quarta-feira, 22 de junho de 2011

RS: tentando entender a pressa

Sob mau tempo, ‘PacoTarso’ ruma para votação na Assembleia

Sul 21


Programa de Sustentabilidade Financeira do governo estadual vem provocando protestos de servidores públicos | Ramiro Furquim/Sul21
Igor Natusch

O Programa de Sustentabilidade Financeira do governo gaúcho, tramitando na Assembleia em regime de urgência, deve ser votado na próxima semana. Mesmo que debaixo de mau tempo. Em clima cada vez menos cordial, governo e oposição divergem em pontos centrais do pacote que, se aprovado, provocará mudanças na previdência e nos modelos de pagamento adotados pelo Estado. Na plateia, assistindo à briga, estão representantes de sindicatos e entidades civis, que pressionam os parlamentares e pedem o fim da urgência do chamado “PacoTarso”, no que o governo não deve ceder.

Nesta terça, entidades de classe e representantes da sociedade civil divulgaram uma nota na qual criticam a postura do governo. “Embora tenha prometido ampla discussão com a sociedade sobre as medidas que apresentaria, (o governo) encaminhou os projetos em regime de urgência sem qualquer debate prévio”, critica o documento, assinado por 25 organizações. O Cpers realiza assembleia nesta quarta e promete uma mobilização na Praça da Matriz.

Nesta terça, o clima esquentou. A vinculação da necessidade de aprovar o pacote para que o governo tenha condições de pagar o 13º do funcionalismo fez o secretário do Planejamento, João Motta, divulgar uma nota para acabar com rumores. “Mesmo diante de um cenário de dificuldades estruturais e financeiras em que se encontra o Rio Grande do Sul, nossa prioridade é, e sempre será, fazer todos os esforços necessários para atender aos nossos compromissos com os servidores do Estado”, anunciou.

O grande embate entre governo e oposição está centralizado em dois dos projetos. Os PLs 189 e 190 propõem mudanças no sistema previdenciário do Estado, adotando proporcionalidade nas alíquotas para contribuição. Para os que recebem valores acima de R$3.689,66, a contribuição previdenciária passaria a ser de 16,5%, enquanto salários mais baixos teriam desconto de 11% dos vencimentos. Parte das verbas seria destinada ao Fundo Previdenciário (FUNDOPREV), sob garantias do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPE). O PL 190 estende a proposta previdenciária do governo aos militares, que terão seus valores de FUNDOPREV geridos pelo Banrisul.

Para a oposição, o uso de sistema progressivo para determinação de tributos é inconstitucional. “Essa leitura já foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal e vem sendo reforçada em decisões judiciais uníssonas desde 2002”, aponta o deputado Jorge Pozzobom (PSDB). “Não é oposição política, não é o PMDB, o PSDB ou o PP. É uma simples questão de legalidade”.


Pozzobom (PSDB) diz que projeto é inconstitucional | Ramiro Furquim/Sul21

“É o meu quarto mandato e nunca tinha ouvido tantas defesas de inconstitucionalidade quanto a um projeto de lei quanto agora”, completa Frederico Antunes (PP). “Quero conhecer a opinião do procurador-geral do Rio Grande do Sul (Carlos Henrique Kaipper) sobre isso”, sugere. Segundo o parlamentar, há um “mutirão” em andamento, com o objetivo de evitar a discussão e aprovar projetos que vão contra a Constituição.

Pont: “é uma cortina de fumaça”

Segundo Raul Pont e Daniel Bordignon, ambos do PT, não existe decisão em julgado do STF sobre o assunto. “São pareceres, não existe um acórdão do STF sobre isso”, responde Pont. “Querem criar uma cortina de fumaça a partir disso. Insistem nesse ponto (da inconstitucionalidade), mesmo sem argumentos, para não terem que discutir o mérito dos projetos”.

“A proposta, em seu espírito, é totalmente constitucional”, acrescenta Daniel Bordignon. O deputado acredita que o PL 189 e o PL 190 são necessários para “equilibrar minimamente” as finanças estaduais. “Atualmente, todo e qualquer contribuinte, desde a viúva até o trabalhador que ganha salário mínimo, pagam impostos da mesma forma. Nos parece mais justo que os mais altos ajudem os mais baixos”.

