A história de Moabi
por Jorge Furtado em 14 de janeiro de 2011
Não contem com o fim do livro, ele estará onde sempre esteve, preservando o conhecimento humano, quando os tablets e os livros digitais forem apenas peças de museu. Mas que o tal ipad é uma maravilha, isso é. A possibilidade de levar, entre os livros, uma biblioteca inteira, com textos pesquisáveis com mecanismos de busca, é um indiscutível avanço. Fora que, com o ipad, você pode furungar livros que jamais leria, ainda mais numa rede, na praia. E achar boas histórias, como a de Moabi.
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A cidade de Moabi, capital do departamento de Dougni, na província de Nyanga, litoral sul do Gabão, tem este nome em homenagem ao patriarca dos fang, povo da etnia bantu que habita a região desde tempos imemoriais e cuja lenda está descrita na obra de Jean-Pierre Chrétien, “Aux origines de peuples Bantou”.
Moabi, órfão de pai e mãe, foi criado pelos pescadores fang da baía de Bilanga. Ao chegar a vida adulta, Moabi passou a acompanhar a expedição que, duas vezes ao ano, faziam os fang ao interior do continente, para comerciar com os okandé, hábeis agricultores e criadores de animais. Os fang levavam aos okandé farinha de peixe, camarão desitratado, sal e, em troca, recebiam sementes de arroz, feijão, queijos e carne seca de búfalo. Os okandé também apreciavam a cerâmica produzida pelos fang, pequenos vasos e pratos feitos com a argila vermelha do lago Ndogo.
A distância do litoral até a região dos okandé era de cerca de 400 quilômetros, que a expedição dos fang vencia em 20 dias de viagem, a pé. Um dos pernoites era especialmente perigoso, na encosta do monte Marvombou, onde os fang às vezes cruzavam com os eshira, povo de mercadores nômades nem sempre amistosos.
Moabi, o mais jovem do grupo, era encarregado de transportar a cerâmica, cuidadosamente acondicionada em folhas de palmeira. Mesmo com toda a precaução, muitas peças se quebravam no caminho. Os okandé pagavam, por cada peça inteira, uma teiga de sementes, medida que equivale a mais ou menos um litro.
Numa de suas expedições, Moabi levou com ele uma grande concha do mar, que os okandé receberam com visível espanto. As mulheres ficaram maravilhadas com as belas cores da concha, as crianças se divertiram com o som que ela produzia ao ser encostada no ouvido, os homens admiraram sua resistência e forma.
Moabi, percebendo que era a primeira vez que os okandé viam uma concha do mar, disse se tratar de uma peca de cerâmica, feita com uma espécie muito rara de argila e queimada em altas temperaturas, com lenha de baobá, e esfriadas num banho feito com uma mistura secreta, conhecida apenas pelos ancestrais fang e transmitida de geração em geração. As cores, disse Moabi, vinham de sementes raras, encontradas no interior da floresta. Os okandé perguntaram para que servia a concha. Moabi foi rápido na resposta: para nada, são enfeites, sua única função é a beleza.
Os okandé muito admiraram o talento dos fang e pagaram a Moabi 3 teigas de boas sementes pela concha. E pediram mais conchas.
Moabi passou a trazer aos okandé apenas conchas, fáceis de transportar, resistentes, e ainda mais fáceis de obter, bastava escolher na beira da praia, onde apareciam aos milhares. Com a grande quantidade de sementes que as conchas de Moabi proporcionavam, os fang prosperaram, expandindo suas plantações e construindo silos para guardar, para o inverno, o excesso de alimento que produziam.
Tudo ia muito bem até o dia em que um grupo de guerreiros okandé resolveu acompanhar Moabi ao litoral. Queriam ver de perto a fabricação das conchas. Moabi protestou, disse que o método de fabricação era segredo. Os okandé foram irredutíveis: ou os fang mostravam a eles a fabricação da concha ou o comércio estava suspenso. Moabi não teve outra saída senão concordar e iniciou sua viagem de volta acompanhado por um grupo de 12 ferozes guerreiros okandé, comandados por Bapounous, um dos muitos filhos do chefe. Nos vinte dias do caminho, Moabi só pensava numa maneira de sair da encrenca em que se metera. E descobriu.
Pouco antes de chegarem ao litoral, Moabi revelou aos okandé o segredo da fabricação das conchas. Elas precisavam, depois de cozidas no forno, ser resfriadas num grande reservatório de água salgada, que os fang criaram e mantinham apenas para isso, para produzir as conchas. E Moabi mostrou aos okandé, o mar.
Os bravos guerreiros okandé ficaram pasmos ao ver a vastidão do mar, e muito se admiraram do poder e da capacidade dos fang por terem criado algo tão grandioso apenas para produzir conchas, cuja única utilidade era sua beleza. Moabi entregou aos okandé muitas conchas, de todos os tipos, cores e tamanhos, recebendo em troca muitas teigas de sementes. Os okandé proclamaram a grande sabedoria e poder dos fang e voltaram para casa, felizes, com suas conchas.
