O vento minuano e o mercado do frio no RS
Cristóvão Feil no Diário Gauche
Nos últimos anos, cada vez mais se fala em neve no Rio Grande do Sul, nos meses de inverno – de junho a agosto. Invoca-se o que é faltante - os flocos de neve, abundantes, cadentes, fartos e inexoráveis. Parece que há uma aliança comercial entre setores da imprensa, meteorologistas de espetáculo, hoteleiros oportunistas e área do turismo da Serra guasca. Objetivo: iludir e captar incautos de classe média para os seus estabelecimentos pega-ratão.
Por trás dessas ações publicitárias há a tentativa de criar um mercado do frio no estado mais meridional do Brasil. Esse mercado teria como suporte (palavra do jargão publicitário) o mito da neve, e se sustentaria na indução ao consumo de bens e serviços em torno de alimentação, bebidas, hotelaria e comércio de vestuário voltados para mitigar o rigor das baixas temperaturas.
A estratégia é pobre e se baseia no alarme semanal sobre a iminência de frio intenso e neve, mas como nada foi combinado com São Pedro, este frustra os alarmistas. De qualquer forma, pela insistência, acabam depositando expectativas positivas no incipiente imaginário da classe média ingênua. Criam-se assim justapostas camadas de material favorável para que um mito fique de pé, pelo menos enquanto durar o inverno.
Enquanto isso, os verdadeiros agentes do frio sulino, os ventos minuano e pampeiro permanecem no limbo do nosso esquecimento. O minuano é um vento forte, constante e cortante. Ele sopra desde o oceano Pacífico, passa pela cordilheira dos Andes e assobia rasante os campos e coxilhas do pampa guasca. O pampeiro é um vento Polar, que sopra do corredor territorial entre o oceano Atlântico e a cordilheira chilena. Enquanto o minuano é um vento extremamente seco e varredor de nuvens escuras (ver foto), o pampeiro é trazedor de umidade associada ao frio, temporais e mau tempo prolongado.
O Rio Grande do Sul não constitui somente a fronteira nacional mais ao sul do Brasil, é antes de tudo, e para bem além da geopolítica, uma fronteira climática entre o trópico e o subtrópico, entre as correntes quentes do Equador e os ares glaciais do polo austral. Neste rincão, onde o vento redomão investe contra as correntes amenas do trópico, criando conflitos e inquietudes naturais, os homens e mulheres aprenderam que o estabelecido não pode ser motivo de resignação e acomodamento. As insurreições naturais foram constantes inspiradoras de levantes políticos de prolongados embates. Vários escritores e autores sulinos – Érico Veríssimo e Simões Lopes Neto, por exemplo - narraram o fenômeno que mimetiza a natureza em ações coletivas de grande significado histórico, político e social.
Nota-se, pois, que o tema é vasto, culturalmente rico e de grande valor poético-literário. Por esse motivo não pode ser reduzido a uma prostituída estratégia publicitária para granjear simpatia junto a consumidores tão ingênuos quanto ignorantes.
P.S.: Hoje em Porto Alegre, de resto no Rio Grande todo, está soprando um minuano inclemente, que faz escabelar os bigodes de quem os têm.
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