segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Os pobres continuam pobres. Os ricos enriquecem."

Roger Cohen: A revolta dos sem futuro

Viomundo

The Age of Outrage


By ROGER COHEN

New York Times, 13.08.2011

Agosto já foi um tempo para sonhar, para andar pelas ruas vazias da cidade, ler reportagens da temporada de não-notícias dos jornais, depois de um almoço regado a vinho Sancerre, de observar as praças onde as fontes espalham água e onde as grávidas e os da melhor idade batem papo nos bancos ao por-do-sol. Então, algo aconteceu.

O mundo acelerou. Os níveis de stress dispararam. Os momentos de folga evaporaram. Os egos se expandiram. Os aparelhos se tornaram portáteis. O dinheiro ultrapassou a política. Como escreveu Leonard Cohen: “O pobres continuam pobres. Os ricos enriquecem. É essa a toada. Todo mundo sabe”.

Exceto que todo mundo está perdido. Quando David Cameron volta das férias na Toscana (a k a Chiantishire) para a tumultuada Londres, e Nicolas Sarkozy volta da Riviera para a crise da dívida de Paris e as férias de verão somem na Europa (onde faz tempo os alemães criaram uma palavra para expressar “a angústia do tempo livre”), tudo pode acontecer.

Agosto [mês de férias no Hemisfério Norte] abortou este ano. O mês se transformou numa temporada de seriedade. As casas de praia perderam para as barricadas. Uma época de revolta se abriu diante de nós.

A fúria nas cidades britânicas veio depois de grandes protestos sociais este ano na Grécia, onde também houve violência, e na Espanha, onde dezenas de milhares acamparam em Madrid e Barcelona. Outras nações, inclusive Portugal, viram uma revolta difusa baseada numa convicção comum: as coisas não podem ficar como está. A malaise europeia não é estranha aos Estados Unidos do grande desemprego, da confusão econômica, da radicalização ideológica e das picuinhas políticas.

Os números contam parte da história. O desemprego dos jovens na União Europeia de 27 nações está pouco acima dos 20%, chegando a atingir 45,7% na Espanha. No Reino Unido, o desemprego juvenil subiu de 14% no primeiro trimestre de 2008 para 20%. Um de cada cinco jovens europeus e norte-americanos está se perguntando como conseguir qualquer tipo de carreira no mercado de trabalho. Os ingleses NEETS (fora da educação, do emprego ou do treinamento para o emprego) se encontra com os meninos-boomerang dos Estados Unidos na ansiedade da espera.

A ansiedade cresce no momento em que os governos cortam benefícios e aumentam a idade mínima para a aposentadoria, numa tentativa de lidar com crescentes déficits. A gerontocracia empregada pouco ajuda os mais jovens. Britânicos de Tottenham a Teesside assistem ao mais elitista ministério desde Macmillan cortar de tudo, das bibliotecas para os jovens a serviços de aconselhamento. Existe um “Sem Futuro” na revolta.

Uma sensação crescente nas sociedades ocidentais é de que forças incontroláveis estão trabalhando para reduzir as possibilidades. A História nunca viu uma transferência de poder tão radical quanto a atual que tenha conseguido se manter pacífica.

A Europa unida de hoje é construída sobre as cinzas de sucessivos impérios — do romano ao britânico — que terminaram com algum tipo de convulsão. Agora o quase-império americano e, mais geralmente, o domínio do Ocidente, não está terminando rapidamente, mas continuamente.

Crescimento, empregos, expansão, entusiasmo — e, sim, possibilidade — estão no grande arco não -cidental da China, passando pela Índia até a África do Sul e o Brasil. Vá para o Sul! Vá para o Leste! Esta é a palavra de ordem desta época, nem sempre praticável em Peckham ou Peoria. O mundo está de ponta-cabeças. O que estamos testemunhando é quanto as sociedades ocidentais estão chacoalhando com a guinada.

No momento em que novos poderes emergem, a globalização alterou a relação entre o capital e o trabalho em favor do primeiro. Muitos trabalhadores baratos se tornaram disponíveis fora do Ocidente no momento em que a tecnologia eliminou distâncias. Os retornos do capital se tornaram maiores em relação aos salários. Esta é a história do pós-Guerra Fria. A diferença entre os ricos e os pobres se tornou um golfo.

As únicas pessoas que sairam sem cicatrizes do grande buraco financeiro que precedeu a confusão atual foram seus principais arquitetos e beneficiários: banqueiros, financistas e os chefões dos fundos de investimento.

Isso também está alimentando um período de revoltas que deixou os políticos ocidentais caçando sombras.

Talvez a sociedade que melhor está lidando com estes dilemas é a Alemanha. Investiu em uma força de trabalho altamente educada. Criou empregos para trabalhadores qualificados. Continuou a fazer máquinas de alta precisão que outros não podem fazer. Promoveu a cooperação entre os sindicatos e os empregadores e entre os industriais e o governo em defesa dos empregos alemães. O desemprego dos jovens está abaixo de 10%.

A Alemanha não embarcou numa corrida sem fim para competir com a China, ou imaginou que as finanças ou outros serviços poderiam sustentar a sociedade, ou abandonou o treinamento, ou tentou desmantelar os sindicatos ou acreditou que os mercados tinham todas as respostas. Os cataclismas passados contribuiram para a capacidade da Alemanha de buscar o bem comum necessário para a estabilidade.

Aliás, a Alemanha também está envolvida num momento de reflexão. Está cansada dos problemas dos outros. Cansada de salvar os gregos. Pesquisas sugerem que 50% dos alemães tem pouca crença na União Europeia, o caminho adotado pelo país depois da guerra para buscar a reabilitação. A liderança alemã se tornou um oxímoro bem na hora que é necessária.

Os Estados Unidos e a Europa ocidental salvaram a Alemanha. Talvez tenha chegado a hora de pagar de volta um pouco do favor — não apenas com dinheiro, mas com ideias.

http://www.nytimes.com/2011/08/14/opinion/sunday/Cohen-age-of-outrage.html?_r=1&ref=rogercohen

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