Governo não abrirá mão do regime de urgência

Outros projetos incluídos no pacote provocam polêmica, como o PL 191, que regulamenta o pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs). Atualmente, os papéis de pequeno valor se limitam a 40 salários mínimos, sendo pagos em até 60 dias úteis. A proposta do Executivo é mudar esse calendário, propondo pagamento em 30 dias para valores até sete salários mínimos e 180 dias para quem ultrapassar essa marca. A ideia do governo é destinar 1,5% da renda líquida anual para a quitação desses valores.

“O cidadão pede 45 ou 50 salários mínimos, abre mão do total para ganhar 40 e acaba recebendo apenas 7. Tivesse falado sobre isso na eleição, Tarso seria o último colocado. É o calotarso”, dispara Edson Brum (PMDB).


Edson Brum (PMDB): "Querem urgência para que a matéria não seja discutida nas comissões" | Ramiro Furquim/Sul21

A principal crítica, de qualquer modo, é quanto à tramitação do pacote em regime de urgência. A bancada oposicionista pressiona para que o governo desista da votação a partir do dia 28. Os governistas, porém, não arredam pé, alegando que a aprovação das medidas é fundamental e que o esforço governista é uma tentativa de impedir indefinidamente a votação. A bancada do PP sinaliza com uma proposta conciliadora: compromete-se a votar o pacote até o fim do ano, desde que o governo levante a urgência sobre os projetos polêmicos.

“Não existe essa possibilidade”, descarta Bordignon. Para ele, a tentativa de derrubar a urgência é uma “artimanha” para inviabilizar o pacote como um todo. Edson Brum, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia, discorda. “Querem urgência para que a matéria não seja discutida nas comissões”, rebate.

Faltou um voto para aprovar audiência pública

O clima foi tenso na sala da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde esses temas foram discutidos nesta terça-feira. A insatisfação devia-se não apenas ao polêmico regime de urgência, mas também à decisão da CCJ de recusar audiência pública sobre o pacote, solicitada pela Associação dos Juízes (Ajuris) e que seria realizada na próxima segunda. Eram necessários sete votos para aprovar a audiência, mas apenas seis foram obtidos. Daniel Bordignon (PT) ausentou-se da sala logo antes da votação do requerimento, impedindo que o número necessário de votos fosse alcançado.


Não existe possibilidade de retirar urgência, descarta Bordignon | Ramiro Furquim/Sul21

Ao Sul21, Bordignon disse ter sido induzido a sair da sala não por pressão do Executivo, mas sim por uma manobra da presidência da comissão. Segundo o parlamentar petista, havia um projeto posterior a ser votado, de autoria de Carlos Gomes (PRB), proibindo a cobrança de ICMS nas contas de água e luz de templos religiosos. Na hora de propor votação, porém, a mesa mudou a ordem, colocando o projeto de Carlos Gomes à frente do pedido de audiência pública. “Como o projeto (dos templos religiosos) não me interessava, e como julguei que o pedido de audiência tinha sido retirado, deixei a sala. Só soube depois (que tinha havido a votação)”, garante Bordignon, que também assegurou que teria votado a favor se tivesse tido a oportunidade. “O governo não tem nenhum problema em discutir os projetos publicamente”, afirmou.

A explicação não convenceu os representantes sindicais presentes na sessão extraordinária, ocorrida depois da decisão de negar a audiência. “O sacrifício é sempre nosso”, gritou uma pessoa, durante uma fala de Bordignon. “Urgência de dar dinheiro para banqueiro”, reclamou outra das presentes, aos gritos. As manifestações foram tão intensas que motivaram repetidos pedidos de ordem por parte do presidente da CCJ, Edson Brum. O próprio Daniel Bordignon abandonou uma de suas falas pela metade, abrindo mão de quase três minutos de que dispunha, alegando não haver condições para continuar.

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