Crédito: Pedro Lobo Scaletsky
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Juremir Machado da Silva |
O jornalista Merval Pereira foi eleito na semana passada para o lugar de Moacyr Scliar na Academia Brasileira de Letras. Merval nunca escreveu um livro. Não precisa. Até atrapalha. Ele publicou duas obras: uma coletânea de artigos de jornal e outra de reportagens. Esta, a bem da verdade, em parceria. Deveria ceder uma beirinha da sua lustrosa cadeira de novo imortal? A ABL tem 40 membros. Na melhor das hipóteses, sete são escritores: João Ubaldo Ribeiro, Lygia Fagundes Teles, Nélida Piñon, Ariano Suassuna, Carlos Heitor Cony, Carlos Nejar e Paulo Coelho. Lygia merece estar na ABL. Escreveu bons livros e parou. Imortalizou-se em vida. Cony escreve bem. Ariano é um personagem rocambolesco da sua própria obra. Paulo Coelho é muito ruim, mas é autor de livros.
Quem já ouviu falar em Luiz Paulo Horta, Alberto Venâncio Filho, Antonio Carlos Secchin, Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni, Evaristo de Moraes Filho, Marco Lucchesi, João de Scantimburgo, Cleonice Berardinelli e Tarcísio Padilha? Ninguém. Salvo por outras razões. Eles publicaram livros. Seria melhor que não o tivessem feito. Pior é esta outra lista cujos nomes são muito conhecidos: Marco Marciel, Ivo Pitanguy, José Sarney, Eduardo Portella e Celso Lafer. Todos imortais. Acho que alguns até já morreram e, de tão imortais, foram esquecidos na página da ABL. A eleição de Merval Pereira pode ser explicada de maneira muito sofisticada: os acadêmicos queriam puxar o saco da Rede Globo e quem sabe um dia contar, graças ao colega, com uma resenha favorável em O Globo ou, apogeu da glória, uma passagem no Faustão.
Literatura no Brasil é ficção. Só faz sucesso o que tiver supostamente valor utilitário (biografias, autoajuda, a história contada por jornalistas, depoimentos de um pai, de uma filha, de uma mãe, crônicas edificantes da mulher moderna ou artigos de um empresário bem-sucedido) ou tiver transferência de capital simbólico de um bolso para outro, tipo romance de Chico Buarque, ou seja, livro de celebridade. Desconheço um só livro de ficção (romance, digamos, "romance") escrito por um desconhecido ou simplesmente não famoso que tenha vendido 500 mil exemplares. Os leitores brasileiros não gostam de ficção: gostam de celebridades e de conselhos. Alguns, apesar disso, conseguem o chamado "sucesso de estima", algum prestígio nos cadernos culturais, o que os torna "famosinhos" e permite certa pose e uma vendagem mediana. Dá para o gasto. Se duvidar, até enche barriga. Pequena.
Merval na ABL é a cara da literatura brasileira. Puro jogo de cena. A ABL é um simulacro do Senado. O Sarney, não por acaso, faz parte de ambos. Um escritor de verdade, como Ferreira Gullar, nem se candidata. Não quer pagar mico. Sabe que está acima dos "imortais". Se for à ABL, como convidado, será para dar autógrafos ou entrevistas a bicões da categoria de Merval. Sartre recusou um Nobel da Literatura. Merval, da escola Sarney, jamais teria a grandeza de recusar a imortalidade tropical. A ABL pensa abrigar imortais. É apenas o túmulo da nossa literatura. Merval ainda é novo. Tem tempo para muita coisa na vida. Até para escrever um livro. Um só.
Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br |
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