A valorização docente e a qualidade da educação: equação necessária
Isabel Letícia Pedroso de Medeiros (*)
A rede municipal de ensino de Porto Alegre, já há alguns anos, é alvo de questionamentos sobre a qualidade de ensino ofertada, seja pela organização em ciclos de formação (que supostamente, pelo “afrouxamento” da avaliação entendida como reprovação, estimularia professores e alunos à indolência), seja pelo resultado dos estudantes nas avaliações padronizadas, sempre inferiores a outras redes, não obstante o bom salário, boa formação acadêmica dos docentes e as boas condições das escolas.
Muito embora esse questionamento tenha origem na perspectiva mercadológica em educação, na “gestão de resultados”, feita via de regra por atores que ocuparam funções de gestão educacional ser ter deixado no seu legado nenhuma evidência/resultado de elevação da qualidade, ao contrário, em geral contribuíram para a precarização e sucateamento das redes públicas, devemos levá-la a sério, buscar analisá-la e respondê-la não a partir do intencional simplismo matemático que povoa o questionamento, mas na sua complexidade e profundidade que merece, com o compromisso genuíno com a elevação da qualidade social da educação, reconhecendo que no nosso país recém podemos falar em educação como política pública e direito de todos a partir das duas últimas décadas, período bastante tardio no qual estamos acompanhados apenas pelos países mais miseráveis do globo, bem como concordando que os professores podem e devem avançar nas suas estratégias didático metodológicas, o que certamente contribuirá para um cenário mais favorável nos processos de ensino aprendizagem. Não é pretensão aqui fazer esse necessário aprofundamento analítico, mas apenas apresentar alguns elementos para a reflexão.
O primeiro elemento a considerar são as avaliações padronizadas, importadas de modelos educacionais de outros países: como todo o padrão, esse tipo de avaliação é questionável por “passar uma régua cega” sobre uma população cuja diversidade cultural e desigualdade social atingem níveis abismais. A padronização que buscam estabelecer é firmemente criticada pelos defensores do respeito às diferenças e à diversidade. Sem querer banalizar a discussão, é como se todos devessem ter altura suficiente para firmar-se no varão dos ônibus, ou usar o mesmo número de roupa, ou caber nas poltronas dos cinemas. Por que deveria haver um padrão cognitivo?
Essas avaliações, a partir das análises feitas nos Estados Unidos inclusive por eximplementadores dessas políticas, não elevam a qualidade, apenas criam efeitos a partir do treinamento para responder a testes, deixando de lado a formação crítica e integral. Afortunadamente o Brasil deixou de gastar muito dinheiro público em vão com essas avaliações e aproveitou-as para uma iniciativa louvável: o Governo Federal passou a destinar mais recursos para aqueles municípios e escolas que não apresentam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), nos valores desejados.
Se faz necessário dar um salto qualitativo na gestão educacional e buscar modelos de avaliação institucional que considerem o “efeito escola”, ou seja, como o estudante chegou, qual o seu contexto de existência, e o que a escola agregou a ele e a sua comunidade. Quem é o melhor professor? Aquele que aprovou um estudante oriundo da classe média que já entrou alfabetizado na escola ou aquele que alfabetizou em um ou dois anos, mesmo que com ortografia insipiente, uma criança filha de analfabetos que desconhecia as letras e não sabia pegar o lápis? Quem tem mais condições de aprendizagem? O órfão do “crack” que consegue aprender a ler na escola ou a criança que, acolhida em uma família com condições afetivas, sociais e econômicas cria um ambiente alfabetizador desde o berço? São questões complexas e relativas que devemos considerar.
Ao focalizarmos no local, se faz necessário dizer que a rede municipal de ensino ampliou-se nas duas últimas décadas justamente na periferia, onde se concentram as populações em condições de miserabilidade. Conforme exaustivos estudos no campo da sociologia da educação, as condições sociais interferem significativamente na escolarização, o diferente e desigual “capital cultural”, como nos ensina o sociológo francês Bourdieu, constitui relações diferentes e desiguais com a cultura escolar. O sítio Observatório da Cidade de Porto Alegre” traz importantes informações que podem fundamentar projetos específicos para essa parcela da população, bem como mapear as diferenças e desigualdades no território da cidade.
Outro aspecto importante: apesar da cobertura relativamente reduzida de matrículas da cidade – vinte por cento do total -, a rede municipal de ensino é responsável por cinquenta por cento das matrículas ditas de inclusão/pessoas com necessidades especiais da cidade e sessenta por cento das matrículas em educação de jovens e adultos (EDUCACENSO 2010). Portanto, a rede municipal de ensino atua firmemente na inclusão de parcelas da população historicamente excluídas. Em nenhum outro período histórico o nível de escolarização na cidade (assim como no nosso país) foi tão alto, nunca antes as pessoas com necessidades especiais tiveram tanto acesso, nem os adultos excluídos, tampouco o índice de analfabetismo foi tão baixo no município. Esse cenário se deve ao trabalho dos professores da rede municipal de ensino, que diferente de outras redes, incluem essas populações que “baixam” os índices dos testes padronizados.
Assim, fazemos um apelo para que a mídia e as autoridades proponham uma discussão séria a esse respeito, e não busquem escusas para os baixos salários e a precarização das condições das escolas. Podemos qualificar nosso trabalho e elevar a qualidade social da educação? Certamente. Para isso continuaremos atuando na defesa de salários dignos, formação continuada, condições de trabalho para nós. E nos somando as lutas por uma vida digna, com trabalho, saúde, moradia digna, proteção à infância e à juventude, enfim, direito à cidadania, para a população de Porto Alegre.
(*) Professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre desde 1989, doutora em educação pela FACED/UFRGS e diretora geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre – ATEMPA.
