Horror no Peru: mineradora britânica indeniza camponeses espancados e torturados
Era 1 de agosto de 2005. Naquele dia, 33 camponeses organizaram em Piura, província no Norte do Peru, uma marcha pacífica contra as atividades da Río Blanco (hoje Monterrico Metal), empresa britânica de mineração. No entanto, em vez de serem recebidos pelos responsáveis pela mineradora – acusada de iniciar um projeto sem autorização – o grupo foi sequestrado por funcionários e policiais, espancado e submetido a três dias de tortura. Duas mulheres sofreram ameaça de estupro e um camponês, Melanio García, morreu devido aos ferimentos. Em julho desse ano a empresa decidiu indenizar os 32 sobreviventes, mas permaneceu negando as agressões.Coordinadora Nacional de Derechos Humanos - Peru
Camponeses foram encapuzados com sacos de lixo por funcionários da empresa
Anos após o caso, fotos que mostram as condições desumanas a que os camponeses foram submetidos vazaram para a imprensa. Tiradas pelos agressores, elas mostram o grupo vendado e encapuzado com sacos de lixo, rodeado de policiais e funcionários da Río Blanco. O corpo de García, com um tiro no pescoço, também foi fotografado.
A Alta Corte de Londres tinha programado a etapa final do julgamento para outubro – 80 testemunhas iriam depor. A indenização que será entregue aos camponeses peruanos “tem implicações gerais para o rendimento de contas de corporações multinacionais que operam em países em desenvolvimento, mas particularmente no Peru, porque o caso envolveu camponeses peruanos que se opuseram à operação mineradora”, disse ao Opera Mundi o advogado britânico Richard Meeran, que defendeu os peruanos.
Em julho e agosto de 2005, dezenas de dirigentes e membros das comunidades campesinas Segunda y Cajas e Yanta realizaram o protesto no acampamento do projeto Majaz da Río Blanco para expressar seu rechaço às operações. Após a agressão, o processo de investigação no Ministério Público peruano não teve grandes avanços, até que, em janeiro de 2009, uma fonte levou à Coordenadora Nacional de Direitos Humanos as fotos dos manifestantes feridos e amarrados no acampamento do Majaz.
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Com as provas, a Fedepaz (Fundação Ecumênica para o Desenvolvimento e a Paz), uma ONG que defende legalmente os camponeses, solicitou apoio ao Environmental Defender Law Center, nos Estados Unidos que, por sua vez, entrou em contato com o escritório de advocacia Leigh Day & Co, do Reino Unido, especializado em Direitos Humanos. Os advogados britânicos conseguiram, em junho de 2009, que a justiça britânica congelasse cinco milhões de libras do capital da Monterrico Metals. A decisão foi apoiada pela justiça de Hong Kong – a empresa havia sido comprada pela chinesa Zijin.
“O caso da Monterrico Metals expõe as práticas de segurança que as multinacionais têm, especialmente nas operações de mineração e, em particular, no uso de forças de segurança pública e privadas para se proteger. Além disso, eles não tomam medidas para evitar violações de direitos humanos contra manifestantes locais. Este é um problema no Peru e em todo o mundo”, acrescentou Meeran em entrevista concedida por telefone.
Outros processos
No Peru, uma norma permite que membros da PN (Polícia Nacional) prestem serviços de segurança a empresas em dias de folga ou nas férias. As companhias fazem os pagamentos diariamente e uma porcentagem adicional à PN. As empresas mineradoras e de hidrocarbonetos costumam assinar um convênio com tais finalidades com a PN.
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Meeran, que trabalha há 15 anos em casos envolvendo corporações multinacionais, destacou que no caso peruano as vítimas são pessoas muito pobres e vulneráveis. O advogado peruano David Velasco, diretor da Fedepaz, disse que o julgamento no Reino Unido – na área cível – terminou com o acordo fora da Corte, mas que no Peru a acusação criminal ainda continua.
“Há outros responsáveis e autores intelectuais que têm que responder”, explicou Velasco, referindo-se aos dois policiais, aos trabalhadores da Forza e a dois médicos legistas do Ministerio Público.
O valor da indenização não foi revelado pela Fedepaz nem pelo escritório Leigh Day & Co. Velasco afirmou que há um acordo de sigilo e que as vítimas ainda não se sentem seguras para voltar para a região e quwe por isso não seria conveniente revelar o montante. Entretanto, um jornal regional de Piura informou que, no total, as 32 pessoas receberiam 35 mil soles, o equivalente a 19.960 reais.
Segundo Velasco, há uma investigação preparatória – “bem avançada” – da Promotoria contra dois coronéis e doze suboficiais da polícia que teriam participado das torturas. Além disso, existe outra investigação preliminar contra generais da polícia, trabalhadores do Majaz e dois médicos do Instituto de Medicina Legal.
Velasco disse que, na prática, a empresa parou com as operações de mineração e abandonou o acampamento no início do ano. A companhia possui uma concessão, mas já não tem autorização para continuar explorando na região próxima da fronteira entre Peru e Equador.
Meeran incluiu o caso Monterrico Metals em um grupo de demandas contra transnacionais por tortura. Nesses processos judiciais, utilizaram a lei britânica sobre negligência, menos complexa que o direito internacional dos direitos humanos.
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