Prefeitura de Porto Alegre e Instituto Ronaldinho, uma parceria muito suspeita
Mauro Pinheiro (*)
Em novembro de 2010, em função do início do rompimento da parceria mantida desde 2007 entre a Prefeitura de Porto Alegre e Instituto Ronaldinho Gaúcho, tive a curiosidade de conhecer as bases do convênio firmado entre as duas instituições. Formalizei um Pedido de Informações, que foi remetido à Secretaria Municipal de Educação. Com o entendimento na oportunidade de que tratava-se de somente um convênio fiz a seguinte pergunta: Favor detalhar as bases do convênio firmado entre Prefeitura e Instituto Ronaldinho.
Fiquei surpreso ao receber do Governo Municipal a resposta ao meu questionamento, pois para a pergunta formulada no singular veio uma resposta no plural, dando conta de que não era um convênio, mas sim dois os convênios mantidos entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho. Neste momento, à minha curiosidade somou-se uma dúvida: será que são somente dois convênios, ou teria algo a mais nesta parceria que iniciou com juras de amor eterno e terminou com um rompimento beirando o litígio?
Fiz, no início de 2011, meu segundo Pedido de Informações e desta vez fiz uma pergunta no plural: Quantos e quais são os convênios que foram firmados entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho Gaúcho de 2007 até 2010?
Se na resposta ao meu primeiro questionamento fiquei surpreso, ao receber o retorno do meu segundo pedido, fiquei atônito. Desta vez, ao fazer uma pergunta no plural recebi uma resposta no singular, dando conta de ter havido somente um convênio entre as instituições. Uma resposta que contradizia a anterior e repassada a mim pela mesma fonte, a Prefeitura de Porto Alegre. A partir desta resposta a curiosidade simples que motivara o questionamento inicial já não existia mais, agora uma série de dúvidas e algumas suspeitas começaram a transitar em torno da longa parceria mantida entre e Prefeitura e o Instituto.
Minhas suspeitas foram aumentando, gradativamente, quando tive acesso às respostas sobre a parceria Prefeitura-Ronaldinho enviadas pelo governo municipal à Pedidos de Informações feitos por outros Vereadores. No meio dos questionamentos dos outros Vereadores havia um pedido formulado por um parlamentar da base de apoio ao governo e, casualmente, a resposta a este Pedido de Informações foi a mais clara e completa de todas. O quebra-cabeça começava a ficar completo, apesar da forma caótica, embaralhada, parcial dos documentos fornecidos pela Prefeitura. Não era um nem dois os convênios, eram seis os termos de convênios firmados entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho. Estes estavam dispostos da seguinte forma: cinco termos de convênio entre as duas instituições e um convênio entre a Secretaria da Educação do Município e a Cia de Processamento de Dados de Porto Alegre – Procempa, mas cujo objeto era dar apoio a um projeto chamado na época de Ronaldinho.
Obs.: Um dos convênios repassa ao Instituto recursos financeiros oriundos de conveniamento anterior existente entre o Município e o Ministério da Justiça, no valor de R$ 2,3 milhões.
O total de recursos públicos envolvidos nestes seis convênios chegou próximo da cifra de R$ 6 milhões (valores históricos) e os resultados até hoje a Prefeitura não consegue explicitar. Os documentos que tínhamos à disposição apesar de parciais e incompletos, já nos possibilitavam falar em sérias suspeitas de irregularidades cometidas durante a parceria.
As nossas convicções sobre a existência de irregularidades foram crescendo e, no início de 2011, formalizamos o pedido de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para aprofundar as investigações sobre o caso. O governo fez o possível para impedir a investigação via CPI através de manobras parlamentares. O esforço do governo não surtiu efeito e, em abril/2011, finalmente as doze assinaturas necessárias foram obtidas e a CPI foi instalada.
Com a comissão de inquérito já instalada não sobrou alternativa ao governo senão entregar o restante da documentação sobre o assunto. Dentre as mais de oito mil páginas entregues existiam vários documentos que comprovavam as nossas teses de irregularidades e que, consequentemente, necessitavam de esclarecimentos maiores.
