fundamentais"



O Conversa Afiada reproduz antológico artigo do presidente do Supremo Tribunal Federal.

O Conversa Afiada o interpreta como uma crítica explícita à despudorada atuação político/partidária do ministro (sic) Gilmar, que se reúne com dois parlamentares (sic)ameaçados de ir para cadeira para tramar o impítim; e do Juiz da Vara de Guantánamo, que se assemelha aos juízes do regime nazista, pretende "provocar abalos na economia", e "desestabilizar as instituições" com a proposta de criminalizar APENAS e EXCLUSIVAMENTE os supostos corruptos que estão num ÚNICO lado do espectro político !

Viva Lewandowski !

Chega !

Já que o Governo e seu Ministro (sic) da Justiça são seres inanimados ...





Judicatura e dever de recato



Entre juízes, posturas ideológicas são repudiadas pela comunidade jurídica e pela opinião pública, que vê nelas um risco à democracia


RICARDO LEWANDOWSKI


É antigo nos meios forenses o adágio segundo o qual juiz só fala nos autos. A circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram –e continuam sendo– vistos com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados.

A verbosidade de integrantes do Poder Judiciário, fora dos lindes processuais, de há muito é tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a função exige.

O recato, a moderação e mesmo a modéstia são virtudes que a sociedade espera dessa categoria especial de servidores públicos aos quais atribuiu o grave múnus de decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio e a reputação das pessoas, conferindo-lhes as prerrogativas constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos para que possam exercê-lo com total independência.

O Código de Ética da Magistratura, consubstanciado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, consigna, logo em seu artigo 1º, que os juízes devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro.

A incontinência verbal pode configurar desde uma simples falta disciplinar até um ilícito criminal, apenada, em casos extremos, com a perda do cargo, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A Lei Complementar nº 35, de 1979, estabelece, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério".

O prejulgamento de uma causa ou a manifestação extemporânea de inclinação subjetiva acerca de decisão futura, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil, caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes.

Por mais poder que detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do sopro legitimador do sufrágio popular. E, embora não sejam meros aplicadores mecânicos da lei, dada a ampla discricionariedade que possuem para interpretá-la, não lhes é dado inovar no ordenamento jurídico.

Tampouco é permitido que proponham alterações legislativas, sugiram medidas administrativas ou alvitrem mudanças nos costumes, salvo se o fizerem em sede estritamente acadêmica ou como integrantes de comissões técnicas.

Em países civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto, secreto e universal e periódico. Essa vedação encontra-se no artigo 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição.

Com isso, não só se impede sua filiação a partidos como também que expressem publicamente as respectivas preferências políticas. Tal interdição mostra-se ainda mais acertada porque os magistrados desempenham, ao par de suas relevantes atribuições, a delicada tarefa de arbitrar disputas eleitorais.

O protagonismo extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nefasto quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda que inspirado na melhor das intenções.

Por isso, posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia.

RICARDO LEWANDOWSKI, 67, professor titular da Faculdade de Direito da USP, é presidente do STF - Supremo Tribunal Federal e do CNJ - Conselho Nacional de Justiça

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

a estratégia de retardar


Sartori prioriza aumento do ICMS e não tem pressa para ampliar uso de depósitos judiciais



SUL 21



Sala da Comissão de Constituição e Justiça ficou lotada de servidores públicos que pediram a retirada dos projetos da Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual e da extinção de fundações. (Foto: Marcos Eifler – Agência ALRS)



Marco Weissheimer


A base aliada do governo José Ivo Sartori (PMDB) na Assembleia Legislativa iniciou a semana colocando em prática a estratégia de retardar a votação do projeto que prevê a ampliação do uso de depósitos judiciais de 85% para 95%, que liberaria recursos no curto prazo para o pagamento do salário dos servidores públicos. A orientação do governo de só votar esse projeto junto com o que propõe aumento do ICMS voltou a despertar críticas da oposição nesta terça-feira, na retomada dos trabalhos legislativos após o feriado de 7 de setembro. Pelas contas do governo, o desgaste político gerado pelo parcelamento e atraso no pagamento do salário do funcionalismo seria compensado pela aprovação do projeto de aumento de impostos, que resultaria em recursos para os próximos três anos de governo.

