quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Embora possam estar juntas, possuem dinâmicas diferentes."

Fátima Oliveira: Só combater a pobreza é pouco para debelar o racismo

Viomundo

por Fátima Oliveira, em OTEMPO

Médica – fatimaoliveira@ig.com.br

O Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), produziu dois relatórios sobre a situação dos negros (Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2007-2008 e o de 2009-2010) – obrigatórios para o movimento balizar suas reivindicações e para orientar a ação de governos que não professam a fé bandida do racismo.

O Relatório Anual pinça as desigualdades raciais; procede a mensuração delas via indicadores econômicos, sociais e demográficos; e sistematiza avanços e recuos da equidade racial em seus múltiplos aspectos. O Laeser mantém o Fichário das Desigualdades Raciais: indicadores sociais e demográficos segundo o recorte racial/étnico, que, junto com o Relatório Anual, são guias indispensáveis para a elaboração e execução de políticas públicas, pois retratam o miserê vivenciado pelos negros na vida social e política.

No relatório de 2007-2008 destaco a conclusão que revela de modo inequívoco o quanto a ideologia racista está entranhada, de cabo a rabo, na amostra dos tribunais de Justiça estudados (85 casos em 13 tribunais, de 1º.1.2005 a 31.12.2006): “Nos acórdãos provenientes de decisões de primeiro grau, de natureza civil ou penal, 40% dos processos foram julgados como de mérito improcedente: o juiz analisou a questão e concluiu que a vítima não tinha razão. Em 5,9% dos casos, o processo foi julgado improcedente sem mérito. Isso implica que o magistrado não analisou a matéria de direito e de fato, permitindo que a vítima possa propor nova ação”.

“Os processos julgados procedentes corresponderam a 35,3% dos casos e a procedência, em parte, correspondeu a 14,1%, juntos totalizando 49,4% dos casos. As vítimas, para o período estudado, ganharam mais que perderam nos processos de primeiro grau. Nos tribunais de segunda instância, as vítimas ganharam em 32,9% dos casos, enquanto os réus venceram em 57,7%: na fase de segundo grau, os réus vêm levando vantagem, tendo alteradas as decisões de primeiro grau, vencidas, na maioria, pelas vítimas” (www.laeser.ie.ufrj.br/relatorios_gerais.asp).

Parece difícil, mas é simples. A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) deve ousar agir junto aos tribunais visando elevar a consciência antirracista de seus integrantes.

Sem atacar de frente e a fundo os padrões culturais que alimentam o racismo, a luta será inglória.

Para o pesquisador Marcelo Paixão, em entrevista à “Afropress”, “algumas políticas que vieram da Constituição significaram avanços” para a população negra. E cita o SUS: 80% dos negros se internam pelo SUS; os indicadores de universalização da cobertura da rede de ensino, entre 7 e 14 anos; e o Bolsa Família: a maioria dos beneficiários é negra.

“Para cada um desses indicadores, há tantos vetores que servem como contraponto que cada um deles fica colocado sob uma perspectiva que acaba não sendo muito otimista”.

O relatório do Laeser de 2009-2010, cotejado com o momento bom da economia nacional, evidencia que uma política de combate à pobreza é necessária para extirpar a miséria e minorar a pobreza entre os negros, mas é insuficiente para conferir cidadania plena, caso não inclua ações antirracistas, pois pobreza é uma coisa e racismo é outra. Embora possam estar juntas, possuem dinâmicas diferentes.

O resto é balela. Bem sabe a ministra Luiza Bairros.

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