Entrevista de Pilar del Río na TVI 24
É uma grande entrevista e não por durar cerca de 50 minutos, mas pelo sumo, pelos temas, pelas declarações. Pela primeira vez desde a morte de José Saramago, Pilar del Rio decidiu conversar com uma jornalista à frente das câmaras de televisão. O resultado foi transmitido no dia 14 de Setembro à noite pela TVI24 e pode ser revisto no vídeo associado a este texto.
A última mulher do escritor português fala muito de Saramago, quase só dele. Da sua personalidade, da sua obra e decisões. Mas também do futuro, da Fundação, dos objectivos e sonhos. Também fala dela própria, para dizer como foi viver com o Prémio Nobel da Literatura.
Sem fugir a nenhuma pergunta, aceitou responder à mais polémica, referente à ausência de Cavaco Silva do funeral do seu marido. Confessa que ainda bem que assim foi, porque Saramago não ia gostar.
«A mim pareceu-me bem. O Presidente sabia que Saramago não partilhava espaço com ele e não havia qualquer possibilidade de proximidade», frisou, em contraponto com o que sucedeu com Durão Barroso, quando este foi primeiro-ministro e promoveu a aproximação.
«Com Cavaco Silva isso nunca aconteceu e eu creio que Saramago merecia a ausência de Cavaco Silva. E Cavaco Silva fez bem em ficar fora. Saramago está morto e já nada o afecta. Mas Cavaco Silva nunca conheceu Saramago. Para ele, sim, pode ser uma pena. Que um homem tão íntegro, tão grande, como Saramago, passou por perto e ele não o conseguiu ver. Mas já que não o viu em vida, parece-me digno que não o faça na morte», vincou Pilar, que agradece a imagem que ficou do funeral:
«Prefiro que no dia seguinte a imagem seja milhares de pessoas a levantar os seus livros, como nunca tinha visto, do que alguém a dizer o que fazia certa pessoa ali».
Os vazios não se preenchem
Pilar já cumpriu a sua intenção e está a viver em Portugal. Também pretende obter a nacionalidade portuguesa, «por homenagem» ao marido. Agora, trata de dinamizar a Fundação, da qual é presidente. A casa de Lanzarote vai permanecer como está, embora seja retirado o espólio principal do escritor, que vai passar para a Casa dos Bicos, em Lisboa.
É aí também que repousarão as cinzas do escritor. Mais propriamente num jardim em frente, sob uma lápide com a inscrição: «Mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia». Pilar deseja que o projecto possa estar concluído a 18 de Junho, altura em que se celebrará o primeiro aniversário da morte do escritor. «Ao lado haverá um banco onde os leitores vão poder sentar-se e ver os barcos», salientou, recordando o desejo do marido.
Pilar admite que não fez o luto, porque tem estado sempre rodeada de amigos. Mas uma coisa tem a certeza, é impossível preencher o vazio da perda: «Não há nada que preencha os vazios. Quando alguém morre, essa pessoa morre, e está morta para sempre, e o que resta fazer é habituarmo-nos a viver com a ideia da morte. Da morte da pessoa que amamos e da nossa própria morte, que, por vezes nos faz desejar que seja próxima. E, outras vezes, pensamos que não, não tem de ser imediata. Os vazios nunca se preenchem, jamais, com nada, nem com droga, nem com outras pessoas, nem com subterfúgios, não se preenchem».
Dedicada a uma pessoa com quem viveu 24 anos e quatro dias, diz que nada ficou por fazer e não se arrepende de ter seguido este caminho. «Havia algum projecto mais interessante? Não encontrei desafio mais alucinante, mas grandioso e que me atraísse mais. E, hoje, continuar a viver por José Saramago continua a ser o projecto mais aliciante. Fiz uma escolha maravilhosa. Imagine que há imensos estudiosos que passam a vida a estudar um livro, um excerto, as vírgulas de determinados autores. Passam a vida inteira a estudar outros. Eu tive a possibilidade de estar com o autor. Não apenas com as suas vírgulas, mas com o autor».
Pilar fala de muito mais, dos últimos momentos de vida, da relação com Portugal e da decisão de viver em Lanzarote. Uma entrevista para sorver.
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