“Nós votaríamos hoje esse projeto, permitindo que imediatamente os salários dos servidores fossem colocados em dia. Mas em vez disso, vamos discutir um projeto que fala sobre a qualificação e reorganização do Estado, uma proposta completamente vazia, enquanto os servidores continuam sofrendo”, disse o líder do PSOL na Assembleia, deputado Pedro Ruas, criticando as escolhas do governo e de sua base aliada. O parlamentar classificou a intenção do governo de querer fazer a “venda casada” de dois projetos de lei como uma “chantagem inaceitável” que afronta os servidores públicos e suas famílias.

Segundo estimativa da Casa Civil do governo do Estado, 13 projetos do pacote de ajuste fiscal do Executivo começam a trancar a pauta de votações da Assembleia Legislativa a partir desta semana. Inicialmente, seriam 16 projetos que poderiam trancar a pauta da Assembleia, mas o governo retirou na semana passada o regime de urgência do PL 300/2015, que trata da extinção da Fundação Zoobotânica, do PL 208/2015, que autoriza o Banrisul a criar estrutura societária para atuar no ramo de distribuição de seguros, previdência aberta e capitalização, e do PL 214/2015, sobre a revisão de benefícios fiscais.

Na sessão desta terça, a Assembleia aprovou o Projeto de Lei 251/2015 que trata da reorganização administrativa de órgãos e secretarias de Estado, com o objetivo de “qualificar a gestão em busca do equilíbrio fiscal”, forme justificativa apresentada pelo Executivo. Por outro lado, foi rejeitado, por 26 votos a 14, o projeto do deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), que tratava da convocação de suplente de deputada, na hipótese de licença maternidade superior a 120 dias.


Presidente do TJ quer mais debate sobre Previdência complementar

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, José Aquino Flôres de Camargo, manifestou preocupação nesta terça, com o pedido de urgência do Projeto de Lei Complementar n° 303/2015, de autoria do Executivo, que propõe a criação de regime de previdência complementar para os servidores públicos. O desembargador defendeu a necessidade de debater esse tema com mais profundidade “já que essas mudanças vão pautar a vida de muitas pessoas e terão reflexos sobre a própria estrutura dos poderes e instituições”. Aquino também pediu mais debate sobre a proposta de criação da Lei de Responsabilidade Fiscal estadual, levantando dúvidas inclusive sobre a constitucionalidade da proposta. “Esse assunto precisa ser discutido, também, de forma muito séria”, disse o desembargador durante encontro com parlamentares.


Pedido de vistas adia apreciação do PLC 206

Pela manhã, um pedido de vistas feito pelo deputado Jorge Pozzobom (PSDB) adiou a apreciação do Projeto de Lei Complementar 206/2015, na reunião ordinária da Comissão de Constituição e Justiça. Com a sala da comissão lotada de servidores públicos que pediam a retirada do projeto, o relator do mesmo, deputado Gabriel Souza (PMDB) fez a leitura de seu parecer favorável à proposta do governo de criar uma Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual.

Na sessão plenária, à tarde, a deputada Stela Farias (PT) criticou o projeto que institui a Lei de Responsabilidade Fiscal estadual, assinalando que a proposta “reduz a atuação do Estado ao gerencialismo financeiro, impedindo a implantação de políticas públicas por administrações futuras e condenando o funcionalismo ao arrocho salarial. “Os mecanismos prudenciais que o Executivo quer implantar diminuem as funções públicas, engessam a administração e colocam em risco os direitos dos servidores, como as progressões funcionais, o pagamento de horas extras e planos de carreira do funcionalismo”, disse a deputada.