A rede municipal de ensino de Porto Alegre, já há alguns anos, é alvo de questionamentos sobre a qualidade de ensino ofertada, seja pela organização em ciclos de formação (que supostamente, pelo “afrouxamento” da avaliação entendida como reprovação, estimularia professores e alunos à indolência), seja pelo resultado dos estudantes nas avaliações padronizadas, sempre inferiores a outras redes, não obstante o bom salário, boa formação acadêmica dos docentes e as boas condições das escolas.
Muito embora esse questionamento tenha origem na perspectiva mercadológica em educação, na “gestão de resultados”, feita via de regra por atores que ocuparam funções de gestão educacional ser ter deixado no seu legado nenhuma evidência/resultado de elevação da qualidade, ao contrário, em geral contribuíram para a precarização e sucateamento das redes públicas, devemos levá-la a sério, buscar analisá-la e respondê-la não a partir do intencional simplismo matemático que povoa o questionamento, mas na sua complexidade e profundidade que merece, com o compromisso genuíno com a elevação da qualidade social da educação, reconhecendo que no nosso país recém podemos falar em educação como política pública e direito de todos a partir das duas últimas décadas, período bastante tardio no qual estamos acompanhados apenas pelos países mais miseráveis do globo, bem como concordando que os professores podem e devem avançar nas suas estratégias didático metodológicas, o que certamente contribuirá para um cenário mais favorável nos processos de ensino aprendizagem. Não é pretensão aqui fazer esse necessário aprofundamento analítico, mas apenas apresentar alguns elementos para a reflexão.
O primeiro elemento a considerar são as avaliações padronizadas, importadas de modelos educacionais de outros países: como todo o padrão, esse tipo de avaliação é questionável por “passar uma régua cega” sobre uma população cuja diversidade cultural e desigualdade social atingem níveis abismais. A padronização que buscam estabelecer é firmemente criticada pelos defensores do respeito às diferenças e à diversidade. Sem querer banalizar a discussão, é como se todos devessem ter altura suficiente para firmar-se no varão dos ônibus, ou usar o mesmo número de roupa, ou caber nas poltronas dos cinemas. Por que deveria haver um padrão cognitivo?
Essas avaliações, a partir das análises feitas nos Estados Unidos inclusive por eximplementadores dessas políticas, não elevam a qualidade, apenas criam efeitos a partir do treinamento para responder a testes, deixando de lado a formação crítica e integral. Afortunadamente o Brasil deixou de gastar muito dinheiro público em vão com essas avaliações e aproveitou-as para uma iniciativa louvável: o Governo Federal passou a destinar mais recursos para aqueles municípios e escolas que não apresentam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), nos valores desejados.
Se faz necessário dar um salto qualitativo na gestão educacional e buscar modelos de avaliação institucional que considerem o “efeito escola”, ou seja, como o estudante chegou, qual o seu contexto de existência, e o que a escola agregou a ele e a sua comunidade. Quem é o melhor professor? Aquele que aprovou um estudante oriundo da classe média que já entrou alfabetizado na escola ou aquele que alfabetizou em um ou dois anos, mesmo que com ortografia insipiente, uma criança filha de analfabetos que desconhecia as letras e não sabia pegar o lápis? Quem tem mais condições de aprendizagem? O órfão do “crack” que consegue aprender a ler na escola ou a criança que, acolhida em uma família com condições afetivas, sociais e econômicas cria um ambiente alfabetizador desde o berço? São questões complexas e relativas que devemos considerar.
Ao focalizarmos no local, se faz necessário dizer que a rede municipal de ensino ampliou-se nas duas últimas décadas justamente na periferia, onde se concentram as populações em condições de miserabilidade. Conforme exaustivos estudos no campo da sociologia da educação, as condições sociais interferem significativamente na escolarização, o diferente e desigual “capital cultural”, como nos ensina o sociológo francês Bourdieu, constitui relações diferentes e desiguais com a cultura escolar. O sítio Observatório da Cidade de Porto Alegre” traz importantes informações que podem fundamentar projetos específicos para essa parcela da população, bem como mapear as diferenças e desigualdades no território da cidade.
Outro aspecto importante: apesar da cobertura relativamente reduzida de matrículas da cidade – vinte por cento do total -, a rede municipal de ensino é responsável por cinquenta por cento das matrículas ditas de inclusão/pessoas com necessidades especiais da cidade e sessenta por cento das matrículas em educação de jovens e adultos (EDUCACENSO 2010). Portanto, a rede municipal de ensino atua firmemente na inclusão de parcelas da população historicamente excluídas. Em nenhum outro período histórico o nível de escolarização na cidade (assim como no nosso país) foi tão alto, nunca antes as pessoas com necessidades especiais tiveram tanto acesso, nem os adultos excluídos, tampouco o índice de analfabetismo foi tão baixo no município. Esse cenário se deve ao trabalho dos professores da rede municipal de ensino, que diferente de outras redes, incluem essas populações que “baixam” os índices dos testes padronizados.
Assim, fazemos um apelo para que a mídia e as autoridades proponham uma discussão séria a esse respeito, e não busquem escusas para os baixos salários e a precarização das condições das escolas. Podemos qualificar nosso trabalho e elevar a qualidade social da educação? Certamente. Para isso continuaremos atuando na defesa de salários dignos, formação continuada, condições de trabalho para nós. E nos somando as lutas por uma vida digna, com trabalho, saúde, moradia digna, proteção à infância e à juventude, enfim, direito à cidadania, para a população de Porto Alegre.
(*) Professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre desde 1989, doutora em educação pela FACED/UFRGS e diretora geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre – ATEMPA.
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