Do blog de Luis Nassif
José Serra sempre cultivou essa imagem do “faço e aconteço”. Sua primeira atuação como Executivo, na prefeitura e no estado de São Paulo, mostrou o contrário: não faz, nem acontece. E tem raiva de quem o obriga a se posicionar. Durante muitos anos enganou a muitos – eu, entre eles. Um artigo meu, em dezembro de 1994, ajudou a demover FHC da decisão de não trazer Serra para seu Ministério.
Até então, meia dúzia de iludidos acreditávamos que Serra era o FHC que fazia acontecer, capaz de tirar o PSDB do marasmo malaniano, capaz de encampar idéias ousadas. Com base nessa esperança, o fato de Serra só ser valente nas declarações em off era perdoado: ele não pode se expor agora, mas quando chegar ao poder terá a coragem que se exige dos grandes estadistas.
À medida que o protagonismo de um cargo executivo relevante expôs sua atuação, o que se percebeu foi que, em qualquer circunstância, fosse como coadjuvante (ministro de FHC), fosse como protagonista (governador de São Paulo) o verdadeiro Serra era titubeante, inseguro, sem idéias e sem vontade de renovar nada. Era incisivo apenas no discurso do “faço e aconteço” que foi se esmilinguindo à medida que a prática não corroborava a prosa.
A primeira decepção dos secretários de Serra com ele foi quando se recusou a resolver o pepino do Detran (Departamento de Trânsito) que, em muitos estados, se transformou em fonte permanente de corrupção. Covistas integrantes da sua equipe julgavam ser a revanche de Covas – que foi obrigado a aceitar o jogo do Detran, na época, por falta de recursos de campanha. Para surpresa geral, Serra recusou-se a mexer no vespeiro, para não se indispor com alas da Polícia Civil.
Com a corrupção campeando na Polícia, levou três anos para tomar a decisão de trocar um secretário titubeante e um subsecretário polêmico.
Sua atuação no Executivo – como Ministro do Planejamento do primeiro governo FHC – foi pífia. Para fora, em conversas reservadas, apresentava-se como o sujeito pragmático, que não encarava a privatização como um fim em si próprio, mas como um meio. Para dentro – conforme revelou o próprio FHC – era um privativista arraigado.
Na época da privatização, procurei-o mostrando a importância de uma privatização com fundos sociais, que permitiria transformar estatais em empresas públicas, beneficiando optantes do FGTS, viabilizando a Previdência, consolidando o mercado de capitais, em vez de beneficiar grupos específicos. Até então, não sabia das relações de Verônica com Daniel Dantas.
Serra acolhia as idéias, fingia apoia-las. Mas nunca moveu uma palha para impedir o jogo.
No Planejamento, não se soube de uma medida modernizante que tenha tomado. As tentativas posteriores de coordenação do orçamento – Avança Brasil e Brasil em Ação – surgiram depois. O próprio PPA (Plano Plurianual), que ele se vangloria de ter colocado na Constituição, em seu período no Planejamento jamais foi utilizado como ferramenta de coordenação de gastos públicos. Usava sua assessoria exclusivamente para montar estudos torpedeando (com bons argumentos) as loucuras de Malan. Apenas isso, torpedear a ação de terceiros, às vezes com razão, às vezes sem, contar prosa em particular, sobre como faria muito melhor, se estivesse no lugar do FHC. Mas, de prático, nada.
Na Prefeitura, poderia ter encarado o maior desafio de um prefeito, o de preparar o município de São Paulo para a nova era, impedindo o estrangulamento urbano, definindo novos modelos de mobilidade urbana. Para tanto, precisaria encarar o lobby imobiliário, o automobilístico, o do transporte de massa. Foi incapaz de apresentar um estudo original sequer, uma tese arrojada sequer. Só arroz-com-feijão, deixando os secretários soltos para tocar sua parte, sem uma orientação, uma cobrança sequer.
Qual a ousadia o “faço-e-aconteço”, no governo do Estado? Apesar do discurso em favor do ajuste de gastos do Estado, foi o único caso de homem público que reduziu o prazo de aposentadoria de uma categoria profissional – a Polícia Civil -, apavorado com as manifestações em frente ao Palácio Bandeirantes, provocadas unicamente por sua demora em receber os grevistas.
Não avançou na modernização de uma empresa pública paulista sequer. Enquanto a Cemig se transformava em uma baita empresa de energia, a CESP definhava, presa aos dilemas de “privatizar ou não privatizar”, e depois a tentativas canhestras e falhas de privatização. Não foi capaz sequer de definir uma vocação para a maior empresa do Estado, em um momento em que a energia se transformou no setor mais promissor da economia mundial.
Não definiu nenhuma forma nova de articulação entre secretarias. Não lançou um programa de impacto. Não se amarrou a uma meta ousada na área social. O governo Serra consistiu em em uma procissão: dois secretários (Mauro Ricardo e José Luiz Portella) carregando nas costas o andor de um santo imóvel (Serra) e sendo acompanhado por uma comitiva de secretários proibidos de rezar em voz alta para não acordar o santo.
A rigor, sua coragem maior foi ter pegado ideias prontas e acabadas no Ministério da Saúde e ter levado a cabo a luta pelos genéricos. Foi um momento único na sua carreira, de tomada de decisão, que jamais se repetiria nem antes nem depois, quando passou a ter poder efetivo na mão.
Ilustração: Sátiro
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