Paulo Muzell
Os municipários de Porto Alegre reclamam, com a mais absoluta razão, da política salarial do governo Fogaça-Fortunati (a renúncia do primeiro deu origem ao governo Fo-Fo). No dissídio de 2009, depois de anunciar com alarde sucessivos superávits, recusou-se a pagar a integralidade da reposição da inflação, o IPCA, como determina a lei, “economizando” com a folha 30 milhões de reais via arrocho salarial. Como nos últimos anos os reajustes da Prefeitura foram sempre inferiores aos do salário mínimo, os padrões mais baixos (níveis 2 e 3) ficaram aquém do patamar federal. A forma encontrada pelo governo Fo-Fo para “tapar o buraco” foi criar um abono para integralizar o valor do mínimo federal, invariavelmente pago com atraso de vários meses.
Sovina com a peonada, com a turma de “baixo”, já com os “da casa”, “os mais chegados”, ou seja, os CCs de nível mais elevado, além dos fazendários e procuradores o governo Fo-Fo foi e é generoso. Seguindo aquela linha de “dar mais aos que menos precisam e menos aos que precisam mais”. O resultado foi um lamentável o aumento das desigualdades salariais na Prefeitura e o esfacelamento do simulacro de isonomia que ainda restava. Vamos aos fatos.
Nos seus dois primeiros anos de governo Fogaça aprovou três leis concedendo generosas “benesses” para poucos Primeiro foi a lei complementar 534, de 2005, que transformou o Conselho Municipal dos Contribuintes no Tribunal Tributário (o TART). Os famosos jetons foram multiplicados. Observe-se que este gordo “extra” é pago para remunerar servidores, em pleno horário de expediente, no cumprimento suas obrigações funcionais. Se isso não é ilegal, é pelo menos imoral. Depois veio a criação da famigerada GRF-PO, aprovada em 2006 através de lei 10.087. Cerca de quinhentos servidores da Fazenda Municipal e “arredores” (ou seja, os que tratam com a execução orçamentária) tiveram seus rendimentos “turbinados”. E o princípio adotado para fixar os valores adicionais é “a cara” deste governo: a turma miúda ganha as migalhas e, à medida que se sobe na escala hierárquica de cargos ou de chefias os valores vão aumentando estratosfericamente.
Com alguns dados vamos dar uma idéia do absurdo. Um ocupante de uma função gratificada de nível 6, coordenador, detentor de um cargo de nível superior – um administrador ou um advogado, por exemplo -, lotado na Fazenda Municipal ou no Gabinete de Orçamento da Prefeitura terá percebido nos últimos quatro anos (entre junho de 2006 e maio de 2010) o montante de 275 mil reais a mais do que um colega seu, com a mesma formação, que fez o mesmo concurso público, que tenha exercido suas funções em qualquer outra secretaria da Prefeitura. O “felizardo” da Fazenda terá recebido por mês 5,8 mil a mais, provavelmente quase o dobro do que seu colega de outra secretaria percebeu no mesmo período. Caso tenha exercido um CC ou FG 8 a diferença já sobe, atingindo os 330 mil reais!
Tivemos ainda em 2006 a aprovação de mais uma “pérola”, a lei complementar 549, que instituiu a função gratificada especial. Esta lei aumentou a remuneração dos servidores cedidos, que sem prejuízo da remuneração percebida nos seus órgãos de origem, passaram a receber de forma cumulativa, significativos rendimentos na Prefeitura. Como se vê, um belo agrado para os CCs do partido, aquela “turminha da copa e da cozinha”. Em 2009 a lei 10.765 estendeu aos procuradores do município os benefícios da famigerada GRF-PO, que passou a ser GRF-PO-PGM: aumenta a sopinha de letras e os privilégios do “trenzinho da alegria municipal”. E em julho de 2010 o governo Fo-Fo prossegue com o “baile dos apaniguados”: envia à Câmara Municipal o projeto de lei 07/2010, que pretende estender o benefício a mais 117 servidores do órgão previdenciário da Prefeitura, o Previmpa. Se aprovado o novo projeto – esperamos que não – o governo terá completado o seu “sopão de letras”, implantando a GRF-PO-PGM-PREVIMPA. O projeto de lei 07 além de criar a nova gratificação, aumenta o número de chefias e CCs, resultando num excesso de “caciques” (chefias) e na absoluta falta de “índios”. De cada três servidores do Previmpa, um é chefe, resultando num chefe para cada dois servidores. Dureza, hem?
Na semana que passou a imprensa da capital noticiou que o Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul ajuizou uma ação civil pública contra o Município de Porto Alegre por supostas irregularidades existentes no pagamento dos seus servidores. Até aí tudo bem. Como acabamos de relatar, nos últimos cinco anos a Prefeitura de Porto Alegre aprovou um conjunto de leis que aumentaram as desigualdades salariais entre os servidores, quebrando o princípio da isonomia. Tínhamos esperança que os doutos procuradores estaduais tivessem se dado conta do absurdo e estivessem agindo contra isso. Ledo engano. Eles estão questionando a forma de pagamento de gratificações criadas na Prefeitura há mais de quarenta anos para remunerar o regime integral de trabalho (RTI), que paga 50% a mais para o servidor que passa de um regime de 30 para 40 horas semanais e da RDE, a chamada dedicação exclusiva, instituída no início dos anos setenta para incentivar o pessoal de nível superior a trabalhar exclusivamente para a Prefeitura.
Devemos observar que estas duas gratificações são percebidas pela grande maioria dos servidores municipais que já reclamam da baixa remuneração e das perdas salariais ocorridas desde 2003, agravadas no atual governo. O SIMPA no dissídio de maio passado reclamou perdas de 19%, pediu um reajuste emergencial de 10% e o governo Fo-Fo concedeu apenas 5% a título de reposição do IPCA.
Acontece que a Emenda Constitucional 19/98 mudou a forma de cálculo de incidência de vantagens salariais e a Prefeitura não teria feito as necessárias adequações. É uma longa discussão, de difícil solução num país que há muitos e muitos anos tenta controlar os salários abusivos de uns poucos no serviço público e não consegue. O teto salarial patina. Super salários de 30, 40 mil ou até mais são pagos em quase todos os órgãos e poderes – especialmente nos legislativos, judiciário, tribunais de contas e ministérios públicos – e as tentativas de corte são invariavelmente derrubadas por decisões judiciais. Como sempre, o mau exemplo vem “de cima”.
Vivemos no país um império das vantagens absolutas para uma pequena elite que concentra a renda da sociedade. No serviço público ela defende com unhas e dentes o “direito adquirido”, forma de assegurar a manutenção de privilégios. Não é, certamente, o caso da RTI e da RDE da Prefeitura. Já as gratificações criadas pelo governo Fo-Fo, essas sim são injustas, imorais e ilegais. Aprofundam desigualdades e beneficiam poucos em detrimento da imensa maioria. Ao ajuizar sua ação o douto Ministério Público do Estado errou feio o tiro, não escolheu o alvo certo.
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