Globo e Teixeira.
Dependência mútua
Conversa Afiada
O Conversa Afiada reproduz entrevista do professor Luiz Gonzaga Belluzzo, que presidiu o Palmeiras:
Belluzzo: Globo e Teixeira viveram relação de mútua dependência
Nesta entrevista em que comenta a queda do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, e as mudanças que podem ocorrer no esporte a partir de agora, o ex-presidente do Palmeiras Luiz Gonzaga Belluzzo diz que a TV Globo manteve uma relação forte com o ex-mandatário para não correr o risco de perder o principal item de sua programação. “O problema são todos esses interesses privados, que não levam em conta o interesse público”, afirma o economista.
Marcel Gomes
São Paulo – Ex-presidente do Palmeiras (2009/10) e um apaixonado pelo futebol, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo se encontrou apenas duas vezes com o ex-mandatário da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, que renunciou nesta segunda-feira (12).
O ano era 2010 e ocorria a eleição para o comando do Clube dos 13, entidade que representa as mais importantes equipes do país. Teixeira articulava a candidatura do ex-presidente do Flamengo, Kléber Leite, contra Fábio Koff. Na ocasião, Belluzzo “trombou” com o então comandante da CBF.
“Eu defendi que a entidade dos clubes precisava ser autônoma, e não vinculada à CBF”, lembra ele. No fim, Koff venceu, mas o Clube dos 13 saiu enfraquecido. Era cada vez mais previsível o racha, que acabou ocorrendo em 2011, na disputa pelo dinheiro do futebol pago pela TV Globo.
Nesta entrevista à Carta Maior, Belluzzo diz que espera por mudanças no futebol brasileiro, mas afirma que dificilmente elas virão dos clubes, verdadeiras “casamatas que reúnem os interesses mais díspares, dos maiores aos mais mesquinhos.
Carta Maior – Quem foi Ricardo Teixeira para o futebol brasileiro?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Para entender o papel dele precisamos voltar no tempo, até a eleição de João Havelange na Fifa, em 1974, quando ele substituiu Stanley Rous. A partir dali houve uma mudança importante na administração do futebol, na relação com os patrocinadores. A direção do futebol deixou de ser feita de maneira amadora e se tornou um grande negócio, sobretudo para a área de marketing, que aproveitou o fato de o esporte ter se tornado uma impressionante manifestação de massa. Esse processo tomou corpo nos anos 80 e se acentuou nos 90.
CM – Foi essa transformação que ocorreu no Brasil em 1989, com a eleição de Ricardo Teixeira para a CBF?
LGB – Exatamente. O futebol se tornou um grande centro de negócios, legais e ilegais, e atraiu aventureiros interessados em ganhar dinheiro. Os escândalos começaram aí, e não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Se você deixa a lógica do dinheiro dominar, precisa tomar cuidado para não perder a natureza da atividade. Esse é o problema do futebol, o mais interessante de todos os esportes quando é bem jogado.
CM – Isso afetou o esporte dentro de campo?
LGB – No Brasil e em todo o mundo. Houve o caso da Copa do Mundo na França, em 1998, quando a Nike teria se envolvido na escalação de Ronaldo no jogo final. E o campeonato brasileiro de 2005, com a questão das apostas e a manipulação de resultados.
CM – Ricardo Teixeira sempre dependeu muito de sua relação com a TV Globo, não?
LGB – Era uma relação muito forte, de mútua dependência. A Globo tem o futebol como o principal item de sua programação, então seria muito complicado ficar sem ele. O problema são todos esses interesses privados, que não levam em conta o interesse público.
CM – O futebol é um bem material e imaterial da cultura brasileira. Sua gestão não teria de ser mais pública?
LGB – Você tem razão. Os clubes de futebol são entidades semipúblicas, responsáveis por um esporte que interessa a todos os brasileiros. Uma mudança de gestão, porém, teria de passar por uma mudança da organização desses clubes. Mas isso é muito difícil, porque eles são controlados por oligarquias que não querem que algo mude. Falo por experiência própria, como ex-presidente do Palmeiras. Os clubes são casamatas que reúnem os interesses mais díspares, dos maiores aos mais mesquinhos.
CM – É difícil que a democratização venha debaixo?
LGB – Muito difícil. Sem uma regulação geral, os clubes têm se enfiado nas mais complicadas negociações financeiras. Se sou presidente do Palmeiras e o Corinthians gasta muito com um jogador, eu tenho de fazer o mesmo. Veja o caso do Flamengo, que está em uma situação difícil e, mesmo assim, segue contratando jogador. Países como Alemanha e França já criaram regulações coletivas para fazer o controle financeiro do clube, impor teto de endividamento e levá-los a segunda divisão se eles quebrarem. Precisamos de algo similar aqui.
CM – O senhor discutiu alguma vez esses assuntos com Ricardo Teixeira?
LGB – Eu me encontrei com ele apenas duas vezes, uma em São Paulo e outra no Rio, quando havia a eleição do Clube dos 13 em 2010. Ele articulou a candidatura do Kleber Leite contra o Fábio Koff, mas felizmente os clubes barraram. Venceu o Koff. Naquela época, eu defendi que a entidade dos clubes precisava ser autônoma, e não vinculada à CBF.
CM – E a CBF sem Ricardo Teixeira? Muda algo?
LGB – A CBF é um pote de ouro, uma arca perdida que todo mundo quer. Minha esperança é que surja alguém mais isento. Mas é difícil, porque a eleição depende dos presidentes das federações. E aí é um jogo de compromissos.
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