A beleza das palavras contra o terror da crise
Peço desculpas, caros leitores. Mas, mas com tantas coisas importantes acontecendo ao mesmo tempo, só consegui voltar à realidade e abrir o computador depois das três da tarde desta sexta-feira, algo incomum na minha rotina, para escrever um novo texto e atualizar o Balaio.
Mas o que é importante? Importante para quem? O que muda na vida das pessoas de um dia para o outro, com a troca do ministro da Defesa no Brasil e a ameaça de um colapso no mercado financeiro mundial? O que podemos fazer?
Desde ontem à noite, saí do ar, quer dizer, da internet, não vi TV, não ouvi rádio nem li jornais, e caí na literatura, não porque assim quisesse ou tivesse escolhido. Foi apenas para cumprir dois compromissos anteriormente assumidos, sem saber o que iria acontecer no mundo no dia 7 de agosto de 2011.
Acho que fiz bem. Valeu a pena, como valeu. Passei este tempo todo conversando sobre outros assuntos mais agradáveis e permanentes com gente muito bacana que não está preocupada apenas com estas querelas políticas e as quedas nas Bolsas, mas com o sentido das suas vidas.
Ao ler o título deste post, o leitor pode me perguntar, com toda razão, a qual crise me refiro, tantas são as opções nas capas dos jornais e dos portais. Tem crise para todo gosto aqui dentro e acolá, no mundo todo, que hoje é possível cada um escolher sua crise preferida.
Por isso, e como não tenho nada a acrescentar ao que já foi publicado, enquanto o guarda de trânsito apita desesperadamente na esquina de casa, onde o semárofo vive quebrando e os carros buzinam como loucos, prefiro falar da 1ª Feira Literária de São Bernardo do Campo (Felit) e do projeto Encontros na Biblioteca, em São Paulo.
Na noite de quinta-feira, dedicada a alunos e professores do EJA (Educação para Jovens e Adultos), a uma temperatura de 8 graus do lado de fora, o lendário Pavilhão Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, ferveu com milhares de pessoas percorrendo os estandes das editoras e participando dos debates com autores em diferentes auditórios improvisados.
Já são mais de 80 feiras deste tipo promovidas anualmente em diferentes cidades de quase todos os Estados brasileiros, com público sempre crescente, a demonstrar que este produto não está morrendo por causa da internet, ao contrário: nunca se vendeu tanto livro no Brasil.
É emocionante encontrar uma platéia que reúne a moçada e pessoas mais velhas, depois de uma jornada de trabalho, todos curiosos em saber mais sobre literatura, o processo de criação, a vida dos escritores e a sua obra.
O EJA é um projeto criado para dar uma oportunidade de melhorar de vida a quem nunca foi ou abandonou a escola. Aproveitei para fazer o lançamento do meu 20º livro, uma coletânea de textos publicados originalmente no Balaio do Kotscho, selecionados pela editora Laura van Bockel, da Escrita Fina. No final, na hora de tirarmos uma foto juntos, estavam todos sérios como numa festa de formatura.
Cheguei tarde em casa, dormi pouco e, às 9 da manhã, já estava na Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato, na Vila Buarque, em São Paulo, para moderar um debate sobre Educação Literária com os escritores mineiros Bartolomeu Campos de Queirós e Frei Betto, promovido pela Fundação SM, para professores, educadores, bibliotecários e outros profissionais da área.
Frei Betto é meu amigo de muitos anos e parcerias, mas ao outro participante do debate, só fui apresentado já na biblioteca. Bartô, como o chamam, é uma figuraça de quem eu nunca havia ouvido falar. O Brasil é assim: a cada dia você descobre pessoas que já deveria conhecer há muito tempo, mas ignora porque não encontram espaço na mídia submetida aos interesses do marketing editorial.
Autor de 66 livros, mais do que apenas um escritor consagrado no mercado infantojuvenil (ele detesta este rótulo, pois diz que escreve para todos os públicos), Bartô é um sábio, daqueles caras raros que pensam para falar e falam pouco, como quem não quer nada, mas com quem se aprende a cada frase pronunciada. Por exemplo: "A palavra foi inventada para expressar o meu espanto diante da vida e não para comunicar". Bartô cuida de cada palavra com extremo carinho.
Frei Betto, que tem 53 livros publicados, e Bartô têm 67 anos. Nasceram no mesmo dia, mês e ano e foram vizinhos em Belo Horizonte. Somam, portanto, 134 anos de vida e 119 obras publicadas, muitas histórias para contar.
Durante duas horas falamos de tudo, menos dos fatos que estão nas manchetes dos jornais, como se tivéssemos saído do mundo real para buscar as palavras que possam explicar os mistérios de um outro mundo possível. Frei Betto: "A palavra ajuda a organizar o nosso cáos interior".
Não resolvemos, claro, nenhum dos problemas que afligem o mundo neste momento de verdadeiro terror midiático-financeiro, mas senti que todos saíram mais leves e felizes do que chegaram à velha biblioteca _ a única biblioteca infantojuvenil mantida pela Prefeitura nesta cidade de 12 milhões de habitantes, acreditem.
Mesmo assim, depois de ouvir Bartô e Betto, que bem poderiam formar uma dupla sertaneja literária para percorrer o país espalhando a beleza das palavras, levamos para casa mais fé no futuro.
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