quarta-feira, 22 de junho de 2011

licitação sigilosa? nem tanto mestre, nem tanto patrão

Que história é essa de licitação “sigilosa”? Saiba aqui

 Tijolaço

Está havendo muita polêmica em torno da proposta de sigilo no orçamento das obras da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, aprovada na Câmara e defendida pela presidente Dilma Rousseff como uma forma de diminuir custos.



Reforma do Maracanã: feita pela lei atual, vai custar mais 50% do que o previsto: não havia previsão de substituição da marquise e, na prática, ela não suportaria a carga extra. Ia se deixar cair ou emendar o contrato?

E, para variar, tem muita gente falando do que não sabe e  gente – bem esperta – sabendo do que está falando mas querendo derrubar, como se fosse em nome da moralidade, uma alteração na lei que só traz moralidade ao processo licitatório, quando  feito numa forma hoje não abarcada pela legislação
O artigo faz parte do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), prevê que o orçamento estipulado para uma determinada obra só será divulgado publicamente após o encerramento da licitação.
Durante o processo, apenas os órgãos de controle terão acesso ao valor máximo que o governo pode pagar naquele contrato.

Essa é a deformação essencial das notícias a respeito do que foi votado na Câmara. A conversa é outra, totalmente outra.

Como é feita a licitação para uma grande obra pública hoje, segundo a legislação proposta pelo ex-presidente Collor e sancionada no governo Itamar?

Primeiro, cada uma destas licitações são duas. A primeira, para o projeto da obra. A segunda, para a obra propriamente dita.

A primeira licitação define os detalhes e características construtivas da obra. A segunda, sua execução.
Com base no projeto, o Estado define o preço médio que irá pagar pelos serviços executados e abre a licitação, sabendo os licitantes, de antemão, qual o preço mínimo que o Estado está disposto a aceitar.
Quais são as desvantagens deste método, quando se trata de obras de vulto ou de um conjunto de várias obras?

A primeira delas, obviamente, é o prazo. Porque é preciso abrir duas e não uma licitação, apenas. Os editais têm de ser elaborados em sequência – não dá para fazer ambos ao mesmo tempo – , receber aprovação do Tribunal de Contas, ter, dependendo do tipo, o prazo de  30 ou 45 dias transcorrido, serem julgados, correrem os prazos de recurso e, finalmente, contratados. Não é nenhum exagero esperar que cada um deles leve cerca de seis meses neste ritual. E a obra, portanto, espere perto de um ano para ser iniciada.

A segunda é que o executante não teve compromisso com o projeto e, portanto, não tem de arcar com os custos das modificações – muitas vezes expressivas – que ocorrem durante sua construção. Estes custos são a causa mais frequente de ampliação de preços, comuns nestas obras, com a celebração de termos aditivos.

Já existe esta previsão legal de contratação global ou integrada, no Decreto 2.745, editado por Fernando Henrique Cardoso para licitações da petrobras, onde está estabelecido:

1.9 Sempre que economicamente recomendável, a PETROBRÁS poderá utilizar-se da contratação integrada, compreendendo realização de projeto básico e/ou detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com a solidez e segurança especificadas.

Ao contrário do que muitos têm dito, não existe a possibilidade de qualquer obra ser realizada “de orelhada”, sem projeto executivo detalhado. Isso está proibido expressamente no artigo 8º, parágrafo 7º do projeto.

A outra novidade sobre a contratação integrada – que é apenas um dos itens do RDC  – em relação ao processo atual tem uma razão mais do que conhecida de todos, embora dificilmente alguém possa prová-lo: a combinação de preços entre as empreiteiras, a partir dos preços cotados pelo Estado, não só para os serviços, mas também para os equipamentos que completam estas obras.

É aí que entra o sigilo, que não tem nada de estranho, e todo mundo pratica, nos seus negócios.
Funciona assim. Você vai comprar um carro  e está calculando gastar aí uns R$ 15 mil na aquisição.
Então você anuncia que quer comprar um carro de tantos HP, com quatro portas e pretendo gastar R$ 15 mil.
Como só há cinco ou seis agências na sua região, o que acontece?
Vão logo se acertar para – em rodízio – venderem carros mais caros, e você acaba gastando mais.
No processo aprovado na Câmara, você anuncia que quer comprar o carro com tais e quais características e bota o preço que está disposto a pagar num envelope, controlado pelo Tribunal de Contas e, com ele, o Ministério Público que lá atua. E deixa virem as propostas.

Apresentadas e julgadas as propostas, aí será revelado o preço base estimado pela administração, elaborado pelas mesmas regras, métodos e tabelas da legislação vigente.  Não há nada de extraordinário ou de “sigilo eterno” na proposta.

Ao contrário de ser imoral, o dispositivo é moralizador e será uma pena para o dinheiro público se as pressões políticas, disfarçadas de moralismo, não permitirem que a mudança prevaleça.
Por último, a crítica que se faz ao fato de os contratos poderem ser aditados em razão de algumas circunstâncias.

O projeto, ao contrário,  proíbe termos aditivos, em geral, quando se tratar da contratação integrada. Só pode haver em caso de desequilíbrio contratual manifesto e justificado e quando a Autoridade Pública o solicitar, para fazer frente às exigências contratualmente previstas nos acordos que fizemos com a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional.

O que é desequilíbrio contratual? Vamos imaginar que você tenha uma obra que utilize imensas quantidades de concreto. Logo, de cimento. E que o cimento suba, por alguma razão, 30%. Sem essa previsão, a obra pára.  Não acontece isso? Aconteceu, em 86, aqui no Rio de Janeiro, com as obras dos Cieps, quando o Plano Cruzado fez subir muito – pelo ágio – o preço do cimento, exemplo usado aqui. É improvável, mas tem de ter previsão legal.

E as exigências da Fifa e do COI? Claro que, dentrop das previsões gerais dos contratos que assinamos com eles, terão de ser atendidas. E não é fácil atender, como todo mundo viu no caso da rejeição do Morumbi como sede da Copa. A chance de São Paulo estar na competição é o Itaquerão. Sem discutir o mérito do novo estádio do Corinthians, o que vocês acham que a gente deveria fazer, diante de uma exigência razoável para determinada alteração em obra?

Dizer que não faz? Ir no Juizado de Pequenas Causas? Discutir anos na justiça? Ou abrir mão de realizar Copa e Olimpíadas?

O curioso é que todo mundo fala das vantagens econômicas que trarão os dois eventos ao Brasil e todo mundo comemorou a escolha do país para a Copa e do Rio para a Olimpíada. Mas será que não se entende – ou não se quer entender – que isso exige uma contrapartida em obras e atendimento a exigências que não são brincadeira?

O projeto, que está em rascunho do projeto de conversão que ainda vai ser votado no dia 28, e que você  pode baixar aqui, é sério e detalhado. Ninguém é louco ou ingênuo de propor um sigilo de contratação absoluto, que fere as normas constitucionais e que seria derrubado até por um estudante de Direito nos tribunais.

Ou será que o pessoal do “quanto pior melhor” não está apostando em tudo para que estes dois grandes momentos do nosso país fracassem?

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