A indústria editorial de falar mal do Lula.
O “e” e o “o”
O ansioso blogueiro foi ao chaveiro e sentou-se numa lanchonete búlgara para comer uma bureka de espinafre com café turco.
A lanchonete é búlgara; o café, turco; o dono é libanês, e fica no bairro judeu de Higienópolis.
Essas considerações são perigosíssimas, porque, segundo incomparável testemunho do ex-Presidente Supremo do Supremo, este ansioso blogueiro é racista, posto que caucasiano e hispano, de ascendência lusitana.
Um perigoso racista !
Foi o que demonstrou em 50 anos de profissão.
O ansioso (e racista) blogueiro, segundo o testemunho notável, foi em seguida a uma importante livraria de São Paulo atrás do livro do Joe Wallach (“Meu Capítulo na TV Globo”), para conferir se havia alguma coisa sobre a Globo que ele ainda não soubesse.
O livro já foi “publicado” em todos os jornais, mas não chegou às livrarias.
É uma característica da indústria editorial brasileira.
Aproveitou para comprar um livro de Terry Eagleton sobre Ética.
Na fila de espera para pagar, viu ao lado um senhor alto, de cabelos brancos, elegante como um tucano de Higienópolis pode ser às 11 horas da manhã de um sábado de sol.
Ele comprava um livro do José Nêumanne Pinto que fala mal do Lula.
O senhor me reconheceu, eu o cumprimentei e perguntei, assim como quem não quer nada:
- O senhor vai ler o livro do Nêumanne ?
- Sim, sem dúvida !
- O senhor não lerá nada que já não saiba, disse o ansioso blogueiro ao simpático tucano de Higienópolis.
- Não tem importância, ele respondeu, com um sorriso nos lábios.
- Então, o senhor admite que vai jogar dinheiro fora.
- Não. É sempre bom ler o que você já sabe…
- Por quê ?, perguntei.
- Pra ver se a gente não comete o mesmo erro outra vez.
- Que erro o senhor cometeu ?
- Não !, ele protestou. Eu, não ! O Brasil !
- Que erro ?, insisti.
- Botar essa gente no poder, ele respondeu.
- É, mas vai ser difícil tirar essa gente de lá. Os tucanos não têm rumo.
- É verdade, ele concordou.
E a fila a crescer.
- Depois que o Fernando Henrique se aposentou nós não temos mais nada pra dizer.
Fiquei quieto.
Ele continuou.
- Sabe que o professor Roberto Romano recomendou muito o livro do Nêumanne. O senhor conhece o professor Romano ?
- Muito. Ele também não dirá nada que o senhor já não saiba.
- Não tem importância. Eu gosto de ler de novo o que eu já sei. O senhor conhece o Nêumanne?, ele perguntou.
- Sim, trabalhamos muito. Nos damos muito bem. O problema não é pessoal. É mais adiante …
Ele me olhou sem entender direito.
Continuei.
- O senhor sabe que existe uma indústria editorial de falar de Lula ?
Percebo que as jovens da caixa e o resto da fila se interessam pelo nosso diálogo.
Sinto-me à vontade para prosseguir.
- Um escreveu um dicionário das besteiras do Lula e foi um fracasso editorial. Outro comparou o Lula a uma anta e fugiu para a Itália. Um falou mal do Lula e se tornou imortal.
- Então, meu querido jovem, disse ele, o Nêumanne também vai entrar para a Academia.
- Sim !, respondi. Teremos uma Academia para falar mal do Lula ! É o que não falta lá.
E saiu ele sem levar o livro.
Percebi, foi atrás e disse.
- Senhor ! Senhor !, o Senhor se esqueceu do livro.
- Ah, é verdade !
- É porque o senhor já leu, não é isso ?, insisti.
Ele riu e foi embora.
Pano rápido.
Em tempo: sobre “a indústria editorial de falar mal do Lula” não resisto a parodiar frase de Mary McCarthy sobre Lillian Hellman: tudo o que essa indústria diz é desprezível. Até o “e” e o “o”. Diríamos que, no Brasil, trata-se de um ramo editorial de auto-ajuda.
Paulo Henrique Amorim
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