Comissão da Verdade
Agente da ditadura confessa crimes chocantes: “militantes de esquerda foram incinerados em usina de açúcar”
Escrevinhador
por Rodrigo Vianna
O Brasil inteiro ficou chocado quando a polícia revelou que os bandidos responsáveis pela morte do jornalista Tim Lopes usavam um “micro-ondas” feito de pneus, para queimar os restos mortais de suas vítimas.
Outro caso terrível: o corpo de Eliza Samudio, namorada do ex-goleiro Bruno, teria sido lançado aos cães e devorado.
Assim agem os bandidos. Sem o corpo, fica mais difícil gerar acusação e condenação por homicídio.
Mas e o que dirão os brasileiros ao saber que a prática era adotada por “agentes da lei”? Agora, não se trata de denúncia de famílias ou de órgaos de defesa dos Direitos Humanos. Não. Trata-se de uma confissão, de um agente qualificado, que tomou parte diretamente nos desaparecimentos.
Em “Memórias de uma Guerra Suja”, livro que acaba de ser editado, o ex-delegado Cláudio Guerra conta que, nos anos 70, os corpos de vários militantes de esquerda foram incinerados numa usina de açúcar no norte do Estado do Rio. As informações foram publicadas pelo jornalista Tales Faria, no IG. Ele teve acesso aos originais do livro, que será lançado na sexta-feira.
O curioso: o nome de Guerra nunca havia aparecido nas listas de torturadores mais conhecidos. Conversei há pouco com um pesquisador (e militante político) que conhece bem essas histórias. Ele disse que considera as informações de Guerra “muito consistentes, coerentes, não parece o depoimento de alguém que quer aparecer, mas de um homem que conhece profundamente a engrenagem da repressão”.
Em suma, o livro é “uma bomba”. Talvez, o mais importante documento sobre as execuções e os desaparecimentos ocorridos durante a ditadura. Tudo precisa ser apurado, checado. Mas Guerra fornece um roteiro completo sobre a barbárie praticada em nome do Estado e do regime militar.
Esses são os militantes de esquerda que, segundo o depoimento de Guerra reproduzido por Tales Faria no IG, tiveram os corpos incinerados na usina de Campos (RJ):
- João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
- Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, “a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”;
- David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman eLuiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
- Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
Guerra assume que foi dele a idéia de usar o forno da usina – pertencente a um vice-governador do Rio, anticomunista ferrenho – para queimar os corpos. E fala de outras execuções, tiros de misericórdia, torturas chocantes…
Guerra também diz que o delegado Fleury – torturador conhecido, oficialmente morto num acidente de barco já na época da “Abertura”- foi executado por decisão da chamada “Comunidade de Informações”. Conta detalhes da reunião em que se decidiu a morte de Fleury (claramente, uma “queima de arquivo” – como sempre se suspeitou) e diz quem estava presente ao encontro.
O depoimento é terrível, mas fundamental para contar a História da ditadura e de seus crimes. O ex-delegado Guerra está sob proteção da Polícia Federal, mas poderia prestar esclarecimentos à Comissão da Verdade que Dilma promete instalar.
O Brasil está diante de crimes bárbaros, inomináveis, praticados por gente que agia sob o comando do Estado. Crimes narrados em detalhe.
Alguém ainda acha que instalar a Comissão é “revanchismo”? Ou um “exagero”?
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