quinta-feira, 16 de junho de 2011

ainda não entendemos que é preciso interferir no que gera pobreza e miséria?

Marabá: Medidas paliativas não vão reduzir violência no campo

Viomundo

por Manuela Azenha

A situação em Marabá, no Pará, é de grande tensão. Cerca de 10 mil pessoas estão acampadas perto da sede local do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Elas pedem, basicamente, investimentos do governo para assentar famílias. José Batista Gonçalves Afonso é advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá e deu a entrevista que segue à repórter Manuela Azenha:

Viomundo – Por que as 10 mil pessoas estão acampadas ao redor do INCRA?

José Batista Afonso – Uma pauta de negociação foi entregue ao INCRA nacional e ao Ministério de Desenvolvimento Agrário faz uns dois meses. Estão acampados aguardando iniciar o processo de negociação.

Viomundo – O que essa pauta reivindica?

José Batista – Reivindica assentamentos de famílias acampadas, liberação de recursos para os assentamentos já criados, acesso a linhas de crédito produtivo e assistência técnica para os assentados. São basicamente essas as questões principais.

Viomundo – Existe um prazo de negociação?

José Batista – Não, estão aguardando um sinal do governo.

Viomundo – Qual o envolvimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no protesto?

José Batista – A CPT apóia a organização dos trabalhadores no movimento, no caso o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Pará. Consideramos uma luta legítima, que busca negociar uma série de reivindicações para melhorar a situação de assentamentos, acampamentos e melhorar a qualidade vida dos agricultores no sul e sudeste do Pará.

Viomundo – O protesto tem alguma relação com a audiência judicial que foi adiada na segunda-feira da semana passada?

José Batista – A audiência que foi adiada era de um processo judicial, não era de negociação da pauta dos trabalhadores. Era uma audiência do processo de reintegração de posse de famílias que estão acampadas em cinco áreas do grupo Santa Bárbara. Haveria uma tentativa de acordo judicial e provavelmente será assinado numa próxima audiência. Foi pedido o adiamento porque o INCRA não fez sua parte para criar condições de fazer o acordo no processo.

Viomundo – Quais são as chances das famílias acampadas na Santa Bárbara, agropecuária de Daniel Dantas, serem assentadas?


José Batista – Atualmente, elas ocupam uns 40 mil hectares do grupo Daniel Dantas aqui do sudeste do Pará. Eu acredito que 50% dessa área deva ser destinada para o programa de reforma agrária e nos outros 50%, as famílias serão retiradas e assentadas em outros imóveis a serem desapropriados pelo INCRA. Dois terços das famílias que estão acampadas na área da Santa Barbara deverão ser assentadas.

Viomundo – Como o senhor avalia a questão fundiária no Pará? A violência nessa região está associada a isso?


José Batista – A violência aqui tem algumas causas e a questão da estrutura fundiária é uma delas. Convivemos com uma organização fundiária centralizada, marcada pela grilagem de terras públicas, apropriação ilegal das terras pelo setor ruralista e madeireiro. Mas existem outras causas, como a impunidade no campo, a morosidade na reforma agrária e também a atuação limitada do INCRA, da Polícia Federal e do IBAMA, principalmente na fiscalização dos assentamentos e do processo de retirada ilegal de madeira em áreas de reserva e assentamento.

Viomundo – Desde o assassinato do casal de extrativistas, o governo anunciou algumas medidas, como um grupo interministerial e a liberação de cerca de 1 milhão de reais para o deslocamento de pessoal do INCRA para essa região. O senhor considera essas medidas um avanço?

José Batista – É um recurso muito pequeno e para uma atividade muito pontual, que é o deslocamento de servidores. Mesmo assim, esse recurso ainda não chegou. Os servidores ainda não estão indo a campo em função da ausência desses recursos. No assentamento onde ocorrem as mortes, por exemplo, o INCRA devia ter iniciado o trabalho há duas semanas não o fez porque os recursos ainda não foram descentralizados.

Viomundo – As investigações apontaram um suspeito de ser o mandante e retratos falados dos pistoleiros já foram divulgados. Isso indica alguma mudança no tratamento a esse crimes?


José Batista – As investigações seguem em passos lentos. Até agora, a polícia apenas divulgou o retrato falado e um possível mandante do crime, mas não prendeu ninguém e não conseguiu esclarecer totalmente o crime. Isso 20 dias depois do assassinato. Como são a Policia Civil e Militar atuando no caso, esperávamos resultados mais rápidos e eficazes.

Viomundo – Como que o senhor avalia a política brasileira no que diz respeito à questão agrária?

José Batista – Na questão agrária, a gente vê uma continuidade. Não há diferença entre as políticas do governo Lula e do Fernando Henrique. A única coisa que mudou foi a relação com os movimento sociais, que no governo FHC era marcada pela criminalização e no governo Lula, houve uma abertura maior para o diálogo. Mas isso não significou avanços na questão da reforma agrária, tanto na melhoria da qualidade dos assentamentos, quanto na desapropriação e assentamento de novas famílias. Em ambos os governos, esses aspectos não foram prioridade.

Viomundo – E o que você espera do governo Dilma? No programa Brasil sem Miséria, por exemplo, a população do campo está contemplada?

José Batista – Eu não conheço todos as diretrizes desse programa lançado recentemente. Mas acredito que é uma segunda versão do programa Fome Zero, e acho que o país precisa avançar mais nas políticas estruturantes. É preciso interferir no que gera a pobreza e a miséria, que é principalmente a concentração da renda e, é claro, precisamos adotar um outro modelo de desenvolvimento da sociedade. Se não alterarmos a política de fundo, a mais estruturante, teremos políticas paliativas, como Fome Zero e outros, que são programas importantes mas não resolvem o problema.

Viomundo – O governo diz não ter capacidade de proteger todo os ameaçados de morte que constam na lista que o CPT apresentou ao Ministério da Justiça. O que senhor acha que deva ser feito, então?

José Batista – A melhor forma de proteção não é ter um policial atrás de cada um dos ameaçados. A melhor proteção é investigar a origem das ameaças. Outra forma é solucionar os conflitos de onde as ameaças se originam. Fazendo isso, boa parte dos camponeses ameaçados vão estar protegidos. Outra forma é garantindo a proteção das florestas e das reservas, protegendo também quem está dentro delas. Ter um policial de proteção é só em casos extremos – e esses são poucos.

Viomundo – Você acha que a instalação de hidrelétricas como a de Belo Monte terá impacto na questão da violência?

José Ribeiro – Sim, na medida em que esses projetos incidem em terras onde há população indígena, de comunidades tradicionais, ribeirinhos, remanescentes de quilombos, posseiros, pescadores. Essas comunidades são afetadas pelo lago da hidrelétrica. Além do mais, a migração promovida pela implantação desses grandes projetos gera conflito, porque grande parte das famílias que chegam ao entorno dessas instalações não tem qualificação para garantir um emprego formal.

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