O quebra-cabeça estava quase fechado, porém ainda faltava uma peça fundamental. A peça que faltava era a contratação da Fundação Simon Bolívar pela Prefeitura em setembro de 2007, sem licitação. Este contrato foi firmado pelo valor de R$ 651 mil para o fornecimento de consultoria pedagógica destinada ao Projeto Ronaldinho. Com o achado da peça faltante o cenário começou a ficar mais claro. Temos um montante de recursos públicos (federal e municipal) na ordem de mais de R$ 6,3 milhões direcionado ao projeto Ronaldinho, temos uma quantidade imprecisa de crianças atendidas, temos uma tentativa de justificar com o projeto a educação em turno integral, temos um sonho desfeito para centenas destas crianças que frequentaram as dependências do Instituto e se espelhavam no ídolo que empresta seu nome à instituição.
Mas, o que temos de mais concreto são as irregularidades cometidas através desta parceria. Notas fiscais de valores vultosos em seqüência (NF,s 52, 53, 54…) e sem descrição dos serviços realizados, subcontratação de ONG’s pelo Instituto Ronaldinho (ONG’s suspeitas de irregularidades em outros convênios), descumprimento flagrante de cláusulas de convênio, não observância de legislação municipal nos processos de prestação de contas, repasses e pagamentos irregulares feitos pela Prefeitura, entre outras situações igualmente graves.
O que mais tem chocado os parlamentares e assessores envolvidos nesta investigação é o modus operandi adotado pela Prefeitura para forçar a validação legal de irregularidades cometidas. Servidores públicos do quadro do Município alertaram os gestores municipais sobre os problemas que já haviam ocorrido, que estavam ocorrendo e que poderiam ocorrer no futuro. Estes alertas eram sistematicamente desconstruídos por servidores investidos em cargos em comissão que atenuavam as irregularidades. Através de malabarismos jurídicos, administrativos e até políticos havia um esforço para validar atos que afrontaram a legalidade e a moralidade, conceitos tão caros na condução do setor público e, sobretudo afrontaram a inteligência dos porto alegrenses.
A investigação que está em curso na CPI já não mais necessita identificar irregularidades. Estas ficaram comprovadas documentalmente na simples leitura das mais de oito mil páginas repassadas pelo governo à comissão. O trabalho que resta à CPI é somente identificar se as irregularidades cometidas pela Prefeitura e pelo Instituto foram decorrentes somente de falta de gestão, ou se por traz da improbidade administrativa incontestável temos mais um caso de corrupção na política gaúcha.
(*) Vereador (PT), Presidente da CPI do Instituto Ronaldinho Gaúcho
Foto: Camila Domingues (CMPA)
Em novembro de 2010, em função do início do rompimento da parceria mantida desde 2007 entre a Prefeitura de Porto Alegre e Instituto Ronaldinho Gaúcho, tive a curiosidade de conhecer as bases do convênio firmado entre as duas instituições. Formalizei um Pedido de Informações, que foi remetido à Secretaria Municipal de Educação. Com o entendimento na oportunidade de que tratava-se de somente um convênio fiz a seguinte pergunta: Favor detalhar as bases do convênio firmado entre Prefeitura e Instituto Ronaldinho.
Fiquei surpreso ao receber do Governo Municipal a resposta ao meu questionamento, pois para a pergunta formulada no singular veio uma resposta no plural, dando conta de que não era um convênio, mas sim dois os convênios mantidos entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho. Neste momento, à minha curiosidade somou-se uma dúvida: será que são somente dois convênios, ou teria algo a mais nesta parceria que iniciou com juras de amor eterno e terminou com um rompimento beirando o litígio?
Fiz, no início de 2011, meu segundo Pedido de Informações e desta vez fiz uma pergunta no plural: Quantos e quais são os convênios que foram firmados entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho Gaúcho de 2007 até 2010?
Se na resposta ao meu primeiro questionamento fiquei surpreso, ao receber o retorno do meu segundo pedido, fiquei atônito. Desta vez, ao fazer uma pergunta no plural recebi uma resposta no singular, dando conta de ter havido somente um convênio entre as instituições. Uma resposta que contradizia a anterior e repassada a mim pela mesma fonte, a Prefeitura de Porto Alegre. A partir desta resposta a curiosidade simples que motivara o questionamento inicial já não existia mais, agora uma série de dúvidas e algumas suspeitas começaram a transitar em torno da longa parceria mantida entre e Prefeitura e o Instituto.
