Não cabe a RBS dizer como deve ser a educação dos nossos filhos
Cristóvão Feil registra hoje no Diário Gauche a mais recente manifestação de ultraliberalismo da RBS que, ao criticar projeto do governo Lula contra a prática de castigos físicos contra crianças, volta a repetir a ladainha falaciosa do “viés autoritário e intervencionista do governo na vida das pessoas”. Cristóvão escreve:
“O editorialista de ZH talvez não saiba, ou esqueceu, que o Estado é a instituição responsável pela organização e pelo controle social. Max Weber, que frise-se, nunca foi marxista, vai mais além, ao garantir que o Estado detém, de forma soberana e irrenunciável, o monopólio da violência legítima e da coerção legal”.
Para a RBS, “não cabe ao governo dizer aos cidadãos como eles devem educar os seus filhos”. A afirmação beira a delinquência. Para quem não é contra a existência de tais instituições é óbvio que cabe ao Estado e aos governos dizerem algumas coisas básicas sobre como educar os filhos: além do currículo básico (para citar um exemplo mais primário), dizem que os nossos filhos não podem roubar, não podem agredir ou matar outras pessoas, não podem desviar dinheiro público, entre outras determinações que o Estado impõe a todos os que pretendam viver em sociedade.
O ultraliberalismo tosco e indigente expresso no editorial de Zero Hora expressa bem a mentalidade de um setor da elite gaúcha (e brasileira) que demoniza o Estado, os Governos e a Política de um modo geral, colocando-se acima do bem e do mal. O discurso raivoso e irracional contra o Estado é uma constante, menos, é claro, quando se trata de defender uma boa isenção fiscal ou de uma generosa operação de socorro a alguma empresa privada em dificuldade utilizando, para isso, recursos públicos. Pois bem, diante dessa barbárie argumentativa praticada diariamente pela RBS, por meio de seus múltiplos braços e vozes, cabe lembrar de algumas funções básicas do Estado. Cristóvão Feil ilustra bem esse ponto:
“Isso significa que a ninguém é dado – nem a jogador de futebol, nem a filinho de papai executivo de um grupo midiático – o direito de matar a namorada e jogar os restos mortais como repasto a cães famintos, ou de violentar menor usando o celular blueberry ao invés do flácido e inútil pênis. O jogar que alimenta os cães com a carne da namorada, o filho do executivo que – impotente – enfia gadgets sem consentimento na amiga pré-adolescente, o pai que espanca o filho, todos, sem exceção, devem ser punidos no modo previsto em lei e sob a custódia do Estado soberano e seus agentes”.
Já a RBS e seus donos acham que “não cabe ao governo dizer como devemos educar nossos filhos”. Essa tarefa é reivindicada pela própria RBS que tem a pretensão diária de dizer aos cidadãos e cidadãs como devem se comportar, como os filhos e filhas destes cidadãos devem entender as notícias, apresentando “dicas” para praticamente todas as esferas da vida humana. Já que os governos e o Estado não devem se meter na educação das crianças, que tal a própria RBS começar a definir os currículos e indicar os professores e diretores das escolas públicas?
A mentalidade autoritária, intervencionista e anti-republicana expressa neste editorial ajuda a entender um pouco o que vem acontecendo em algumas escolas de Porto Alegre. A ausência de Estado é ocupada pelo quê mesmo? Não por acaso, o noticiário da RBS sobre violência em escolas costuma se concentrar em problemas ocorridos em escolas públicas da periferia. Já em relação às escolas de classe média alta, reina o silêncio. E quando algo de muito grave vem a público sempre se poderá empurrar o menor infrator, livre do “viés autoritário do Estado”, para um distante parentesco familiar. Considerando o atual estado de coisas no Rio Grande do Sul, vale devolver as palavras contra o acusador e afirmar: “não cabe a RBS dizer como devemos educar nossos filhos”.
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