O povo fang, inventor do mar, cresceu e prosperou. Moabi morreu muito velho, deixando grande descendência.
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A cidade de Moabi, capital do departamento de Dougni, na província de Nyanga, litoral sul do Gabão, tem este nome em homenagem ao patriarca dos fang, povo da etnia bantu que habita a região desde tempos imemoriais e cuja lenda está descrita na obra de Jean-Pierre Chrétien, “Aux origines de peuples Bantou”.
Moabi, órfão de pai e mãe, foi criado pelos pescadores fang da baía de Bilanga. Ao chegar a vida adulta, Moabi passou a acompanhar a expedição que, duas vezes ao ano, faziam os fang ao interior do continente, para comerciar com os okandé, hábeis agricultores e criadores de animais. Os fang levavam aos okandé farinha de peixe, camarão desitratado, sal e, em troca, recebiam sementes de arroz, feijão, queijos e carne seca de búfalo. Os okandé também apreciavam a cerâmica produzida pelos fang, pequenos vasos e pratos feitos com a argila vermelha do lago Ndogo.
A distância do litoral até a região dos okandé era de cerca de 400 quilômetros, que a expedição dos fang vencia em 20 dias de viagem, a pé. Um dos pernoites era especialmente perigoso, na encosta do monte Marvombou, onde os fang às vezes cruzavam com os eshira, povo de mercadores nômades nem sempre amistosos.
Moabi, o mais jovem do grupo, era encarregado de transportar a cerâmica, cuidadosamente acondicionada em folhas de palmeira. Mesmo com toda a precaução, muitas peças se quebravam no caminho. Os okandé pagavam, por cada peça inteira, uma teiga de sementes, medida que equivale a mais ou menos um litro.
Numa de suas expedições, Moabi levou com ele uma grande concha do mar, que os okandé receberam com visível espanto. As mulheres ficaram maravilhadas com as belas cores da concha, as crianças se divertiram com o som que ela produzia ao ser encostada no ouvido, os homens admiraram sua resistência e forma.
Moabi, percebendo que era a primeira vez que os okandé viam uma concha do mar, disse se tratar de uma peca de cerâmica, feita com uma espécie muito rara de argila e queimada em altas temperaturas, com lenha de baobá, e esfriadas num banho feito com uma mistura secreta, conhecida apenas pelos ancestrais fang e transmitida de geração em geração. As cores, disse Moabi, vinham de sementes raras, encontradas no interior da floresta. Os okandé perguntaram para que servia a concha. Moabi foi rápido na resposta: para nada, são enfeites, sua única função é a beleza.
Os okandé muito admiraram o talento dos fang e pagaram a Moabi 3 teigas de boas sementes pela concha. E pediram mais conchas.
Moabi passou a trazer aos okandé apenas conchas, fáceis de transportar, resistentes, e ainda mais fáceis de obter, bastava escolher na beira da praia, onde apareciam aos milhares. Com a grande quantidade de sementes que as conchas de Moabi proporcionavam, os fang prosperaram, expandindo suas plantações e construindo silos para guardar, para o inverno, o excesso de alimento que produziam.
Tudo ia muito bem até o dia em que um grupo de guerreiros okandé resolveu acompanhar Moabi ao litoral. Queriam ver de perto a fabricação das conchas. Moabi protestou, disse que o método de fabricação era segredo. Os okandé foram irredutíveis: ou os fang mostravam a eles a fabricação da concha ou o comércio estava suspenso. Moabi não teve outra saída senão concordar e iniciou sua viagem de volta acompanhado por um grupo de 12 ferozes guerreiros okandé, comandados por Bapounous, um dos muitos filhos do chefe. Nos vinte dias do caminho, Moabi só pensava numa maneira de sair da encrenca em que se metera. E descobriu.
Pouco antes de chegarem ao litoral, Moabi revelou aos okandé o segredo da fabricação das conchas. Elas precisavam, depois de cozidas no forno, ser resfriadas num grande reservatório de água salgada, que os fang criaram e mantinham apenas para isso, para produzir as conchas. E Moabi mostrou aos okandé, o mar.
Os bravos guerreiros okandé ficaram pasmos ao ver a vastidão do mar, e muito se admiraram do poder e da capacidade dos fang por terem criado algo tão grandioso apenas para produzir conchas, cuja única utilidade era sua beleza. Moabi entregou aos okandé muitas conchas, de todos os tipos, cores e tamanhos, recebendo em troca muitas teigas de sementes. Os okandé proclamaram a grande sabedoria e poder dos fang e voltaram para casa, felizes, com suas conchas.
O povo fang, inventor do mar, cresceu e prosperou. Moabi morreu muito velho, deixando grande descendência.
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