Minhas suspeitas foram aumentando, gradativamente, quando tive acesso às respostas sobre a parceria Prefeitura-Ronaldinho enviadas pelo governo municipal à Pedidos de Informações feitos por outros Vereadores. No meio dos questionamentos dos outros Vereadores havia um pedido formulado por um parlamentar da base de apoio ao governo e, casualmente, a resposta a este Pedido de Informações foi a mais clara e completa de todas. O quebra-cabeça começava a ficar completo, apesar da forma caótica, embaralhada, parcial dos documentos fornecidos pela Prefeitura. Não era um nem dois os convênios, eram seis os termos de convênios firmados entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho. Estes estavam dispostos da seguinte forma: cinco termos de convênio entre as duas instituições e um convênio entre a Secretaria da Educação do Município e a Cia de Processamento de Dados de Porto Alegre – Procempa, mas cujo objeto era dar apoio a um projeto chamado na época de Ronaldinho.
Obs.: Um dos convênios repassa ao Instituto recursos financeiros oriundos de conveniamento anterior existente entre o Município e o Ministério da Justiça, no valor de R$ 2,3 milhões.
O total de recursos públicos envolvidos nestes seis convênios chegou próximo da cifra de R$ 6 milhões (valores históricos) e os resultados até hoje a Prefeitura não consegue explicitar. Os documentos que tínhamos à disposição apesar de parciais e incompletos, já nos possibilitavam falar em sérias suspeitas de irregularidades cometidas durante a parceria.
As nossas convicções sobre a existência de irregularidades foram crescendo e, no início de 2011, formalizamos o pedido de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para aprofundar as investigações sobre o caso. O governo fez o possível para impedir a investigação via CPI através de manobras parlamentares. O esforço do governo não surtiu efeito e, em abril/2011, finalmente as doze assinaturas necessárias foram obtidas e a CPI foi instalada.
Com a comissão de inquérito já instalada não sobrou alternativa ao governo senão entregar o restante da documentação sobre o assunto. Dentre as mais de oito mil páginas entregues existiam vários documentos que comprovavam as nossas teses de irregularidades e que, consequentemente, necessitavam de esclarecimentos maiores.
O quebra-cabeça estava quase fechado, porém ainda faltava uma peça fundamental. A peça que faltava era a contratação da Fundação Simon Bolívar pela Prefeitura em setembro de 2007, sem licitação. Este contrato foi firmado pelo valor de R$ 651 mil para o fornecimento de consultoria pedagógica destinada ao Projeto Ronaldinho. Com o achado da peça faltante o cenário começou a ficar mais claro. Temos um montante de recursos públicos (federal e municipal) na ordem de mais de R$ 6,3 milhões direcionado ao projeto Ronaldinho, temos uma quantidade imprecisa de crianças atendidas, temos uma tentativa de justificar com o projeto a educação em turno integral, temos um sonho desfeito para centenas destas crianças que frequentaram as dependências do Instituto e se espelhavam no ídolo que empresta seu nome à instituição.
Mas, o que temos de mais concreto são as irregularidades cometidas através desta parceria. Notas fiscais de valores vultosos em seqüência (NF,s 52, 53, 54…) e sem descrição dos serviços realizados, subcontratação de ONG’s pelo Instituto Ronaldinho (ONG’s suspeitas de irregularidades em outros convênios), descumprimento flagrante de cláusulas de convênio, não observância de legislação municipal nos processos de prestação de contas, repasses e pagamentos irregulares feitos pela Prefeitura, entre outras situações igualmente graves.
O que mais tem chocado os parlamentares e assessores envolvidos nesta investigação é o modus operandi adotado pela Prefeitura para forçar a validação legal de irregularidades cometidas. Servidores públicos do quadro do Município alertaram os gestores municipais sobre os problemas que já haviam ocorrido, que estavam ocorrendo e que poderiam ocorrer no futuro. Estes alertas eram sistematicamente desconstruídos por servidores investidos em cargos em comissão que atenuavam as irregularidades. Através de malabarismos jurídicos, administrativos e até políticos havia um esforço para validar atos que afrontaram a legalidade e a moralidade, conceitos tão caros na condução do setor público e, sobretudo afrontaram a inteligência dos porto alegrenses.
A investigação que está em curso na CPI já não mais necessita identificar irregularidades. Estas ficaram comprovadas documentalmente na simples leitura das mais de oito mil páginas repassadas pelo governo à comissão. O trabalho que resta à CPI é somente identificar se as irregularidades cometidas pela Prefeitura e pelo Instituto foram decorrentes somente de falta de gestão, ou se por traz da improbidade administrativa incontestável temos mais um caso de corrupção na política gaúcha.
(*) Vereador (PT), Presidente da CPI do Instituto Ronaldinho Gaúcho
Foto: Camila Domingues (CMPA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário