Thalie: Um relato da ebulição estudantil no Chile
Viomundo
Os estudantes contam com o apoio de toda a população
Publicado em 21 de agosto de 2011, no Juntos, sugerido pelo David Marzagão
Neste fim de semana vivenciei duas experiências muito diferentes, mas igualmente importantes para compreender a situação que vive o Chile. Sábado à tarde fui visitar uma pequena comuna, lembre-se que este nome é sinônimo de bairro, distante do centro de Santiago, a mil metros sobre a Cordilheira dos Andes. Era aniversário de uma companheira e tiramos parte do dia para comemorá-lo. Para mim era uma oportunidade de conhecer algo diferente de reuniões, marchas, assembléias e atos.
Ao longo do caminho de quase duas horas, passamos por regiões diferentes de Santiago. Mas ao longo de todas elas haviam faixas, cartazes e bandeiras pendurados nas casas com dizeres relacionados a questão educacional ou algum tema político. Era muito comum haver faixas de pais se solidarizando com seus filhos, como por exemplo “nesta casa todos estão como nossos filhos na defesa da educação”. Este tipo de demonstração pública era algo generalizado.
Ao longo do caminho também víamos muitas escolas ocupadas. Era impressionante. Nas portas eram colocadas barricadas de carteiras para limitar o acesso. Barracas estavam armadas sinalizando que havia gente vivendo ali o tempo todo. E desde o telhado caíam faixas e bandeiras com os dizeres “colégio en toma!”. Muitos equipamentos de educação no Chile estão ocupados, desde universidades, a insitutos de línguas ou escolas.
Em Cajon Del Maipo, além da Cordilheira belíssima repleta de neve, havia muitas pichações em defesa da educação pública e gratuita. Mas me deparei com uma coisa chocante. Meninas muito jovens, pelo menos uma dupla por esquina, caminhavam com uma faixa pedindo ajuda. Ela pediam alguma quantia em dinheiro para comprar um soro aparentemente muito caro. Este soro serviria para socorrer uma amiga delas que estava em greve de fome há três meses por conta da luta dos estudantes. Os médicos haviam dado cerca de três dias de vida para a menina caso ela não tomasse tal soro. E para aqueles que se recusavam a ajudar, as meninas bradavam “nem mesmo com crianças morrendo vocês se importam com a educação em nosso país?”.
Isso me chocou, porque estávamos diante de uma situação limite, onde crianças arriscam literalmente suas vidas por uma causa. A greve de fome não é uma iniciativa isolada no país, há muitas crianças de diversas escolas que estão nesta situação.
Neste momento passei a me perguntar com maior força “o que se passa com esse país?”.
Hoje pela manhã dei mais um passo para responder esta pergunta. Fui à Marcha da Família. A semelhança com qualquer atividade brasileira está apenas no nome. Foi uma marcha convocada pelos sindicatos e organizações populares para reunir todos em defesa da educação. Por conta do trabalho ou ocupações diárias muitas pessoas não podem participar dos atos ao longo da semana. Portanto, neste domingo milhares de pessoas sairam de seus bairros rumo ao parque central da cidade para manifestar-se. Aos paulistas, imaginem muitíssimas pessoas marchando em grandes colunas desde cada bairro rumo ao Ibirapuera. Pois é, a situação era mais ou menos assim.
Ao Parque O`Higgins chegavam muitas caravanas portando faixas, bairro tal em defesa da educação gratuita, sindicato tal com a luta dos estudantes em defesa do direito dos trabalhadores, assim em diante. Por volta do meio dia havia mais de 200 mil pessoas cantando y va a caer, y va a caer la educación de Pinochet. Era arrepiante. Ali percebi que os estudantes são a linha de frente da luta contra a política educacional de Piñera, mas este é o sentimento de toda a sociedade.
A questão educacional é a ponta do iceberg e sua grave situação favoreceu para que todos se colocassem em luta contra o atual modelo de educação. Mas pouco a pouco muitos se somam a ela com suas próprias pautas. Trabalhadores por melhores salários, ambientalistas em defesa da Patagônia, grupos de direitos humanos contra a exploração infantil. Mas todos têm um ponto em comum, não aguentam mais este sistema político-econômico falido e seus representantes, como o próprio Piñera.
A consciência política neste momento é elevadísima e a maioria está disposta a romper seus próprios limites para mudar esta sociedade.Hoje finalmente a CUT (Central Única dos Trabalhadores do Chile) e a CONFECH convocaram atos unificados. Agora os dias 24 e 25 contarão com trabalhadores e estudantes unidos tomando as ruas de Santiago. Serão dias decisivos.
E a ansiedade para eles só aumenta. Pelo menos a minha, a de vocês não? Digo isso porque se a população chilena consegue derrotar o seu governo e abrir um processo completamente novo em seu país, estou segura que todo o Cone Sul também será diferente. Torcemos pelos hermanos!
Abraço entusiasmado,
Thalie
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